Melhores que a estrela que na água brilha
Melhores que as vozes dos ventos alados
Melhores que a mais bela de todas as filhas
São as contas verdes do teu anel prateado
— Harold Monro, Overheard on a Saltmarsh
Apesar de poucas quimeras serem racionais, as quimeras inanimadas têm ainda menos chance de desenvolver inteligência do que as animadas. As quimeras inanimadas costumam ser objetos usados pelos changelings. Podem ser armas ou armaduras, roupas ou joias, móveis finos, talheres de ouro e até mesmo jogos e brinquedos.
Algumas delas também apresentam uma realidade material, como quando um changeling cria uma reluzente espada quimérica a partir de uma velha bengala ou de uma espada de madeira: Também é possível criar um vestido quimérico para um baile à fantasia usando-se saia e blusa como base para a sobreposição da roupa onírica. Certos changelings são especialistas na criação de objetos quiméricos e empregam suas habilidades para forjar espadas quiméricas ou criar armaduras fantasiosas.
As vestes quiméricas são provavelmente o tipo mais comum de quimera inanimada. Ao passar pela Crisálida e descobrir seu Semblante Feérico, o changeling geralmente se vê usando um traje quimérico apropriado a sua nova identidade. É como se parte da recordação de seu verdadeiro eu se tornasse mais real com o novo figurino. Ele recorda e recria o traje com o qual sua identidade feérica se sente mais à vontade. Essa vestimenta é conhecida como voile.
Em geral, as joias são incluídas no traje quimérico como parte dos acessórios, principalmente se forem usadas como colares, cintos ou adornos para os cabelos. Alguns voiles faíscam com centenas de pedras ou pérolas quiméricas entretecidas. No entanto, é mais comum as joias serem adicionadas posteriormente, quando o changeling precisa de “um algo mais” para realçar seus atavios. Aqueles que não têm acesso a tesouros ainda podem se enfeitar com quimeras inanimadas em forma de joias, coroas, tiaras, insígnias e afins. Um pouco de sonho, um pouco de arte e pronto: nasce uma nova quimera.
Alguns changelings veem-se emergir em suas identidades feéricas trajados não com roupas finas, e sim com armaduras quiméricas. Apesar de incomum, isso geralmente indica um changeling cujas habilidades marciais (e a necessidade de empregá-las) são extraordinárias. As armaduras e as armas estão em segundo lugar na lista de artigos quiméricos mais comuns e quase sempre precisam ser manufaturadas em vez de simplesmente aparecerem como parte da roupagem de um Kithain. As armaduras podem ser usadas por cima das simples vestes terrenas ou aparecer associadas aos trajes quiméricos. Como no caso das roupas quiméricas, os trajes combinados às armaduras geralmente são sobrepostos às vestes reais. Alguns changelings preferem roupas contemporâneas, e certos voiles são extremamente modernos e até mesmo futuristas.
Os mortais não enxergam o voile nem as armaduras quiméricas. Pessoas nuas a caminho de um baile criam alvoroço; pessoas nuas pulando por aí, brandindo espadas imaginárias e proferindo gritos de guerra transtornam as pessoas comuns, o que geralmente acaba com os changelings trancafiados no hospital psiquiátrico mais próximo. Para evitar esse tipo de coisa, basta vestir roupas normais além do voile.
As armas quiméricas, como as espadas e as achas-de-armas, entre outras, constituem uma categoria à parte. São reais apenas para os changelings e mortais encantados. Não podem ser vistas nem sentidas pelos mortais. Algumas armas quiméricas são produzidas entrelaçando-se Glamour na composição de artigos do mundo real, de maneira bastante semelhante à criação de roupas quiméricas. Esses objetos podem ser vistos pelos mortais, que talvez se perguntem por que alguém brandiria uma bengala de madeira sobre a cabeça “fingindo” esgrimir. Os dois tipos de arma infligem dano quimérico (ou “irreal”). Apesar de parecer bastante real para o changeling atingido por uma dessas armas e até chegar a convencê-lo de que teve um braço ou uma perna decepada, a espinha partida e a cabeça esmagada, o dano não é real como o dano letal causado por armas do mundo comum.
Em vez de machucar, cortar ou penetrar, as armas quiméricas removem partes do Glamour do changeling, despedaçam seu Semblante Feérico e o deixam inconsciente devido ao trauma. A dor é simplesmente tão devastadora quanto a de qualquer outra arma terrena, mas o que o changeling sente é, na verdade, o assassinato temporário do espírito feérico que habita seu corpo mortal. Muitos descrevem a sensação como um embotamento dos sentidos, uma dor lancinante e um entorpecimento gélido que penetra os próprios ossos: tudo provocado pela invasão da Banalidade.
