Como relatado pelo Professor Edgewick à suposta herdeira do trono, Princesa Lenore.
Desça desse grande olmo prateado. Desça agora, já disse! Se você é a filha de um Rei, deve fazer o que eu digo. Para mim, você deve ser perfeita, pois eu sou seu tutor. Está na hora de sua lição de história, embora todas as maravilhas de Tara-Nar clamem por você. Você deve ouvir, pois uma verdadeira líder deve aprender as lições do passado, se quiser reivindicar o futuro. Desça, já disse, ou eu vou chicotear suas pernas com esta varinha de salgueiro branco!
Humpf. Assim é melhor. Realmente seu pai ficaria muito desgostoso ao vê-la sendo tão mal-criada com seu velho conselheiro e amigo. Ainda assim, eu já fui jovem, embora eu me lembre apenas vagamente de minha juventude feérica. Um tempo dourado na vida de alguém, ou assim o dizem. Para uma criança como você, lições longas e monótonas com um barbagris devem parecer tão torturantes quanto lições de etiqueta para um Redcap.
Bem, então: caminhe comigo um pouco, pois o dia está quente, com as mais agradáveis brisas de Beltane. Percorreremos juntos esta trilha silvestre e eu irei lhe falar brevemente sobre assuntos grandes e pequenos. Toda a história de nossa espécie você deve aprender de forma leve, trazida à tona pela "arte plebeia" chamada de Chicana. Caminhe ao meu lado apenas um pouco eu me esforçarei para não fazer discursos, nem criticá-la, nem aborrecê-la.
Começaremos no início de todas as coisas, um tempo antes do tempo, um tempo que chamaremos de...
Eu ouvi sua risada. Foi um tempo antes da memória deste velho barbagris: “impossível”, você diz. Mas houve um tempo assim. Um tempo de lendas heroicas, quando o primeiro de nossa nobre espécie caminhou entre os homens.
No início, este mundo estava quase pronto. Toda árvore, rocha e riacho existiam imóveis, mas havia um silêncio sobre a terra. Nem o canto dos pássaros nem a brisa do vento quebravam este silêncio. O mundo estava sem movimento ou vida; congelado como se fosse capturado na tela de um pintor. Então uma grande luz irrompeu sobre o mundo e dessa luz surgiram os primeiros da nossa espécie, os Tuatha de Danaan. Eram deuses? Eu lhe perdoo por pensar assim. Certamente eles eram seres de poder, e por todo o mundo espalharam sua nobre luz. Com eles, a humanidade aprendeu a sonhar. No início foi glorioso, pois os Tuatha de Danaan deram o poder dos sonhos como um presente para a humanidade. A humanidade, em troca, deu aos Tuatha de Danaan o que eles precisavam para criar a Era das Lendas.
O mundo dos homens e o Sonhar eram um só e todas as coisas eram possíveis. As criaturas encontradas agora apenas no Sonhar Mais Profundo (se é que elas ainda existem por lá) conviviam diariamente com os humanos. Harpias, grifos, dragões e todos os outros tipos de criaturas agora consideradas inimagináveis percorriam o mundo e faziam parte de sua ordem natural. No entanto, não os procure nos chamados "registros fósseis" dos cientistas, pois onde havia dragões, eles enxergam apenas "evolução natural". Estas palavras são difíceis para os meus lábios; mas ainda hoje, há espaço para caminhos e histórias diferentes neste mundo. São apenas as maquinações dos Ocultos que fazem com que uma única versão se destaque em detrimento das outras. Mas continuando...
Com o tempo, esta Era de Ouro deu lugar à Era Prata, pois mesmo os “contos de fadas” têm seu auge! Sua Era de Ouro. Dos Tuatha de Danaan vieram todos os outros Kiths. Haviam os gigantes, altos como montanhas e furiosos como o trovão. Haviam os Pooka, selvagens e brincalhões em suas tocas. Haviam os Sluagh, que viviam em cavernas e outros lugares secretos, e haviam muitos outros mais. Mesmo naqueles dias, antes da existência dos Reis e Rainhas, os povos feéricos olhavam para os sábios Sidhe, em busca de liderança e conselhos.
