— Temos um presente especial esta noite, senhoras e senhores, anunciou o Boggan do topo do bar, a força e a clareza de sua voz contrastando com seu pequeno tamanho.
— A Cervejaria Baucis tem o prazer de anunciar uma nova cerveja, uma pilsen dourada que chamamos de Hipocênica. E, como parte de sua cerimônia de lançamento, todos na Propriedade Livre do Carvalho de Dodona esta noite recebem um copo desta nova cerveja por conta da casa.
Um grande alarido veio de todos os Kithain na Propriedade Livre e garçons entraram no salão carregando bandejas com canecas de cristal cheias do líquido espumante. Houve mais gritaria e palmas, e o Boggan limpou sua garganta mais uma vez.
— Como sempre, estaremos realizando outro concurso para decidir qual será a arte do rótulo quando começarmos a engarrafar e a distribuir nossa nova cerveja.
O Boggan desceu de seu estande e começou a distribuir as cervejas grátis para todos os clientes.
Um Sátiro Rezingão que já tinha bebido a maior parte de sua bebida se aproximou do Boggan.
— Ela é ótima, Phil. Eu acho que pode ser a sua melhor criação.
— Obrigado, Nicos. Eu confio no seu julgamento, como um conhecedor de cerveja.
— Hipocênica, você disse, Phil? Gritou um Troll sentado nos fundos do salão.
— O poço de inspiração das Musas sempre me fascinou. Eu sempre achei que encontrá-lo seria uma grande busca. Talvez eu entre no concurso de rótulos dessa vez.
— Isso seria ótimo, Trevor, respondeu o Boggan com um sorriso. Estou ansioso para vê-lo.
— Ei, Phil, o que acha disso para um slogan? Compre na Cervejaria Baucis, uma aula de mitologia em cada garrafa, brincou uma Pooka próxima.
— Ei, qualquer desculpa para colocar um pouco de conhecimento nesta sua cabeça oca funciona para mim, Jen. Embora, por alguma razão, a diretoria da escola tenha se oposto a esse método quando eu estava trabalhando como professor.
Phil encolheu os ombros de leve para dar credibilidade à sua piada enquanto distribuía suas duas últimas pilsens.
As próximas horas foram repletas de alegria e cerveja recheada com Lia conforme os Kithain no coração de Cincinnati passavam uma noite agradável no Carvalho de Dodona sob o olhar atento e amável do seu proprietário Boggan. A Propriedade Livre tinha uma política de portas abertas para todos os changelings, Seelie ou Unseelie, nobres ou plebeus. Infelizmente, com o recente aumento das tensões após o desaparecimento do Grande Rei, era raro que um Sidhe se dirigisse para uma Propriedade Livre comandada por um plebeu. No entanto, a atmosfera calorosa e amigável que exalava do local ajudava os plebeus a esquecerem, pelo menos um pouco, dos problemas da guerra ainda em formação, ou de suas vidas mortais.
Assim que os últimos clientes saíram, Phil liberou os empregados restantes para irem para casa. Há muito tempo, ele havia percebido que podia limpar o imóvel mais rápido sozinho do que com a ajuda deles. Ele estava quase terminando quando houve uma batida na porta. Nessa altura já era bem tarde e o Boggan não estava à espera de mais clientes (ou “amigos que às vezes pedem por mais bebidas”, como ele gostava de chamá-los) então ele usou o espelho mágico sobre seu bar, que lhe foi dado por um artesão Dougal, para ver quem estava do lado de fora de sua porta. Reconhecendo um velho amigo e companheiro Boggan, Phil estalou seus dedos fazendo com que a porta da frente se abrisse.
— Está uma noite agradável, disse o velho Boggan entrando na Propriedade Livre e removendo seu casaco marrom, bem gasto e empoeirado. Você realmente deveria sair mais, Philemon. Isso lhe faria bem.
— Você veio de tão longe para me causar tristeza, velho amigo? Perguntou Phil, beirando a irritação, enquanto colocava os últimos copos atrás do bar.
