Alguns dizem que a Separação começou com a Idade do Ferro, quando os seres humanos aprenderam a arte da manufatura de armas duráveis capazes de infligir ferimentos atrozes aos inimigos, tanto os mortais quanto os imortais. Outros afirmam que, tão logo aprenderam a sonhar, os seres humanos também aprenderam a duvidar de seus sonhos e a negar durante o dia os fantasmas que assombravam suas noites. À medida que as tribos foram se transformando em comunidades sedentárias, as cidades passaram a ancorar os seres humanos a um só lugar, cercando-os com casas de madeira ou pedra. A própria realidade passou a se acomodar a uma única forma imutável. Os sonhos – e os Verdadeiros Sonhadores – tornaram-se a exceção, e não a regra. Aos poucos, o reino dos mortais e o Sonhar começaram a se distanciar conforme os seres humanos erigiam barreiras de descrença e muralhas de explicações entre eles mesmos e as criaturas produzidas por suas imaginações. No entanto, o mal já estava feito.
Uma vez concedido aos seres humanos, o poder de sonhar não poderia ser tomado tão facilmente. Outrora, as fadas controlavam as visões dos homens e das mulheres, mas agora se viam ligadas inextricavelmente aos sonhos dos mortais. Suas vidas passaram a imitar a sociedade a sua volta e logo começaram a espelhar os sonhos da humanidade em desenvolvimento. Os chefes tribais das fadas se transformaram em Reis, os guerreiros feéricos assumiram o aspecto de cavaleiros, e as terras das fadas passaram a ser feudos e estados. Do mesmo modo, as guerras e os conflitos entre as tribos humanas — agora nações emergentes – lançaram seus reflexos sombrios no mundo do Sonhar.
Como resultado, as fadas começaram a erigir defesas para se protegerem das visões indesejáveis da sociedade mortal. As Brumas vieram anuviar as mentes dos seres humanos para que seus sonhos não conseguissem se infiltrar em Arcádia. Isso só fez separar ainda mais os dois reinos.
O estabelecimento da Inquisição, em 1233, levou a Separação a seu apogeu, pois os puristas doutrinários da Igreja tentaram eliminar da face do mundo todos os elementos sobrenaturais indesejáveis, o que incluía as fadas. Com o intuito de se proteger da forca e da fogueira, as fadas se retiraram para as profundezas do Sonhar e, em alguns casos, chegaram a se isolar completamente do mundo dos mortais ou a limitar o trânsito entre as fronteiras dos dois reinos a certas épocas do ano, como, por exemplo, durante o Samhain (Véspera do Dia de Todos os Santos), o Beltane e a Véspera do Solstício de Verão. Outras fadas tentaram a sorte nos Trods, abandonaram seus lares na Europa em busca de novas terras ainda intocadas pela Banalidade.
A Separação surgiu primeiro nas antigas terras da Europa e do Oriente Próximo, onde os impérios da Mesopotâmia, do Egito, da Grécia e de Roma plantaram as sementes que resultariam no feudalismo e na onda de “progresso” conhecida como a Civilização Ocidental. Outras partes do mundo, particularmente os continentes da América do Norte e do Sul, só passaram por esse distanciamento do Sonhar muito depois.
Nessas terras afastadas dos gélidos dedos da Banalidade, as fadas e os seres humanos ainda conviviam em estreita harmonia. Um respeitava a sociedade do outro e ambos interagiam pacificamente (na maior parte dos casos). As fadas da América do Norte – chamadas Nunnehi – ajudavam os seres humanos com seu Glamour em tempos de necessidade. Em troca, as tribos humanas reverenciavam o “povo invisível” com seus sonhos e rituais. Algumas das fadas dessas terras realizavam rituais especiais para presentear os seres humanos particularmente merecedores com crianças nascidas do Sonhar, crianças que cresciam para se tornar grandes líderes e embaixadores entre os dois mundos.
As lendas sobre essas terras ocidentais chegaram às fadas sitiadas da Europa e das regiões mediterrâneas. O chamado de Tir-na-N'og, as Terras Estivais, levou alguns refugiados da Separação a viajar via Trods para essas terras luminosas e pacíficas, ainda intocadas pela descrença e pelo ferro frio. Os imigrantes que tinham intenções pacíficas eram acolhidos pelas fadas nativas, que assinavam tratados de amizade, dividiam suas terras com os estranhos Kithain e ensinavam-lhes a colher o Glamour da nova terra. Logo surgiram fortalezas feéricas nos topos das montanhas escarpadas e nas entranhas das florestas virgens que rivalizavam com os grandes palácios das fadas que ficaram na Europa e na Ásia, lutando para sobreviver num mundo que se tornava cada vez mais hostil e cheio de Banalidade. Esse primeiro êxodo lançou as bases para a etapa seguinte da extinção da magia feérica: a Fragmentação.