Muitas estações se passaram e a Era de Prata deu lugar a uma de Bronze. Pode ser mera coincidência que esta tenha sido a época que os homens também chamaram de Era de Bronze, pois foi quando eles aprenderam a derreter este metal pela primeira vez. (Um presente, sem dúvida, dado a eles por um engenhoso Nocker). Outras criaturas apareceram, versões distorcidas e pervertidas dos fae. Haviam os vampiros, filhos de Lilith, a fada louca por sangue. Juntos também das fadas haviam os trocadores de pele chamados de Garou, que possuíam um parentesco de raça com os Kithain Pooka. As primeiras brisas frescas do Outono sopraram, e a mudança e a morte chegaram com o vento.
Muitos dos Tuatha de Danaan se tornaram amargos e rudes. Eles caíram em guerra uns com os outros. Outras forças se envolveram, apesar de quem elas eram, nossas histórias não dizem. Talvez os Pródigos, quem sabe... mas isso seria especulação e não faz parte de nossa lição de hoje. A guerra destruiu tudo o que os Tuatha de Danaan haviam construído. Os Tuatha de Danaan partiram desta esfera, ou talvez todos eles tenham sido mortos por sua própria ganância. Tudo o que restou deles são seus filhos: nós, os fae; e os primeiros entre eles, os Sidhe. Com a partida dos Tuatha de Danaan, uma nova era chegou ao mundo.
Esta época poderia ser chamada de Era de Ferro, pois mais uma vez coincide com o tempo em que os homens começaram a forjar esse metal, o ferro se tornou uma maldição para nossa espécie. (Rezo para que você nunca sinta sua ferroada como eu senti, jovem.) A Separação pode ser comparada aos primeiros dias frios do Outono, quando as folhas começam a morrer. A humanidade virou as costas para nós, e nós, em contrapartida, fizemos o mesmo com ela. Embora a humanidade deva arcar com grande parte da culpa por isso, nós também não estamos isentos dessa responsabilidade. (Vejo seus olhos se arregalarem, pois não foi isso que lhe ensinaram antes.) Sidhe orgulhosos e humildes Boggans viraram as costas aos humanos, assim como eles se viraram para nós. As duas raças eram arrogantes, gananciosas ou imprudentes demais para viverem como uma só. Digo isto apenas porque você, jovem, pode algum dia querer reivindicar o futuro e deve aprender todas as nossas histórias, bonitas ou não.
A humanidade foi para as cidades. As razões para isso são muitas. Talvez grandes desfiladeiros de aço e arcos de vidro sejam seu habitat natural. Talvez o tenham feito para se protegerem das criaturas selvagens dos campos e dos riachos, dos fae e dos Pródigos Garou, que se tornaram agressivos em relação a sua espécie. Talvez tenham sido as maquinações dos Filhos de Lilith, que foram morar nestas “coelheiras” criadas pelo homem. Mas irei divagar... Qualquer que seja a razão desta mudança, a humanidade aprendeu os caminhos da hierarquia. Grandes Reis, Rainhas e impérios cresceram entre eles, e os fae seguiram seus passos. Não importa o quanto você possa ouvir o contrário, nós os acompanhamos. Pronto, está dito. Nós fadas, nós criaturas do Sonhar, somos reflexos da humanidade, e nosso destino se entrelaça com o deles. Não tema, pequena Princesa. Nós não somos seus fantoches, mas devemos estar sempre atentos ao nosso lugar no esquema de todas as coisas.
Ah, mas aqui fica minha primeira observação... A humanidade criou monarquias para governá-la e nós seguimos o exemplo. Grandes senhores e senhoras se levantaram entre as fadas. Os chefes entre elas eram os Sidhe, que sempre foram considerados líderes entre a nossa espécie.
Grandes batalhas foram travadas pela coroa, e muitos fae virtuosos de classe nobre ou plebeia foram destruídos em nome de Reis e Rainhas. Havia governantes sábios e benevolentes e havia tiranos; sempre deve-se estar atento à diferença entre os dois. Grandes Propriedade Livres cresceram em meio aos reinos mortais e também no Sonhar Próximo. Grandes palácios de matéria onírica, muito além das obras dos monarcas mortais, foram construídos; alguns se aproximaram da grandiosidade da própria Arcádia, ou assim se diz. Muitas canções grandiosas são cantadas sobre esses dias e com razão. Pois embora fosse uma época de escuridão crescente, assim também era uma época de grande heroísmo. Lendas como as dos Cavaleiros do Ramo Vermelho se espalharam pelas terras, e sua grandiosa ordem está conosco, até os dias de hoje.
Também nestes dias ocorreram os maiores confrontos entre as duas Cortes: Seelie e Unseelie. Embora essa inimizade tenha diminuído um pouco, ela ainda é uma brasa ardente, esperando para renascer.
