Os séculos insensíveis foram passando lentamente. Para a humanidade, a ciência e a razão prepararam o caminho para a Idade da Tecnologia. Um a um, os mistérios do universo foram sucumbindo à investida do microscópio e do telescópio, que revelaram o microcosmo da teoria atômica e o macrocosmo de uma galáxia em expansão. Os principais caminhos para o maravilhamento foram se fechando, explicados por uma descoberta após outra, e os changelings se amontoavam nos pequenos bolsões de Glamour remanescentes e comentavam aos sussurros a chegada do Longo Inverno, a época do derradeiro triunfo da Banalidade.
Foi então que o milagre aconteceu. Em 21 de julho de 1969, milhões de pessoas em todo o mundo olhavam, fascinados, para seus aparelhos de TV, enquanto os astronautas pousavam na lua. O Glamour abalou o mundo, liberto, depois de séculos de confinamento, pelo redespertar simultâneo da sensação de maravilhamento de toda a humanidade. Do útero de ferro da ciência renasceu a magia, pelo menos por um instante.
Um instante foi o suficiente. A irrupção de Glamour descerrou os portais para Arcádia e reabriu os Trods que estavam dormentes desde a Fragmentação. As Propriedades Livres perdidas reapareceram, com sua glória restaurada pelo poder dos sonhos da humanidade que se imaginava caminhando sobre a lua.
Do outro lado do Sonhar, o renascimento do Glamour no mundo repercutiu pelos antigos reinos feéricos de Arcádia. As hostes brilhantes dos Sidhe retornaram ao mundo, passando pelos portais recém-abertos para confrontar uma realidade bem diferente daquela que haviam abandonado séculos atrás. A maioria desses novos imigrantes era composta de exilados, o resultado de uma tumultuada sublevação em Arcádia que provocou o banimento de cinco das treze Casas que originariamente deixaram o mundo dos mortais. As Brumas obscureceram as lembranças dos que retornaram, deixando somente a recordação de que eles foram expulsos de Arcádia como punição por terem participado de um grande tumulto na terra natal das fadas.
Infelizmente, o vagalhão de Glamour provocado pela chegada à lua não conseguiria vencer os séculos de descrença acumulada que impregnava o mundo. As portas para Arcádia se fecharam mais uma vez. Os Sidhe foram obrigados a agir rapidamente para evitar que a Banalidade os destruísse por completo. Eles recorreram ao método testado e aprovado de trocar corpos com mortais e fizeram um bando de seres humanos desavisados passar pelos portais que haviam reaberto momentaneamente. Desde o Ressurgimento, muitos Sidhe que entraram no mundo como proscritos e exilados ainda utilizam esse antigo método de proteção contra a Banalidade, apoderando-se de corpos mortais convenientes para hospedarem seus delicados espíritos. Apesar do verdadeiro destino das almas humanas desalojadas ser incerto, a maior parte dos Sidhe acredita que esses mortais desfrutam de um despertar no Sonhar. Em outros casos, os Sidhe recém-chegados se aproveitam da presença de crianças muito novas, ou mesmo fetos, e introduzem suas essências nas psiques desses seres impressionáveis, onde passam a coexistir em simbiose, em vez de tomar posse total de almas mortais.
Apesar do Ressurgimento, como ficou conhecido o retorno dos Sidhe, ter ocorrido em todos os lugares, a maioria da nobreza feérica voltou ao mundo nos locais em que a influência do Glamour era mais forte. A Irlanda, as Ilhas Britânicas e outros lugares da Europa ainda irradiavam magia feérica suficiente para atrair boa parte dos Sidhe, mas a vasta maioria dos nobres emergiu nos Estados Unidos da América. Em 1969, a Costa Oeste passava por uma revolução da consciência. Em São Francisco, o Verão do Amor estava no auge, o que fez dessa cidade um farol de Glamour para os Sidhe que retornavam.
A partir de seus pontos de entrada, os Sidhe se espalharam rapidamente por um mundo mortal revitalizado. Um toque de clarim soou, convocando os Kithain plebeus a deixarem seus esconderijos para voltarem a servir aos nobres. Reivindicando suas antigas Propriedades Livres, os Sidhe ressurgentes agiam com a confiança de seu senso inato de autoridade. Apesar do mundo ter passado por seiscentos anos de mudanças, os Sidhe esperavam restabelecer os antigos reinos feéricos, tão precipitadamente abandonados durante a Fragmentação. Eles foram recebidos com a inesperada oposição da sociedade dos Kithain.
Durante séculos, os plebeus haviam sobrevivido sem a liderança dos Sidhe. Novos líderes vieram preencher o vazio deixado pela nobreza, e muitas fadas plebeias aprenderam a viver sem qualquer tipo de liderança. O sistema feudal, tão caro aos Sidhe ressurgentes, havia se tornado obsoleto. As novas formas de governo da humanidade, baseadas na pluralidade, na democracia, no socialismo e em outros sistemas populistas minaram a rígida hierarquia de nobres e plebeus.
Apesar de alguns plebeus apoiarem a nobreza, outros se rebelaram. Seguiu-se um período inquieto de manobras políticas que culminou num acontecimento que para sempre mancharia a reputação da nobreza. Nos Estados Unidos, os líderes plebeus, convocados a uma reunião durante o Beltane sob o pretexto de estabelecer um acordo com os Sidhe, encontraram a morte, massacrados pelo ferro frio numa carnificina que ficou conhecida como a Noite dos Punhais de Ferro. Toda e qualquer esperança de um acordo que resolvesse a contenda entre nobres e plebeus desapareceu naquela noite.