Ao acordar, os changelings “mortos” com armas quiméricas lembram somente de suas vidas mortais. Não têm qualquer recordação de suas vidas como Kithain ou da existência de coisas como os changelings. Despojados de seu Glamour, eles foram forçados a reentrar no mundo material. Não conseguirão ver as quimeras nem interagir com elas – nem mesmo com as próprias roupas e armas quiméricas – até que tenham sido novamente impregnados com Glamour e recordem sua herança feérica. O changeling que tenha sido despojado de seu Glamour tão repentinamente pode acordar e se perguntar por que está deitado sobre um gramado numa área desconhecida da cidade e com uma faca de manteiga na mão.
Quando um objeto do mundo real serve como base para a construção de uma arma quimérica, normalmente não se trata de algo perigoso por si só. Portanto, vareta, barbante e penas poderiam ser quimericamente transformados em arco e flechas, ou um lápis sem ponta poderia ser recriado como uma cimitarra. Da mesma maneira, o martelo de um carpinteiro poderia ser um martelo de guerra em seu aspecto quimérico e um canivete poderia ser uma adaga de fio mortífero.
É raro, mas não impossível, os changelings aplicarem um aspecto quimérico a uma arma de verdade. Entretanto, o dano quimérico é a norma entre os Kithain. Aqueles que matam outros changelings adquirem Banalidade ao fazê-lo, pois despojaram o mundo e o Sonhar de um de seus sonhos. Uma espada de verdade pode matar um changeling com a mesma facilidade com que mataria um ser humano. Um aspecto quimérico anexado a uma espada real simplesmente inflige dano quimérico além do dano real e potencialmente letal (isto é, o dano quimérico priva a fada de sua identidade enquanto o dano físico da espada fere-lhe o corpo). Como, de qualquer maneira, os changelings podem fazer valer sua vontade para causar dano real com as quimeras, dificilmente vale a pena acrescentar um aspecto quimérico a uma arma comum, a menos que o dito aspecto tenha algum efeito adicional. Andar por aí carregando espadas de dois metros que todo o mundo pode ver geralmente atrai a atenção indesejada das autoridades.
Os artigos domésticos, como almofadas e cortinas luxuosas, utensílios e toalhas de mesa elegantes, tapetes com desenhos intrincados e cadeiras confortáveis podem ser criados quimericamente. Essas coisas podem receber um aspecto quimérico com a intenção de ocultar os objetos terrenos subjacentes, mas muitos não passam de essência onírica materializada. Conquanto os changelings sejam os únicos a utilizá-los, faz pouca diferença se esses artigos são ou não “reais” no sentido humano. Se conseguirem ver e sentir esses objetos, os changelings poderão se sentar ou deitar sobre os mesmos, enrolar-se neles e comer com eles.
Do mesmo modo, edifícios inteiros podem ser embelezados pelo Glamour das fadas, revestindo-se com os acessórios das residências quiméricas, dos refúgios acolhedores e dos pontos de encontro amistosos. Lugares mais fantasiosos, como um castelo submerso, podem ser feitos inteiramente de Glamour, criados a partir de sonhos e esculpidos pelos mestres entre os artesãos e arquitetos feéricos. Essas moradias não podem ser vistas nem sentidas por aqueles que não foram encantados. Não costumam ser erigidas em locais onde o trânsito de pessoas comuns é frequente, pois, caso um mortal carregado de Banalidade passe por ali, a estrutura pode desmoronar.
A maioria das estruturas quiméricas é sobreposta às construções já existentes, muitas das quais são propriedades velhas e abandonadas que chamam pouca atenção. O que parece ser uma livraria em ruínas com uma placa onde sempre se lê “Fechado” poderia ser um aconchegante pub feérico ou a casa de uma fada nobre.
Para os changelings, o lugar parece ter sido pintado há pouco, com janelas brilhantes e recém-lavadas. Segundo o mesmo princípio, os changelings às vezes formam vilas ou cidades inteiras, embora isso tenha se tornado extremamente incomum na era moderna. Mesmo assim, o que para os mortais parece ser uma cidade-fantasma poderia constituir uma próspera comunidade de Kithain.
Velhas ruínas podem ganhar vida nova quando reconstruídas com a essência do Sonhar; os círculos de cogumelos podem se transformar em anéis das fadas. Esses lugares podem preservar a sensação de sobrenaturalidade muito depois da partida dos changelings, ou então seus aspectos quiméricos podem ser anulados pela descrença de um único cético.
Por terem uso geralmente limitado, os meios de transporte quiméricos constituem algumas das mais raras quimeras inanimadas. Como no caso de outros objetos, os changelings podem conferir aspectos quiméricos a seus skates, carros e motocicletas, modificando-lhes a aparência para impressionar, assustar ou divertir outros changelings. Esses usos são bem mais comuns que a impregnação de um veículo com poderes do Sonhar, como a capacidade de voar ou subir por paredes íngremes. Os engarrafamentos são acontecimentos muito banais, o que significa que os aspectos quiméricos dos meios de transporte podem desaparecer num piscar de olhos, e é preciso superar a descrença dos mortais ou inundar a área adjacente com Glamour para que um Kithain possa voar num tapete mágico.