E por algum tempo, embora a distância entre a Arcádia e esta esfera mundana viesse crescendo cada vez mais, ainda restaram ligações entre os dois reinos. Fadas e mortais encantados percorreram os Trods do Sonhar entre as terras, e isto foi chamado de Era das Viagens. Muitas das grandes lendas da humanidade surgiram durante este tempo. Cuchulainn e o Rei Artur foram resultados desta mistura de histórias humanas e feéricas. Entretanto, em resumo, o maior resultado desta era foi o distanciamento entre os mortais e os fae. Grandes batalhas ocorreram ao longo dos Trods e das Propriedades Livres, à medida que mais e mais Uasal Sidhe deixavam as terras dos homens em direção à Arcádia. Uma grande escuridão caiu sobre a terra, e essa escuridão foi chamada de...
Talvez "Fragmentação" não seja o melhor nome para este período, já que evoca imagens de um cataclismo repentino, uma janela se estilhaçando em uma fração de segundo. Na verdade, foi um processo longo e arrastado, que ocorreu ao longo de muitas gerações humanas. Foi o culminar da Separação, o evento que coroou a nossa ruína. Ninguém sabe quando ela começou; talvez quando a humanidade lavrou o solo pela primeira vez ou quando começou a marcar a mudança das estações. Isso não importa. Uma a uma as grandes Casas Nobres voltaram para Arcádia, a maioria delas nunca mais voltou. As cinco casas Seelie que voltaram foram também as últimas a partir. Alguns especulam que foram suas ações nos últimos dias da Fragmentação que causaram seu eventual exílio de Arcádia. Foi no caldeirão borbulhante destes tempos que eu nasci.
A humanidade estava no meio de tantas mudanças. A sabedoria dos antigos se perdeu em muitos lugares e depois acabou renascendo. À medida que a "racionalidade" era redescoberta no Ocidente, acelerava-se nossa partida desta esfera mundana. Talvez tenha sido diferente no Oriente; mas mesmo nos melhores tempos, nosso contato com os fae daquelas terras era pequeno. Certamente aqui, nas terras agora chamadas de Concórdia, a Fragmentação não foi tão severa. Junto com a nobreza, muitos plebeus também partiram para Concórdia e poucos deles retornaram. De todas as Casas Nobres, apenas a Casa mendicante de Scathach permaneceu em grande número. Contudo, seus hábitos são secretos e pouco se sabe de suas ações nos séculos que se seguiram.
A Peste Negra caiu sobre a humanidade. Multidões incontáveis morreram pela doença e pela fome. A humanidade, com medo e ódio, procurou os culpados. Os demônios e os diabos eram os mais comuns, mas muitas vezes os Kithain e os outros Pródigos pagavam o preço. Ainda hoje existem remanescentes vivos da época chamada "Inquisição"; temo que eles ainda possam voltar. Mas não se assuste, jovem. Seu pai é forte e seu reino é seguro.
Ah! Os dias finais da Fragmentação. Aqueles foram dias terríveis para se viver. Tempos horríveis... As obras mais fortes do Sonhar desmoronaram como castelos de areia diante da maré de Banalidade que varreu o mundo. Kithain lutou contra Kithain naqueles últimos dias. Os poucos nobres que optaram por permanecer lutaram para defender as Propriedade Livres e Trods remanescentes.
O grande Portal de Prata foi destruído em uma batalha inútil e tola entre dois irmãos Sidhe. O Grande Rei daqueles tempos, o Rei Falchion, foi assassinado em batalha no Fim do Mundo; uma escuridão grandiosa e intensa levou seu corpo. Senhores feudais, tanto Sidhe quanto plebeus, se rebelaram depois de sua morte. Estes nobres corruptos cobravam tributos ao longo dos últimos dos Trods para Arcádia, exigindo Lia e tributos dos fae que buscavam fugir em desespero. Alguns deles até administravam falsos Trods, que levavam para Reinos de Pesadelo. Como eu disse, tempos terríveis. Esta prática, porém, não durou muito. Após a queda do Portal de Prata, até mesmo os Trods secretos se fecharam. Logo não restava nada das Casas Nobres dos Sidhe na Terra e uma nova era chegava para os Kiths restantes, um tempo chamado de...
