Por fim, os filamentos que conectavam o Sonhar ao mundo dos mortais se afilaram tanto que começaram a se romper, um a um. O derradeiro rompimento dos laços entre os dois reinos passou a ser conhecido pelas fadas como a Fragmentação, pois não só quebrou os tênues elos entre Arcádia e o reino humano como também despedaçou o sonho de um dia reverter a Separação.
O termo “Fragmentação” evoca a ideia de um acontecimento repentino e cataclísmico — como um terremoto ou o lançamento de uma bomba nuclear – mas, na verdade, a Fragmentação descreve um processo de pequenas catástrofes à medida que, um a um, os portais que ligavam Arcádia ao mundo dos mortais foram se fragilizando e desmoronando, vedando o acesso ao Sonhar nos poucos pontos de contato que restavam.
A maioria dos estudiosos aponta a eclosão da Peste Negra, em 1347, como o catalisador da Fragmentação. Entre 1347 e 1351, 75 milhões de pessoas em toda a Europa – incluindo um terço da população da Inglaterra – foram vitimados por essa doença virulenta. A onda de medo e desespero que varreu o mundo nesse período ecoou do outro lado das Brumas e reverberou nos reinos feéricos.
No século XIV, o mundo humano foi acometido pelas dores do parto de uma nova era. Os profetas da razão, cujos esforços resultariam na Renascença e na gênese da teoria científica moderna, tentaram racionalizar os acontecimentos misteriosos e incontroláveis, como as pandemias. O populacho se refugiou na religião, renegando suas velhas crenças no sobrenatural em troca do consolo da Igreja, uma instituição que não tinha lugar para nenhuma outra magia, a não ser a sua própria.
À medida que um portal após outro ia se desintegrando ou fragmentava-se em milhares de pedaços que desapareciam ao primeiro contato com a mortalidade em estado bruto, os filhos do Sonhar perceberam que a inação só faria destruí-los. Nos anos abarcados pela Fragmentação, as fadas tomaram uma dentre três decisões que para sempre determinariam seus destinos.
Algumas recuaram para seus locais de poder, suas Propriedades Livres ou Clareiras, e ali realizaram grandes rituais de magia feérica para se isolarem do mundo dos mortais. Os seres encantados conhecidos como os Perdidos ainda vivem nesses lugares, esquecidos em sua própria realidade imutável.
A maior parte dos Sidhe, com pouquíssimas exceções, fugiu para Arcádia pelos portais restantes. Em alguns casos, batalhas violentas foram travadas nos limiares dos portais em ruínas, pois os Sidhe frenéticos lutavam pelo direito de entrar no Sonhar antes que as passagens se fechassem para sempre. As lendas das fadas contam que o Portal de Prata – e a Propriedade Livre a ele associada, a Corte de Todos os Reis — foi o último a ruir, e que seu fechamento assinalou o dobre fúnebre da Idade das Fadas.
Muitos Kiths plebeus – como os Exus, os Trolls, os Boggans e os Pooka – viram-se aprisionados no mundo dos mortais, abandonados por uma nobreza em pânico que se importava mais com a própria sobrevivência do que com o bem-estar de seus súditos feéricos. Essas fadas abandonadas tentaram se adaptar ao mundo enregelante da realidade cruel. Quando a Banalidade começou a varrer o mundo, não mais impedida pelos antigos elos com o Sonhar, as fadas que não puderam ou não quiseram fugir para Arcádia se submeteram a uma transformação desesperada e cobriram suas verdadeiras naturezas com uma camada de Banalidade, o que lhes permitiu sobreviver num mundo que não acreditava mais nelas. Tornaram-se changelings e, nos seis séculos que se seguiram, lutaram para manter vivos os fragmentos do Sonhar.