...o observador não pode evitar ficar preso à cadeia de níveis implícita de Escher, na qual, para qualquer nível, há sempre outro nível acima dele de maior “realidade” e, do mesmo modo, há sempre um nível abaixo, “mais imaginário” do que ele... Contudo, o que acontece se a cadeia de níveis não for linear, mas formar um laço? O que é real, então, e o que é a fantasia?
— Douglas Hofstadter, Godel, Escher, Bach
Enterrada nas entranhas de Manhattan, a Cidade dos Goblins é uma das duas maiores Propriedades Livres da ilha (a outra é a Corte de Inverno do Grande Rei David). O território (reivindicado) pela Propriedade Livre se estende por uma área de 16 quarteirões no centro de Manhattan e inclui túneis abaixo do edifício da Fundação Ford. O lado oeste do território toca a Estação Grand Central e, a leste, faz fronteira com o Edifício das Nações Unidas, o Rio Leste e o Túnel do Queens. O centro da Propriedade está localizado diretamente abaixo do edifício Chrysler. Uma combinação de Glamour e engenhosas construções arquitetônicas esconde o território do mundo exterior. Trabalhadores do metrô, moradores dos esgotos, sem tetos e até criaturas sobrenaturais passam perto do centro da propriedade, desconhecendo por completo a sua existência.
A cidade dos Goblins é um quebra-cabeças chinês, um paradoxo em constante mudança, e um motivo de grande preocupação para os Kithain Seelie na área de Nova Iorque. Os habitantes da cidade (frequentemente chamados de “Goblins”) são, em grande parte, “Nockers” e, na sua maioria, de natureza “Unseelie”. Embora a proximidade com a corte do Rei David reduza os piores dos seus excessos, muitos changelings sussurram boatos de crimes indescritíveis cometidos pelos Goblins. As teorias sobre o verdadeiro funcionamento interno da Propriedade Livre são abundantes, embora poucos forasteiros tenham visto outra coisa que não seja o grande mercado da Propriedade Livre. Apesar da sua reputação sombria, a Cidade dos Goblins possui um lugar único na sociedade changeling. Os seus habitantes são artesãos extraordinários, mesmo para os padrões mais nobres, e as suas invenções engenhosas são muito procuradas em Concórdia. Até os changelings que torcem o nariz para a “vilania dos Nockers” pagam caro para obterem os bens produzidos por eles. O trabalho dos artesãos da Cidade dos Goblins é encomendado pela elite da sociedade Kithain, e ornamenta grande parte do palácio do Rei David. Isto lhes trouxe um certo grau de respeito, apesar da sua reputação ruim em outros assuntos. Tornou-os também uma das Propriedades Livres mais ricas de Concórdia.
A Cidade dos Goblins é suntuosa até mesmo para os padrões dos changelings mais exigentes. A decoração é uma combinação de exageros Barrocos e Vitorianos. Madeira polida e bronze são abundantes. Iluminação âmbar, indireta, emitida por engenhosas lamparinas de óleo, brilhos provenientes de uma deslumbrante variedade de ouro, espelhos e grandes obras de arte (humana e Kithain). Mesmo as passagens secretas da Propriedade (que são centenas) são luxuosamente enfeitadas com painéis de mogno escuro, decorados com pequenos objetos de arte. Os pisos da Propriedade são, na sua maioria, um fino assoalho de madeira, adornado com tapetes orientais. Existe também uma vasta gama de trabalhos em vitrais, iluminados por lampiões a óleo. Uma variedade das invenções mais engenhosas dos Nockers decoram a Propriedade e centenas de criaturas artificiais vagam pelos seus salões. Estas construções são obras-primas do trabalho preciso, animadas pelo Glamour. Surgem em todas as formas e tipos (cegonhas de bronze, jacarés de jade, libélulas de prata, leopardos dourados com manchas de ônix, etc.) e superam em dez vezes o número de habitantes changelings da Propriedade. A maioria destas criaturas quiméricas tem uma inteligência rudimentar, e podem transformar-se em um exército formidável se convocadas para defender a Propriedade. Tão deslumbrante é a aparência da Propriedade Livre que a maioria dos recém-chegados não consegue ver a inteligência diabólica (e ocasionalmente sádica) que existe por detrás de cada detalhe da sua construção. A arquitetura da Propriedade é uma maravilha mecânica da mais alta ordem e, de certa forma, toda a Propriedade Livre está viva.