Os últimos dias da Fragmentação são minhas últimas lembranças claras. Depois disso, mais de 600 anos de memórias roubadas! A Terra, mesmo suas imagens mais tolas, foram esquecidas em Arcádia, e de meus anos em Arcádia só me lembro de imagens borradas. Estes anos, que chamamos de Tempo do Crepúsculo e os plebeus chamam de Interregno, são um vazio para todos os Sidhe. Seis séculos, mesmo para um imortal, é algo quase inimaginável. Tanta coisa permanece incerta sobre esses anos. Tantas mudanças na Terra. Uma Renascença, arte e ciência, as grandes histórias. Houve guerra e descoberta, o surgimento de novas formas de governo. Duas Guerras Mundiais? Tanta coisa perdida. Receio que não haja muito que eu possa dizer sobre os fae que ficaram para trás. As fadas são relutantes em compartilhar seus segredos, acumulados ao longo desses séculos na Terra. Talvez ninguém possa censurá-las por isso.
Certamente muitas acreditam que foram abandonadas pela nobreza. Presas em um mundo hostil. Forçadas a se vestirem de peles e carne mortal e de Banalidade. Cada geração se tornando mais corrupta e separada do Sonhar. Mesmo nós, que esquecemos tanto do Sonhar, sabemos mais de seus segredos do que elas jamais saberão. Ainda assim, elas sobreviveram. Não podemos fazer o mesmo?
Esta foi a era dos nobres plebeus. Burgueses sem nenhuma linhagem de sangue chegavam ao poder através de artifícios ou força bruta. Alguns deles lideravam tão nobremente como qualquer outro Sidhe; porém, na verdade, a maioria deles eram déspotas. Como lobos famintos, muitos dos Kithain burgueses (embora não todos) perseguiram os Sidhe remanescentes. Não há registro de quantos pereceram nos anos que se seguiram à Fragmentação. Parte da nobreza que restou recuou para Propriedades Livres ocultas, e assim sobreviveu. Mas eles raramente se arriscaram a sair e alguns se esconderam tão bem em seus próprios sonhos particulares que ainda não perceberam que as Cinco Casas voltaram. Cuidado com os redutos desses Perdidos, pois seus habitantes são muitas vezes poderosos e loucos por causa do isolamento. Nem a Casa Scathach ajuda muito na reconstrução dos anos do Interregno. Embora eles tenham nos ajudado quando retornamos de Arcádia, a desconfiança continua grande entre nós.
A nobreza plebeia nunca foi mais do que uma coleção solta de estados feudais. Eles chamavam esta confederação de Império da Tartaruga, um nome extraído de lendas dos Nunnehi, creio eu. Alguns insistem que isso tem origem nas lendas dos Garou. Eles raramente fizeram alianças duradouras que se estendiam a mais de um único Kith. Ainda assim, devemos ser gratos a eles por uma série de motivos. Muitos deles foram cuidadores merecedores de nota, cuidando das Propriedades Livres restantes em nossa ausência. Eles também tiveram o bom senso de chegar a um acordo com nossos irmãos Unseelie. Rezo para que nossa atual liderança tenha a sabedoria de continuar essa paz. Eles evitaram que os Kiths restantes se fragmentassem completamente durante esses tempos. Eu já disse isso muitas vezes na corte e preciso repetir: Quando a terra está sem coroa, lhe falta uma alma. Quando a terra está sem alma, lhe falta honra. Quando uma terra está sem honra, cuidado com os lobos à sua porta. Muitos dos nobres burgueses estavam relutantes em renunciar ao seu poder quando os Sidhe retornaram. Ah, mas eu estou me adiantando. Isso pertence ao nosso próximo capítulo, uma época chamada…
Há alguns videntes que dizem que podem lhe contar tudo sobre o Ressurgimento. Eles alegam ter um conhecimento especial das causas por trás de nosso exílio e uma compreensão particular de nosso "propósito secreto" na esfera mundana. Tenho apenas uma coisa a lhes dizer sobre esses "sábios". Evite-os. Eles são charlatães e malandros, todos eles. Se alguém chegar à sua porta pedindo uma tigela de sopa em troca das verdades de sua vida em Arcádia, expulse-o de lá com paus e solte os cães atrás dele. Certamente existem praticantes honrados da adivinhação (eu mesmo tenho alguma pequena aptidão para isso), mas nenhuma Arte pode furar o véu que existe entre este mundo e Arcádia. Para descobrirmos o que está por trás do Ressurgimento, temos apenas dois aliados verdadeiros. O primeiro é a dedução lógica. Sei que tal prática "carregada de Banalidade" não é um tema para conversas educadas nas famílias da alta sociedade, mas é uma ferramenta útil. Certas coisas permanecem eternas, e uma delas é a presença de estabilidade no caráter de uma fada, seja Seelie ou Unseelie. Muito pode ser conseguido ao submeter os comportamentos das fadas a um exame racional.