Se, por acaso, a descrença dos mortais sobrepujar o Glamour de um changeling enquanto este estiver voando num tapete mágico, ele será imediatamente removido do mundo real (como se a Banalidade estivesse se protegendo dessa invasão) e depositado em algum lugar do Sonhar. Como, para todos os efeitos, o changeling estará perdido – durante horas, dias ou até mesmo anos – tentando descobrir em que ponto exatamente se encontra na vastidão do Sonhar, são poucos e raros os que se arriscam a cometer uma tolice tão flagrante. Apesar disso, existem carruagens encantadas de sobra, criadas para transportar os Kithain nobres à corte no estilo com o qual estão acostumados.
Ao criar ou redespertar uma Propriedade Livre, o changeling precisa investir Glamour permanente (veja a seção "Propriedades Livres", página 43). Ele poderá, em seguida, modelar a Propriedade até certo ponto e alterá-la para que esta se adapte a suas necessidades e a seus desejos. Portanto, uma Duquesa poderia criar um viveiro cheio de pássaros quiméricos; o Duque que a sucedesse talvez decidisse que o espaço poderia ser mais bem aproveitado como um canil. Um terceiro changeling poderia utilizar o espaço para criar um jardim ornamental. Tudo depende da disposição de ânimo e das preferências do proprietário. Alguns deles nunca modificam as coisas, pois acham que aquilo que era bom para os soberanos de seiscentos anos atrás é bom também para os dias de hoje. Contudo, mesmo esses tradicionalistas deixam alguma marca de suas personalidades na Propriedade. Embora possam deixar as coisas exatamente como as encontraram, os atuais moradores da Propriedade Livre acabarão descobrindo que os contornos e as cores dos objetos quiméricos costumam mudar ligeiramente de modo a se mostrarem tanto mais agradáveis quanto o possível. Entre esses efeitos temos coisas como: alterações nos desenhos da louça, as rosas do jardim que ganham tons mais claros, ou uma cadeira desconfortável que “adquire” uma almofada melhor.
Quando vários changelings se juntam mas não conseguem encontrar uma Propriedade Livre para o grupo, eles ainda podem usar seu Glamour para enfeitar com acessórios quiméricos um local comum, seja uma casa, uma sala, uma clareira na floresta ou um playground. Isso lhes proporciona um lugar próprio no qual podem se sentir à vontade. Como cada changeling contribui com uma pequena quantidade de Glamour temporário, o encantamento será mais forte e resistente ao cancelamento pelos mortais banais que andam por perto. Os changelings não conseguirão extrair Glamour do lugar, uma vez que não se trata de uma Propriedade Livre nem de uma Clareira de verdade. Entretanto, o local propiciará àqueles que o visitam um lar, um local de trabalho ou uma área de lazer onde eles poderão relaxar e ser eles mesmos, longe dos olhares curiosos dos mortais.
Os Nockers são os artesãos supremos quando se trata da manufatura de objetos e artigos quiméricos, mas a perícia dos Boggans também é famosa. Os dois Kiths se deleitam bastante com a criação de objetos quiméricos, apesar de não serem os únicos changelings capazes de fazer tal coisa. Qualquer changeling habilidoso consegue criar quimeras a partir das matérias-primas do Sonhar. No entanto, criar exatamente o que se tem em mente é, às vezes, mais difícil do que parece, e muitas quimeras disformes ou parcialmente formadas surgem dessas sessões de treinamento.
Muitas quimeras inanimadas têm vidas extremamente breves ou só são convocadas quando necessárias. As exceções são as construções quiméricas ou os artigos de uso frequente, como as roupas. Essas quimeras servem ao propósito para o qual foram criadas e nunca escapam ao controle de seus mestres changelings. Outras ganham consciência e fogem para o Sonhar.
Embora seja possível construir túneis, portas e até mesmo castelos quiméricos a partir do nada, é preciso haver espaço vago para tanto. A realidade sólida deve ser sempre levada em consideração no reino dos mortais. É impossível inserir ou atravessar portas quiméricas em paredes reais, mas pode-se criar a ilusão de uma porta. A parede continuará sólida apesar do acréscimo de uma “decoração” quimérica. Do mesmo modo, os túneis ou as masmorras quiméricas não existem na terra sólida. Uma Propriedade Livre subterrânea somente é possível se estiver localizada num espaço vazio já existente, como uma caverna ou mina, ou então se a entrada da Propriedade levar ao Sonhar Próximo. No Sonhar, quase tudo é possível. Masmorras quiméricas na terra sólida, escadarias de luar que sobem em espiral até as nuvens e casas voadoras feitas de bengalinhas açucaradas estão entre as estruturas menos fantásticas lá encontradas.