— Não, ouvi dizer que você estava apresentando uma nova cerveja esta noite e eu estava à procura de algumas horas de diversão. Mas parece que eu perdi a festa. No caminho para cá, encontrei um garotinho perdido. Eu o percebi por causa do Glamour nele, eu apostaria que ele é um Sonhador poderoso. Acontece que ele estava separado de seus companheiros de brincadeira. Ajudei-o a encontrá-los e, no final, os amigos do rapaz eram um grupo de Infantes Sidhe. Além disso, todos estavam perdidos e não conseguiam encontrar o caminho de volta para a mansão do Barão onde estavam hospedados. É claro que era do outro lado da cidade, mas eu reservei um tempo para levá-los para casa em segurança. Também descobri algumas coisas interessantes enquanto estava na mansão, e é por isso que me dei ao trabalho de voltar até aqui, tão tarde da noite.
Enquanto o Boggan mais velho falava, Phil pegou a caneca alemã favorita de seu amigo e a encheu com o pouco do que restava de sua nova bebida.
— Deve ser algo realmente importante para trazer você aqui há esta hora. Você deve estar explodindo para me contar suas notícias.
Phil entregou a Barthelomy a bebida e, pegando uma xícara de chá para si mesmo, foi até uma das poltronas ao lado da Lumeeira, era a primeira vez que ele realmente se sentava desde o início da noite.
Barthelomy pegou a caneca e juntou-se ao seu camarada de Kith mais novo ao lado da Lumeeira. Ele deu um longo gole de cerveja e um suspiro satisfeito antes de se perder em sua enxurrada de notícias.
— Bem, o bom Barão Alister da Casa Liam tem reunido jovens Sonhadores já há algum tempo, alegando que é uma medida para protegê-los durante estes tempos hostis.
Philemon apenas acenou com a cabeça, como se dissesse que sabia que o Barão estava reunindo tanto Infantes quanto seus Sonhadores, e que isso era uma velha notícia para qualquer um que se mantivesse atualizado com as fofocas locais.
— Mas pelo que descobri esta noite, ele só está tentando se proteger.
O Rezingão se permitiu a tomar outro gole da pilsen antes de continuar.
— Parece que ele planeja usar as crianças como moeda de troca para garantir que ele permaneça no poder, não importa para que lado o vento sopre em Concórdia. Ou pelo menos é o que diz o seu jardineiro.
Phil levantou uma das grossas sobrancelhas castanhas, mas não disse nada.
— Mas isso é apenas a entrada, o prato principal da questão e o motivo pelo qual eu tinha que vê-lo hoje à noite diz respeito a um novo companheiro na área, um Sidhe. Oficialmente ele é da Casa Eiluned, mas há rumores de que ele é realmente um Ailil. Ele se chama Dakelan e é algum tipo de Barão ou Conde ou algo assim. De qualquer forma, ele tem algum título, mas aparentemente não tem uma Propriedade Livre. E como Rosie, você conhece Rosie? Aquela doce e jovem Boggan na cozinha do Barão Alister?
Phil acenou que sim enquanto bebia um pouco do seu chá.
— De qualquer forma, ela diz que esse cara, Dakelan, está querendo reivindicar uma Propriedade Livre para ele, e vendo como o Carvalho de Dodona aqui é mantido por você, um plebeu sem nenhum título, ele com certeza vai vir atrás desse lugar.
Philemon digeriu as palavras de seu amigo enquanto tomava mais um gole de chá. Suas grossas sobrancelhas se entrelaçam enquanto ele pensava sobre o assunto. Depois de um momento ele pousou sua xícara e em uma voz equilibrada perguntou:
— Será que este Dakelan tem algum grupo leal a ele?
— Acho que ele tem um ou dois homens, não mais que isso. Mas você sabe como são esses Ailil, bastardos de língua prateada, ele provavelmente vai tentar fazer com que alguns dos changelings locais o apoiem.
Philemon pegou sua xícara e se apoiou novamente nas almofadas macias de sua cadeira.
— Então eu acho que não teremos nada com que nos preocupar”.
O Conde Dakelan ap Ailil sentou-se inquieto em seu quarto de hóspedes. Ele já havia passado tempo demais na Propriedade Livre desse Liam insuportável, que ele suplantara mesmo em seu disfarce de Eiluned. Seelie bastardo, ele pensou. Era impossível acreditar que esse Barão fraco permitia que um Boggan sem qualquer título dirigisse livremente uma Propriedade Livre, enquanto nobres como ele não possuíam nenhuma. Ele estava achando difícil ser paciente enquanto esperava ouvir as notícias do agente que ele havia enviado para a cidade. Ele estava odiando não estar cuidando deste assunto com suas próprias mãos, mas ele precisava criar algum caos antes de poder ter uma desculpa para entrar neste “Carvalho de Dodona” e estabelecer a ordem. Os Pooka podem ser bons para levar o caos para um lugar, mas eles se distraem facilmente e não são maus o suficientemente. Além disso, Dakelan lembrou-se que, se alguém quer um caos real, nada melhor que um vultur de Redcaps. Ele tinha a certeza de ter feito a escolha certa ao trazer aquele vil e pequeno Redcap junto com ele.