Os habitantes da Cidade dos Goblins adoram paradoxos, enigmas e trapaças. Nada na Propriedade Livre é como parece à primeira vista. (Na verdade, algumas coisas até o são, mas isso serve apenas para mantê-los tentando adivinhar.) É um desenho de M.C. Escher que ganhou vida. As escadas que parecem subir são construídas num ângulo em que na verdade descem. Portas se abrem para paredes de tijolo, ou para quedas de 30 metros de altura. Corredores, escadas, salas, até pavimentos inteiros são construídos sobre um sistema oculto (e completamente silencioso) de cilindros, trilhos, roldanas e estações de comutação. O hall que ontem levava para a biblioteca, hoje leva para a cozinha e amanhã para um túnel de metrô. Partes do complexo têm pisos de vidro espesso, permitindo que se veja outros pisos, e algumas das máquinas por detrás. A estrutura é alimentada, em parte, pela energia das correntes do Rio Leste. À medida que as várias salas se deslocam, os vitrais refletem um caleidoscópio de cores em constante mudança através das paredes da Propriedade Livre. Alguns destes padrões formam símbolos arcanos e misteriosos, que podem dar uma ideia mais detalhada do funcionamento interior da Propriedade. O complexo muda completamente a sua aparência externa, passando de um desenho em forma de caranguejo para uma série de anéis interligados em um ciclo ao longo de um ano (começando e terminando em Beltane).
A Propriedade Livre realiza esta espantosa transformação sem ser notada e não sofre qualquer limitação pelas construções de Nova Iorque, altamente compactas. As mudanças da Propriedade passam por estações de metrô, porões particulares, túneis de esgoto e linhas de energia sem qualquer tipo de impedimento. A maior parte do ciclo de mudanças da Propriedade é pré-determinada e cuidadosamente planejada pelo seu Mestre Construtor. No entanto, existe também um elemento aleatório. Se este elemento aleatório foi incluído propositadamente no design da Propriedade por alguma excentricidade de seu fundador (Dr. Tapp — ver História), ou se é causado pela natureza quimérica da Propriedade isso é desconhecido. Alguns Nockers insinuam, de forma sombria, que isto é causado por um agente mais sinistro; salientando como uma evidência que o fator aleatório só apareceu recentemente. Certamente coisas estranhas têm acontecido nos últimos tempos. Devido a este elemento aleatório, até mesmo os habitantes mais antigos se perdem de tempos a tempos. A natureza mutável da Propriedade demonstrou ser uma defesa ideal — afinal a localização das suas entradas também muda a cada ciclo.
Poucos habitantes da Cidade dos Goblins conhecem todos estes detalhes sobre a Propriedade Livre (Dr. Coma, Isaac Glass e Rat Breath são os que mais sabem). As passagens secretas também se movem. É o sonho de qualquer Infante Nocker encontrar uma passagem secreta ainda não descoberta; os rumores sobre tesouros escondidos nestes locais são frequentes. O crescimento da Propriedade Livre tem acompanhado o da cidade ao longo dos anos. Cada novo elemento é construído de acordo com os esquemas deixados pelo Doutor Tapp, que foram preservados cuidadosamente pelos sucessivos Mestres Construtores da Propriedade Livre, e que trabalham para conciliar o crescimento contínuo da Propriedade com as estruturas da cidade. Os habitantes da Propriedade Livre tem comprado grande parte das áreas vizinhas, de forma a permitir uma expansão contínua.
Grande parte do trabalho de construção pesado na Propriedade é feito por seres humanos. Os Nockers às vezes fazem ataques à superfície para raptar pessoas azaradas; estes prisioneiros são encantados e postos para trabalhar nas cavernas negras sob a cidade. Na maioria das vezes, os Nockers raptam mendigos e moradores de rua (pessoas de quem ninguém vai sentir falta). Alguns dos raptados, porém, são artesãos habilidosos que trabalham para embelezar a Propriedade, bem como para fornecer Glamour. (Os habitantes da Cidade dos Goblins não têm quaisquer restrições morais em relação ao Extermínio). Os que realizam tais atos são facilmente detectados, e os Goblins ganharam vários inimigos poderosos como resultado desta prática.
Somado a este problema, a estrutura bizarra da Propriedade Livre passou a provocar uma certa paranoia e esquizofrenia nos seus habitantes. No mundo vertiginoso da Cidade dos Goblins, poucas coisas são constantes e poucos dos seus habitantes têm os pés firmes no chão. Aqui, os conflitos políticos são imprevisíveis e as convenções sociais mudam com a velocidade da luz. Apesar disso, a líder da Propriedade Livre (a Baronesa Cadmiun Redd) conseguiu manter-se no poder durante mais de vinte e cinco anos. No entanto, nos últimos anos, o clima na Propriedade Livre tem se tornado cada vez mais agitado e duvida-se que o seu governo dure muito mais tempo.