Nosso segundo aliado são nossas próprias memórias, por mais confusas que sejam. Minhas lembranças da Fragmentação são nebulosas, mas em sua maioria consistentes. Foi há tanto tempo. Minhas lembranças dos últimos dias em Arcádia, no entanto, são frágeis e revoltantes. Apenas imagens, na verdade. Isso é tudo o que a maioria das Cinco podem afirmar, embora alguns pareçam se lembrar mais do que outros. Ainda assim, se minhas lembranças têm alguma verdade nelas, posso lhe dizer claramente: Nem tudo está bem em Arcádia. Mais uma vez, são imagens. Dentre elas, quatro me parecem serem as mais verdadeiras.
Lembro-me de um grande conclave em um palácio de jade, com janelas talhadas de esmeralda viva. Uma Lumeeira verde não limitada por braseiro ou candeeiro, se espalhava por entre a multidão. Muito mais nebulosa é a imagem de um mar vermelho, que chorava com vozes torturadas. Outra imagem: uma estátua de uma grande Rainha, orgulhosa e imponente em sua postura, mas sem cabeça. Finalmente havia um grande dragão, vermelho escarlate e furioso, de costas contra um sol negro. Eu não pretendo saber o que significam estas imagens, mas elas me preocupam e ocupam minhas horas tanto acordadas quanto as de sono.
Eu também não me lembro muito da viagem de Arcádia através do Sonhar. As Brumas da Memória ficam com você por algum tempo depois que você passa por elas. Mesmo meus primeiros dias na Terra são obscuros. Lembro-me de caminhar livremente pelo Sonhar, mas uma fae caminhando ao meu lado estava acorrentada. Alguns de nós obviamente partiram de Arcádia sob mais pressão do que outros. Se eu parti voluntariamente, não consigo imaginar o porquê. Sou um estudioso de coração, mas quando tomei consciência de que o que me cercava era a Terra, minhas mãos estavam cobertas de sangue e eu tinha muitas feridas.
Ouvi o barulho e o chiado e o murmúrio de mil espíritos sombrios no chão e no ar ao meu redor. Eu não sei o que eles eram, mas eles vieram a este mundo conosco, do Sonhar, eu temo. Eles se dispersaram rapidamente quando chegamos, antes que tivéssemos o bom-senso de contê-los. Temo que nossa chegada tenha trazido um grande mal a este mundo e que dele tenham resultadas muitas atrocidades, especialmente entre os mortais deste mundo. Isto foi sem querer (espero), mas devo perguntar a mim mesmo: Não teríamos tido um indício disto antes de deixarmos Arcádia? O que estávamos pensando? Que tipo de pessoas nós éramos?
Nossa chegada nesse plano foi perigosa e assustadora, mas também foi emocionante. Chegamos individualmente, ou em pequenos grupos de dois ou três. Não havia um padrão que eu pudesse discernir. Procuramos uns aos outros. Alguns de nós nos reconhecemos imediatamente como amigos ou amantes do outro lado. Outros eram velhos inimigos ou completamente estranhos, mas amigos ou inimigos, éramos tudo o que tínhamos: apenas um ao outro. Houve poucos incidentes entre nós.
Eu retornei com outros dois, Lady Sierra e Lorde Dyfell. Não posso começar a descrever a alegria que saltou em meu coração quando descobri pela primeira vez que não estava sozinho neste mundo. Primeiro éramos três, depois 10, depois 50, e depois muitos mais de nós chegaram. Havia Sir Marx e Lorde Dray e Thomas o Leal, o Poeta. Talvez tenha sido um testemunho de nossa sabedoria ou de nossa sorte que nos encontramos de forma tão rápida, mas eu duvido.
Em vez disso, acredito que trabalhamos conforme um grande plano, estabelecido previamente em Arcádia. Predeterminado por quem é outra questão. No início, só nos encontramos com outros de nossa espécie, a nobreza errante. No decorrer de nossas andanças também nos encontramos com os Sidhe da Casa Scathach, que haviam feito da Terra sua casa durante a Fragmentação. Embora suspeitassem de nós (e nós deles), eles foram valiosos para nos ajudar a nos habituarmos ao nosso novo ambiente.