Martin Mangle-Mouth distraidamente esfregava sua axila onde a marca secreta na forma do dragão Ailil tinha sido queimada no último outono. Pensando na dificuldade que ele teve em se infiltrar neste vultur de companheiros Redcaps ele agora estava certo de que seu mestre, Conde Dakelan, nunca teria sido capaz de lidar com eles por conta própria. Eles pareciam muito desconfiados de qualquer outro Kith. Martin prestou atenção quando Kynon, o líder do vultur, começou a falar. Aparentemente Kynon tinha decidido que o bairro precisava de alguma agitação e a gangue estava tentando decidir sobre as atividades da noite. Martin deu um sorriso cheio de dentes afiados, uma chance de cumprir que o tinha trazido aqui sob as ordens da Casa Ailil. Essa era a chance que ele estava esperando.
— Ei! Ele gritou, ganhando a atenção dos outros Redcaps. Se nós queremos realmente causar algum problema por aqui, além de conseguirmos uma boa quantidade de comida e bebida de graça, então eu conheço o lugar certo.
Ele percebeu que algumas sobrancelhas se ergueram em curiosidade ao ver o recém-chegado fazendo uma sugestão.
— Sim? Disse Kynon, sua própria sobrancelha levantada. O que você tem em mente, feioso?
Martin vacilou um pouco sob o olhar do grupo de Redcaps que ele tinha acabado de conhecer, mas, percebendo que era tarde demais para voltar atrás, ele continuou.
— Bem, eu tenho certeza que vocês sabem sobre isso, mas há uma pequena Propriedade Livre não muito longe daqui onde a gente pode se divertir. É dirigida por um plebeu, de modo que não há daqueles Sidhe para nos preocuparmos. Na verdade, é dirigido por um velho Boggan. Provavelmente até teremos um pouco de ação, porque normalmente há um ou dois Trolls por lá, e possivelmente alguns Sátiros. O suficiente para dar uma boa luta. E o lugar tem a sua própria destilaria, por isso vamos beber muita cerveja.
Silêncio. Nenhum dos Redcaps disse uma só palavra. Eles apenas olharam para ele.
— Acho que se chama “O Carvalho Dodona”. Vocês o conhecem, não conhecem?
Uma mulher Redcap ao lado de Martin bateu-lhe na cabeça com o bracelete cheio de espigões, derrubando-o no chão. Kynon caminhou até ele e pousou a bota de ferro cheia pregos no peito do Martin.
— Ainda bem que o resto de nós não é tão estúpido quanto você. Você acha que os Sidhe costumam nos convidar para tomar chá com biscoitos? Não vamos rasgar o nosso bilhete de entrada para a única Propriedade Livre onde somos sempre bem-vindos. Você tem ideia da quantidade de comida e cerveja grátis e de Glamour do ambiente que nós pegamos lá? Você acha que esse lugar ainda será tão bom e acolhedor para nós se o destruirmos? Além disso, acontece que Philemon é meu amigo, ele me ajudou a sair de uma boa confusão há muito tempo atrás. E ele me avisou que alguém podia estar tentando me causar problemas. Você não sabe de nada sobre isso, certo?
Martin engoliu em seco.
No dia seguinte, a forma humana e cheia de hematomas de Martin foi encontrada do lado de fora da Propriedade Livre do Barão Aleister sem nenhuma explicação. O Conde Dakelan foi diretamente para o seu segundo plano; um simples contratempo não iria desviá-lo de seu objetivo.
— Aleister não percebe a sorte que tem em ter um exército de Trolls leais acantonados em sua Propriedade Livre. Eu teria preferido o caos organizado pelos Redcaps, mas os Trolls são muito mais fáceis de controlar. Tudo o que tem de fazer é colocar ordens superiores na frente das suas grandes caras azuis, pensou o nobre Ailil com um sorriso nos lábios.
