Os cisnes prateados alçaram voo, girando tristemente três vezes ao redor do teto abobadado da estação ferroviária. Os seus olhos se estreitaram para vê-los partirem um a um. O grande senhor da guerra Dafyll, Duque dos Seis e Meio, Guardião do Trod do Fim da Noite, estava morrendo em uma poça de sangue. Nem todo o sangue ali era dele. A batalha que tinha sido travada de forma tão furiosa pela Estação Times Square apenas alguns minutos atrás tinha sido transferida para outro lugar. Agora havia apenas o som abafado dos viajantes que se deslocavam de manhã, passando por cima da carnificina.
Os seus olhos jorraram lágrimas de dor e amargura. Morrer em gloriosa batalha era o desejo de muitos em sua casa, mas a sua morte surgiu de uma traição. Os remanescentes da 4ª Infantaria Plebeia de Trolls tinham pressionado duramente a sua comitiva pessoal numa emboscada desesperada. Lady Sierra e seu exército estavam eliminando a resistência dos plebeus da aldeia de Greenwich, muito longe para lhe prestar ajudar. Ele lembrou-se de admirar a obstinação de seus inimigos Trolls. Apesar do seu número inferior, eles eram guerreiros no sentido mais verdadeiro da palavra. A sua comitiva recuou, chocada com a ferocidade da investida. Ele se lembrou de sua comitiva, lady Redd, doutor Coma, e sir Marx, lutando ao seu lado.
“Continuem a lutar! Lady Sierra conhece a nossa situação e enviará ajuda!” Uma mentira, mas uma mentira necessária. Um grito de hurra surgiu nos lábios dos seus homens quando encontraram nova coragem no clamor de seus gritos. Acuados, mas encorajados, eles lutaram com vigor renovado. Ainda assim, lentamente perderam terreno, recuando cada vez mais para dentro da estação. A sua grande espada Caliburn estava em sua mão, brilhando com a chama azul prateada que era a sua marca registrada. Os Trolls gritaram espantados ao enfrentarem Dafyll sozinhos nos estreitos limites das catracas da estação. O sangue da sua Casa entoava o canto dos guerreiros nas suas veias. O medo nos rostos dos seus inimigos era doce aos seus olhos. Com Caliburn na mão, ele não temia nenhum ataque frontal. E então, de repente, uma dor queimou-lhe as costas. Ele viu uma lâmina familiar, mas inexplicavelmente inimaginável, sobressair em seu peito. Apunhalado pelas costas! O mundo girava à sua volta enquanto ele caía rumo à escuridão da meia-noite.
Ele despertou. Sangue corria nas suas têmporas. O último dos cisnes partiu, o seu canto ecoou para a eternidade. Ele estava ali deitado, sozinho. “Maldito seja eu por ter confiado na palavra de um Unseelie!” A sua alma, se tivesse uma, também se esvaia rapidamente. Ele sentiu o aço frio de Caliburn por baixo de si. De olhos fechados, ele invocou a sua vontade para um ato final, um ato de vingança.
“O que fará de mim, meu senhor?”
Os seus olhos se abriram. Acima dele, tão radiante, tão diáfana, tão maravilhosa como quando a viu pela primeira vez, na sua juventude, estava a Senhora da Espada. Ele tossiu sangue.
“Parto desta vida, mas antes disso, reivindico a Decisão Final, como é meu direito como vosso portador”.
Ela acenou com a cabeça dando o seu consentimento.
“Sou arruinado pela traição dos Nockers que moram nas profundezas da Cidade dos Goblins. A traição conseguiu o que a força das armas não conseguiu. O meu desejo, portanto, é de vingança. Que o melhor vinho seja sempre azedo nos seus lábios. Que todas as suas artimanhas e falsidades se voltem contra eles. Andem para um lado ou para outro, que sejam cada vez mais apanhados nas teias do seu próprio engano. Que os seus olhos fiquem cegos para a verdade sobre a sua destruição até que, tarde demais, ela esteja totalmente exposta e resplandecente diante deles. No final, que todas as suas grandes esperanças não se tornem mais do que cinzas amargas. Este é o meu último desejo.”
“Seja feita a vossa vontade. No entanto, tenho pouco trabalho a fazer com relação à isso, pois eles já lançaram as sementes da sua própria destruição”, disse ela. Havia o fogo da forja nos seus olhos, e o aço na sua voz. Então ela o olhou com ternura, aqueles olhos novamente dourados, com o seu brilho dourado habitual. Talvez (ele imaginava), eles estivessem ligeiramente mais opacos. As maldições não eram da sua natureza.
“Adeus. Lamento esta despedida, pois o senhor foi um mestre bondoso, mas o meu novo mestre já me chama para uma guerra maior”. Sua voz enfraqueceu, substituída pelas garras dos corvos necrófagos quiméricos que já se encontravam ali, entre os mortos.
“Siga em frente”, ele suspirou. “Eu coloco o fith-fath* sobre ti. Que o teu novo mestre te ame assim como eu te amei.” A sua chama prateada se apagava conforme seu rosto se virava para a longa e definitiva escuridão da morte. Lord Dafyll morreu em paz, sabendo que ele não seria o último.
*N. do T.: uma espécie de benção ou feitiço protetor