Hoje em dia, o mundo é cinza e pesado. Durante várias e longas estações eu colecionei muitas coisas e muitos nomes para essas coisas. Elas se agarram a mim como roupas finas que nunca mais voltarão à moda: são mortalhas de chumbo, todas com nomes em meu coração. Isso me atormenta. Agora entendo como os mortais se sentem, mantidos no mesmo lugar pelo peso das almas que os movem.
São essas peças ausentes que mais me atormentam, me esmagando por causa de sua ausência. Phoebe passou por sessões de psicanálise e não fala mais com ninguém. Martha acordou um dia e não conseguia parar de chorar, então ela resolveu se dar outra chance de recomeçar. É o destino da nossa espécie: memórias duradouras não são algo para se cultivar. É melhor esquecer.
Quem me dera saber o que aconteceu com Duck. A última vez que conversamos foi há anos atrás, e nós discutimos. Tínhamos deixado a vida um do outro há muito tempo - ninguém jamais será o que ele foi para mim. Todos de nossas gangues já se foram: desistiram, se cansaram, se entregaram, se venderam.
Alguns dias, quando ninguém está olhando e eu posso passar alguns minutos sem cuidar das crianças, eu ainda danço. Não é nada tão gracioso ou elegante como costumava ser. Nenhum Rei me recompensará com tesouros por causa disso. Mas eu fecho os olhos, levanto as mãos e a música está lá.
Por um instante eu sou bela novamente, e o céu da noite está em chamas além dessas janelas opressoras. Todos nós, que já brincamos, cantamos, pregamos peças ou nos divertimos, podemos dançar juntos no salão de festas desta epifania.
Já é inverno? Vem me ajudar encher este copo quebrado... Eu monto na Morsa e arranco as flores invisíveis. Eu sempre soube como fazer isso.