Depois da Fragmentação, o período conhecido como o Interregno foi testemunha de grandes mudanças na realidade tanto humana quanto feérica. A humanidade redescobriu a antiga sabedoria dos pensadores gregos e romanos e foi aos poucos dando as costas às superstições religiosas e voltando-se para a experimentação científica e o racionalismo. A Idade das Explorações e sua companheira, a Idade das Invenções, nutriram-se reciprocamente: novos mundos foram descobertos, novas idéias levaram a realizações seminais que tornaram a vida mais fácil, transformaram camponeses em trabalhadores e monarcas em Barões da indústria. A humanidade entrou numa era de progresso rápido e de convulsão social.
Os changelings, agora encerrados na carne mortal e só superficialmente conectados a suas identidades feéricas, passaram por mudanças ainda mais devastadoras, mas não menos desafiadoras. A partida dos Sidhe privou os plebeus das estruturas sociais das quais eles dependiam. Foram-se as Casas Nobres, os lordes e as ladies, os cavaleiros feéricos e o sistema feudal que unia a sociedade das fadas
Abandonados à própria sorte, os changelings se juntaram em pequenos grupos para proteção mútua ou tentaram se misturar às comunidades humanas, escondendo da humanidade – e às vezes dos próprios semelhantes — suas verdadeiras naturezas.
Com o surgimento das cidades, que vieram substituir as fortalezas feudais, muitos desses changelings caíram na estrada. Incapazes de se adaptar à crescente urbanização da vida humana, eles iam de vila em vila, juntavam-se a circos nômades, saltimbancos e grupos de menestréis. Na companhia desses elementos marginais da sociedade humana, muitos dos quais eram aberrações da natureza ou desajustados sociais, os plebeus encontraram refúgio, bem como meios de vazão para seus impulsos criativos. No submundo dos artistas, os changelings também descobriram uma fonte constante de Glamour, suficiente para preservar suas frágeis conexões com os pedaços do Sonhar que ainda restavam, apesar da determinação do mundo em extingui-los. Muitas das tradições que hoje caracterizam a vida dos changelings datam dessa época de andanças e redefinição, e os nomes de inúmeras Artes e vários costumes tomaram emprestados termos originários do circo e do teatro.
Entretanto, os velhos costumes não se extinguem tão facilmente, e muitos changelings ainda sentiam necessidade de uma classe nobre para ditar as normas e proporcionar uma certa noção de estrutura em suas vidas fragmentadas. Ascendendo da classe plebeia, alguns Kithain assumiram os antigos títulos de nobreza e reivindicaram os feudos abandonados, criando uma subcultura que tomou o lugar antes ocupado pelos Sidhe desaparecidos.
Para o meu canto fiz manta
Bordada com fantasias
De antigas mitologias
— William Buttler Yeats, "Uma manta "
Para sobreviverem num mundo saturado de Banalidade e separado do Sonhar, as fadas aprisionadas no reino dos mortais pela Fragmentação arranjaram um meio de proteger seus espíritos frágeis. Esse processo, conhecido como o Caminho dos Changelings, consistia em criar uma concha mortal que abrigasse o espírito feérico. Da mesma maneira que os seres humanos usavam roupas para se protegerem dos elementos, os changelings se vestiam com a pele dos mortais para diminuir o impacto da Banalidade.
A primeira geração de fadas terrestres simplesmente assumiu um disfarce humano, cobrindo suas naturezas feéricas e puras com camadas de Glamour e pequenas doses de Banalidade. Desse modo, elas podiam se passar por seres humanos, ainda que fossem exemplos excêntricos da espécie. Esse método funcionou bem enquanto as fadas camufladas limitaram seu contato com os mortais, minimizando, assim, sua exposição à descrença humana. Para se adaptarem completamente ao novo ambiente seria necessário encontrar uma solução mais permanente e durável.
Por tentativa e erro, as fadas aprisionadas descobriram como implantar seus espíritos nos corpos de crianças pequenas ou bebês, misturando-se à mortalidade dos hospedeiros sem desalojar as almas dos mesmos. Ao iniciar suas vidas como seres humanos, os changelings evitavam a destruição imposta pela Banalidade. Todavia, para conseguir isso, os Kithain tiveram de abrir mão de conhecer de imediato suas verdadeiras naturezas, obrigadas a permanecer dormentes até que pudessem emergir em segurança durante a Crisálida.
Antes da Fragmentação, as fadas Seelie e Unseelie viviam em constante rivalidade. Apesar dos acordos entre as duas Cortes que dividiam o ano em duas partes, sendo que os Seelie e os Unseelie dominavam respectivamente as metades do verão e do inverno, os conflitos eram freqüentes. A Fragmentação também mudou esse aspecto da vida dos changelings. Para sobreviverem, as fadas Seelie e Unseelie tiveram de deixar de lado suas antipatias. Numa conciliação sem precedentes, conhecida como o Acordo, as Cortes declararam uma trégua e concordaram em cessar todas as hostilidades “por ora”. Os territórios governados pelos Seelie permitiam que os changelings Unseelie andassem livremente dentro de suas fronteiras, e as Propriedades Livres dos Unseelie abriam-se para os visitantes Seelie.
À medida que as duas Cortes foram se misturando, uma passou a adotar alguns costumes da outra, e a sociedade dos changelings logo se tornou uma mescla de conceitos e comportamentos Seelie e Unseelie. A lei, a formalidade e a honra aprenderam a coexistir com a desordem, o caos e a impulsividade: uma combinação dinâmica de opostos que persiste até o presente.