Logo depois disso, encontramos os plebeus e os chamados "nobres plebeus", que haviam surgido durante nossa ausência. Devo confessar (embora me considere um Igualitário) que fiquei bastante chocado na primeira vez que encontrei um Pooka em vestes reais. Embora, na verdade, sua roupa fosse uma imitação barata das nossas. Fomos recebidos com amizade e com indiferença. No entanto, muitos plebeus nos olhavam com um olhar preconceituoso. Em suas mentes, éramos um bando de mimados, não confiáveis e com maneiras afetadas. Eles nos acusaram de tê-los abandonado e que voltamos para reclamar nosso manto de liderança como se nada tivesse acontecido. Muitas de suas acusações tinham o peso da verdade. Mesmo hoje, cabe a nós nos provarmos dignos de nosso antigo lugar na sociedade Kithain.
Infelizmente, alguns de nossa classe não viram as coisas dessa maneira. A arrogância deles, combinada com a soberba natural de muitos dos plebeus, rapidamente levou a vários incidentes violentos. Estes confrontos se tornaram cada vez mais freqüentes à medida que mais e mais nobres exigiam seus antigos direitos. Em um ano, estávamos em guerra.
Há aqueles que cantam canções radiantes sobre esta guerra. Eu não sou um deles. Assim como a guerra humana que estava se desenrolando no Vietnã, foi um desperdício de vidas, desnecessário e desprezível. Ambos os lados eram arrogantes e intragáveis. Durante meses as tensões cresceram entre os plebeus e nós. Muitos plebeus se reuniram sob a nossa bandeira, enquanto muitos outros se uniram contra nós. Havia uma antipatia geral pela autoridade naqueles dias, e eu acredito que nossa recepção foi, de certa forma, influenciada por isso. Em todo caso, a violência entre nós aumentou. Várias delegações de paz cruzaram os dois campos, mas sem sucesso.
Mesmo assim, a guerra poderia ter sido evitada, se não fosse por... Perdoe-me. Isto é difícil... Era uma véspera de Beltane, como hoje. Uma delegação dos mais poderosos nobres plebeus da nação reuniu-se para uma reunião final de paz. O propósito declarado era o de dividir com justiça as novas Propriedades Livres. Não sei os detalhes, mas quando o último deles adentrou no grande salão de reuniões, as portas se fecharam. Um bando de nobres mascarados e seu séquito atacou-os com espadas de ferro. Nenhum dos plebeus escapou e a Noite dos Punhais de Ferro de Beltane tornou-se rapidamente um grito de guerra para plebeus em todos os cantos. Também se tornou um símbolo da nossa traição. A guerra caiu sobre nós.
Grande parte da guerra é uma questão de registo histórico e eu não vou entrar nisso. Lorde Dyfell da Casa Gwydion, outrora conhecido como Grande Rei, liderou os esforços de guerra. Ele se tornou o nobre mais odiado pelos plebeus. As maiores atrocidades foram cometidas em seu nome, incluindo a responsabilidade pelo massacre de Beltane. Ainda hoje, isso serve aos interesses de muitos nobres para continuar esta fantasia obscena. Como Dyfell está morto, a sua culpa de fato impede que os dedos sejam apontados para os verdadeiros responsáveis. Pessoalmente, digo com toda a certeza que ele era inocente desse crime. Eu conhecia bem o homem. Ele era teimoso, arrogante e francamente brilhante, mas nunca teria matado embaixadores sob uma bandeira de paz. Na verdade, ele tratou todos os seus prisioneiros com o maior respeito. E muitos deles lhe juraram fidelidade após encontrá-lo pessoalmente.
Minhas suspeitas do massacre de Beltane recaem sobre a Casa Eiluned, mas admito que tenho poucas provas. Posso também acrescentar, em nossa defesa, que os plebeus também não ficaram isentos de manchas quando se tratou de atrocidades no decorrer da guerra. 23 crianças nobres foram torturadas e massacradas por Boggans em Maryland. Eu poderia continuar, mas basta dizer que tratamos nossos prisioneiros de guerra muito melhor do que eles trataram os deles. Mas voltando à guerra... A Casa Gwydion liderou os esforços de guerra, amparada de maneira contundente pelas Casas Dougal e Eiluned. As casas Liam e Scathach permaneceram neutras durante todo o conflito, enquanto grande parte da Casa Fiona ficou ao lado dos plebeus! No início do conflito, as coisas não correram bem para nós. Os plebeus eram bem mais numerosos e conheciam este mundo. Além disso, eles usaram armas mortais, revólveres e similares, o que lhes deu uma grande vantagem.