Dentre seus pertences pessoais, o Conde Dakelan tirou uma folha de pergaminho goblin. Com um acenar de mãos o pergaminho branco tornou-se uma proclamação real da Rainha Mary Elizabeth do Reino da Relva. Com essa proclamação em mãos, Dakelan foi direito a ver o capitão da guarda Troll do Barão Aleister.
Trevor leu e releu o pergaminho que o Conde lhe deu.
— Bem, bem, Philemon é um informante da Liga da Renovação Urbana e deve ser preso e trazido aqui para interrogatório?
Ele olhou bem para o Sidhe à sua frente.
— Eu nunca teria suspeitado disso, ele se levantou e se afastou de Dakelan para não ter que olhar para as características brilhantes e terríveis do Sidhe. O Troll fez uma pausa, dando a si mesmo um momento para pensar.
— Você sabe, meu senhor, que pelo sistema feudal eu devo lealdade apenas ao Barão Alister ap Liam, que deve sua lealdade ao Duque Conla ap Fiona, que por sua vez deve sua lealdade à Rainha Mary-Elizabeth ap Dougal. Oficialmente, eu só deveria receber ordens diretamente do Barão Alister. Mas tenho certeza de que você sabe disso. Seria uma questão simples para você levar esta proclamação ao Barão, que sem dúvida tomaria uma atitude, sem se preocupar em esperar por uma ordem direta do Duque. Afinal, Concórdia está em um estado de guerra não oficial.
Com um chiado mal controlado, Dakelan respondeu:
— Se você insiste no protocolo apropriado antes de levar este criminoso à justiça, então será uma questão simples falar com o Barão. Você pode fazer a gentileza de me devolver a proclamação? Ou, se quiser, pode me acompanhar.
Trevor se endireitou e se voltou para o Conde.
— Em circunstâncias normais, tais métodos não seriam necessários, mas quando se trata daqueles que são meus amigos e membros íntegros da comunidade, então devo insistir em fazer as coisas corretamente. Agora mesmo, vou falar com o departamento de justiça da Rainha em Caer Palatino, Trevor devolveu a Dakelan a falsa proclamação.
— Oh, e quando você falar com o Barão, você pode dizer a ele que se ele me ordenar que continue com esta proclamação, então ele deverá encontrar um novo capitão da guarda.
O Conde Dakelan piscou os olhos.
— O quê? Por quê?
— Porque Phil é um bom homem. Na verdade, a maioria dos meus homens o ajudou a construir sua Propriedade Livre há vários anos atrás. Eu não acredito, nem por um segundo, que essas acusações são verdadeiras e eu devo muito a ele para perturbar sua vida por causa de algumas acusações infundadas. O meu dever para com os meus amigos e para com esta comunidade prevalece sobre o meu desejo de manter a minha posição aqui. Asseguro-lhe que o meu segundo comandante e qualquer outro que possa vir a ocupar o meu lugar partilharão dos mesmos sentimentos. Vamos contatar Caer Palatino e falar com o Barão?
— Isso não será necessário, capitão.
Sentindo-se frustrado, Dakelan agarrou firmemente seu falso documento e voltou para seu quarto para dar mais atenção à situação.
A noite seguinte foi outra noite agradável no Carvalho de Dodona. A gangue de Kynon fez alguns comentários rudes sobre os lacaios dos Sidhe que frequentavam o Carvalho de Dodona quando Trevor apareceu com alguns dos seus amigos. Acostumado com as tensões que frequentemente ocorrem em grupos grandes e mistos de changelings, e ajudado pela sua capacidade de deduzir rapidamente essa dinâmica social, Philemon não teve problemas em impedir potenciais hostilidades dentro da Propriedade Livre. Enquanto riam, comiam e bebiam, os plebeus dentro da Propriedade Livre discutiam as últimas fofocas. Aparentemente, o Sidhe que tinha sido convidado pelo Barão tinha deixado recentemente a área. Rumores sobre sua filiação à Corte Sombria e, portanto, uma ameaça para os jovens Sonhadores na Propriedade Livre do Barão, tinham circulado por toda a cidade. Claro que, isso era apenas um boato, mas a maior parte dos Kithain locais, juntamente com o Barão Alister e o Duque Conla acharam melhor estar seguros e se o Conde Dakelan retornasse à área, ele não seria bem recebido.
Naquela noite, Kynon, Trevor, Barthelomy, e um bom número de outros amigos selecionados apreciaram uma refeição grátis e uma noite de cerveja grátis.