Li a dissertação de Thomas o Rimador sobre a guerra, "Campos de Sangue". Embora eu concorde com muitas de suas afirmações (ele é um amigo próximo), devo expressar meu desacordo com várias de suas conclusões. Sua conclusão de que a responsabilidade pelo massacre de Beltaine recai apenas sobre os denominados "Três de Berkeley" é no mínimo ingênua. Sir Thomas de alguma forma consegue associar Dyfell (indiretamente) e três outros conspiradores (exceto o Unseelie Lorde Drummond, mantido anônimo de forma bem conveniente) sem se aprofundar nas atividades da até então desconhecida Ordem da Lâmina de Beltane. Ele também menciona "guerreiros Sidhe montados em motos", uma imagem que é (pelo menos naquela época) ridícula. Éramos novos no mundo dos homens e evitávamos a todo o custo o contato com a tecnologia moderna. De fato, o simples ato de usar uma motocicleta naquele momento teria envolvido uma taxa inaceitável de Banalidade. Nossas peles endureceram um pouco desde aquela época e mesmo hoje... Bem, considero que já disse o que queria dizer.
De volta à guerra. Dyfell foi nosso salvador. Soldados de todas as Cinco (e muitos plebeus também) se reuniram sob a sua bandeira verde com o grifo. Ele inverteu a situação em relação aos plebeus, derrotando exército atrás de exército, a maioria dos quais eram muitas vezes maiores do que o seu. Cada vitória parecia alimentar a próxima, e a maré de mortes começou a mudar. Os plebeus foram conduzidos através de uma série de grandes batalhas. Parecia que Dyfell era abençoado, mas depois veio a Batalha de Greenwich. Dyfell se deparou com o famoso Exército Troll do Leste, sob o comando do Troll, General Lyros. A batalha nas ruas ocorreu por toda a cidade de Nova Iorque. O regimento de Lorde Dyfell foi emboscado no "metrô" de Nova Iorque pelos remanescentes da Quarta Infantaria Plebeia de Trolls. Alguns dizem que Dyfell morreu em uma batalha justa, mas o consenso geral é de que ele foi morto devido à traição de alguém de dentro de seu próprio exército.
Estremeço ao pensar que caminho a guerra poderia ter tomado após a morte de Dyfell. Em todas as suas vitórias militares, Dyfell foi uma inspiração de civilidade para a guerra. Ele conduziu suas campanhas com honra e muitas vezes seus inimigos responderam da mesma forma. Ainda assim, havia muitos Kithain em ambos os lados do conflito que desejavam nada menos que a aniquilação completa do outro lado. Estas vozes enfurecidas ainda estão conosco, mas eram muito mais fortes naqueles dias. Acredito sinceramente que elas poderiam ter assumido o controle da guerra se não fosse pelo surgimento de seu pai. O Grande Rei era apenas um garoto naqueles dias, apenas um dos muitos Infantes refugiados de Arcádia. Ele era um dos protegidos de Thomas, o Leal, e eu já o havia encontrado uma ou duas vezes. Minha impressão a respeito dele mesmo naquela época era que ele era um menino extraordinário, embora, é claro, eu não tivesse a menor ideia de seu verdadeiro Dán.
Imediatamente após a morte de Dyfell, os plebeus de Greenwich iniciaram uma onda de assassinatos. Eles eram, em geral, Redcaps, e até mesmo o General Lyros não conseguia controlá-los. Vários deles souberam que havia crianças nobres na região e uma caçada foi decretada. É verdade que Thomas fez tudo que podia para proteger seus jovens protegidos, mas mesmo ele não podia estar em todos os lugares ao mesmo tempo. O jovem David foi separado de seus amigos, atraído por um canto de sereia que vinha debaixo das ruas. Ele provavelmente não estava consciente do lugar perigoso em que se meteu. A casa subterrânea de um grupo particularmente abominável de Nockers Unseelie, assim como muitos Pródigos abomináveis. Ainda assim, estou convencido de que ele teria entrado no covil do Dragão do Juízo Final, naquela noite.
A situação para os alunos de Thomas ia de mal a pior, e várias crianças Sidhe foram massacradas. Enquanto Thomas lutava contra um vultur de Redcaps em uma batalha final e desesperada, David voltou. Em sua mão, David segurava a grande lâmina de Dyfell, Caliburn. A lâmina queimava com um brilho dourado, enquanto que para Dyfell havia brilhado azul. "Vire-se e enfrente seu rei", foi o que me disseram que ele disse. Não duvido que os Redcaps acreditaram em sua palavra quando o olharam pela primeira vez, pois eles se viraram e fugiram gritando pela noite adentro.
Quando a notícia de um novo Grande Rei se espalhou por toda a nobreza, houve reações mistas. Alguns se alegraram com o fato de que não ficariam sem líderes, enquanto outros consideravam David um principiante, um menino brincando com os jogos dos homens. De Nova Iorque, David foi para o Reino das Maçãs da Rainha Mab. Depois das dúvidas iniciais, ela depositou sua confiança nele, assim como fez a companheira de Dyfell, Lady Sierra. Foi também nesta época que assumi o cargo de seu conselheiro. Com o poder combinado destas duas mulheres reais o apoiando, David foi rapidamente capaz de impor o fim da guerra. Não foi uma tarefa fácil, pois havia muita animosidade entre os dois lados, mas através da diplomacia e das armas, o fim da guerra logo se tornou uma conclusão inevitável. O fim da guerra nos leva a...
Após a Guerra da Harmonia, as coisas rapidamente chegaram a seu estado atual. De acordo com os termos do acordo de paz, o Rei David batizou suas terras de Reino de Concórdia. A paz que David forjou é justa, embora existam alguns descontentes. Aos plebeus foi dada a voz que mereciam para opinar sobre o governo do reino e muitos daqueles plebeus nobilitados ascenderam através das fileiras da nobreza por mérito ou sorteio. O Rei Davi é muito amado pelos plebeus, assim como sua irmã, Lady Morwen. No entanto, existem grupos radicais de plebeus, tais como os Ranters, que ainda hoje querem nossa destruição. Os Ranters, liderados por aquele bruto violento, Ravachol, derramaram muito sangue inocente desde o fim da guerra.
As Cinco consolidaram sua posição e mantém o controle sobre a maior parte das Propriedades Livres e Trods que tomaram durante a guerra. A Casa Gwydion destacou-se como a Líder das Casas, embora não controle mais terras do que qualquer uma das outras. Sete grandes reinos se formaram, cada um governado por uma das Cinco. Existem muitos outros reinos menores (ducados, na verdade) também.
Estes reinos possuem estrutura e fronteiras fluidas. A intriga entre as Cinco é constante. Muitos impostores e pretensos reis contestam constantemente os governantes de Concórdia, assim como as maquinações das mixórdias e dos Pródigos. A Casa Scathach praticamente desapareceu desde a guerra e não controla mais terras. (A verdadeira natureza de seus membros ainda é desconhecida.) A sociedade nobre se dividiu em três "impulsos" desde seu retorno à Terra. Há os Tradicionalistas, que desejam que todos voltem aos tempos antes da Separação, quando os Sidhe desfrutavam de inquestionável domínio sobre os fae . Há os Reformistas (dos quais me considero um), aqueles que apoiam a instituição tradicional da monarquia, mas desejam que ela seja um instrumento de maior igualdade. Finalmente, há os chamados "Modernistas". Estes fae acreditam firmemente que a nobreza deve renunciar ao seu poder, integrando-se ao mundo moderno. Alguns que seguem este impulso são honrados o bastante, mesmo visionários; outros são os piores tipos de ralé.
Embora a nobreza tenha voltado ao que era, estes tempos não têm sido fáceis para nós. Este mundo é estranho e hostil para nós; muitos de nós não se deram bem por aqui. Antigos Duques e cavaleiros perambulam pelas ruas, muitas vezes caindo nas mãos de bandidos plebeus, dos Pródigos, ou da Banalidade. Apesar dos jogos de intriga praticados pelas Cinco, as coisas têm estado mais calmas desde a ascensão do Rei David, mas sopram os ventos da mudança. Desde o desaparecimento do Duque Asterlan, tem ocorrido muitas mudanças entre a nobreza, e poucas têm sido para melhor. Estranhos sinais e presságios têm surgido nos últimos tempos, talvez anunciando uma mudança final de estação, o início do Inverno.
Ah, mas o dia se tornou frio e escuro. Talvez esteja na hora de voltar ao grande salão, onde há luz, amizade e calor. Seu pai estará lá e talvez ele lhe conte histórias do futuro, da Primavera que deve inevitavelmente suceder às tempestades de Inverno que se aproximam.