Hábito

Hábito. Filos. Teol. É uma disposição relativamente estável que dispõe o sujeito, por ele afetado, de modo favorável ou desfavorável relativamente à sua natureza ou às suas operações, ou, por outras palavras, como uma maneira de ser permanente que qualifica o sujeito, dispondo-o bem ou mal segundo a sua natureza. Segundo a concepção aristotélico-escolástica, às modificações que, por vezes, se observam em alguma plantas (aclimatação), nos animais (reflexos condicionados) e em certos membros do corpo humano (habilidade ou destreza das mãos ou dos pés, p. ex.), com mais propriedade chamaríamos "disposições", por lhes faltar a característica essencial do H. propriamente dito, ou seja, aquele grau de estabilidade próprio das faculdades espirituais que sob o domínio da vontade (habitus est quo quis utitur cum valuerit, afirmam S. Tomás e Escoto repetindo Aristóteles).

Filos. Teol. Mor. A vontade não adere ao bem, entrevisto e proposto pela inteligência, de modo necessário e constante. Entre ela e o ideal moral interpõem-se múltiplas tendências divergentes, inúmeras resistências e solicitações contraditórias. Precisamente o Hábito, com sua conformidade e constância, vem corrigir a versatilidade da vontade. Já Aristóteles preconizava a aquisição de bons hábitos para garantir o cumprimento da ordem moral. Enquanto conservam a flexibilidade do espírito que os fez nascer, isto é, enquanto escapam à tentação do automatismo e da rotina, os H. revelam a presença ativa da inteligência e da vontade que nelas vivem incorporadas. Adquiridos por um esforço consciente e voluntário, são como que o corpo da virtude (H. bons) ou do vício (H. maus); aumentam, por isso, o mérito ou demérito dos atos que neles procedem. 

Ped. A importância pedagógica do Hábito é manifesta rompendo a inércia, a indiferença, a indeterminação original das faculdades. O Hábito, à semelhança de um canal, fá-las avançar com maior segurança e rapidez, em direção ao seu objeto natural, para a sua perfeição final. Daí que o papel da educação consista essencialmente em promover e facilitar a aquisição de bons Hábitos por parte dos educandos, de modo a apetrechá-los convenientemente para as exigências da vida. Também se compreende que o esforço educativo comece desde a mais tenra infância pelas condições excepcionais de disponibilidade e plasticidade que aí se oferecem. À maneira de um peso interior (Escoto), como uma força de gravidade psicológica, que dá poder ao querer (Ricouer), o H. comunica intensidade, imprime firmeza e constância às nossas ações e atitudes. É ele que explica uma mentalidade, uma especialização. Poderoso fator de unidade e coerência, torna-se imprescindível na formação do caráter e da personalidade. O importante está em que a vontade nunca perca o domínio que sobre ele deve ter, não permitindo que se torne fim de si mesmo, que se degrade em pura rotina ou que se transforme num mero automatismo psicológico. Enquanto acumula e conserva as experiências do passado, para de novo as utilizar, sempre que as circunstâncias o exijam, o H. revela-se também não só condição essencial do progresso como ainda sua força impulsionadora. Por um lado, corrigindo os erros, as hesitações, os movimentos inúteis, subtraiu o homem às dificuldades e incertezas de um perpétuo começar; por outro, libertando a atenção, deixa-a livre para novas funções, porventura mais importantes. 

Psic. Entende-se por Hábito uma disposição mais ou menos permanente, adquirida pela repetição dos mesmos atos. Por vezes, basta um único ato para criar um Hábito. Normalmente, porém, torna-se necessária a repetição de atos para que o Hábito se consolide como qualidade durável e permanente. A facilidade e prontidão com que se adquirem os H. dependem, em grande parte, das predisposições ou estruturas psicofisiológicas, hereditárias ou não, da força dos instintos e tendências que eles vêm satisfazer e, sobretudo, do interesse, da atenção e do esforço da vontade com que são postos os atos correspondentes. A importância da repetição como fato da experiência de todos os dias foi já sublinhada pelos escolásticos. A psic. moderna, por seu lado, tem-se esforçado por compreender o mecanismo que da repetição conduz à aquisição. Por mínima que seja, a modificação introduzida por um primeiro ato aproveita os atos seguintes, os quais, por sua vez, a prolongam e ampliam até a fixarem como qualidade permanente. O processo assemelha-se a uma reorganização da energia, acumulada por uma série de atos devidamente espaçados (lei de Jost), que permite à respectiva faculdade continuar a desempenhar as suas funções com maior facilidade, prontidão e intensidade. Deste modo, o H. participa ao mesmo tempo da natureza do ato e da potência. A facilidade, prontidão e agrado com que se realizam os atos dependentes de H. adquiridos derivam da repetição  ou do exercício e não do H. em si mesmo. Por isso é que os H. infusos, como observa Escoto, não proporcionam, de si mesmo, essa mesma facilidade e prazer (Ox., I, d.17. q.3). O afrouxamento ou anulação dos fatores que contribuem para a formação do H. determinam naturalmente o seu enfraquecimento, podendo conduzir à perda total. Esta pode dar-se por supressão direta e radical, por desuso progressivo, por sublimação e criação de H. opostos. A medicina moderna, por sua vez, tem recorrido com êxito a determinadas técnicas terapêuticas (hipnotismo, sugestão etc.) para combater certos H. inveterados e renitentes, como o alcoolismo, o tabagismo, a morfinomania etc.  (1)

Hábito. (do gr. éxis, em lat. habitus, ao habere, ao ter de uma coisa, ao seu haver). a) Na filosofia é uma das categorias aristotélicas. Vide Categorias e Acidente Predicamental.  

b) Em psicologia costuma-se chamar de hábito uma disposição que, depois de adquirida, torna-se duradoura, e que consiste em reproduzir os mesmos atos ou em sofrer as mesmas influências. Considera-se, frequentemente, o instinto como inato, inerente ao indivíduo; o hábito, no entanto, como adquirido. Eles são considerados ativos ou passivos. O hábito ativo consiste numa atividade que é repetida, mas difícil ao princípio. Passivo é um costume que se adquire, sem uma ação consciente, volicional. Para alguns, a repetição é a criadora do hábito, mas na realidade a repetição o reforça, não o cria. Na primeira vez que um ato foi realizado está criado como possibilidade, e a repetição vai servir para reforçá-la como ato. Os hábitos passivos são adquiridos pela prolongação da ação, com a graduação da intensidade do excitante exterior. Há atos adquiridos pela vontade: são os atos úteis. Todo o sistema de trabalho, de ação realizadora, é uma série de hábitos adquiridos, através de uma longa aprendizagem. Com a repetição sofre pela ação da vontade uma correção progressiva dos ensaios. Inicia-se por uma decomposição da ação, que é feita por partes, até conseguir o domínio geral que dá a maestria, que é o ato já praticado com independência da consciência dirigente.

Este aspecto leva alguns psicólogos a afirmarem que o hábito traz um debilitamento da consciência. Se realmente a repetição, atingido o grau de hábito, traz consigo certo automatismo, há apenas debilitamento aparente da consciência, porque esta como tensão nada perde, pois está virtualizada apenas no ato habitual, que é feito sem a sua participação, mas é conservada para surgir onde e quando necessária.

O hábito não é uma ação que favoreça a inconsciência. Ao contrário, ele permite que a consciência seja aplicada a outros aspectos mais elevados e é isso, em grande parte, que favorece o progresso da atividade humana, como também da sensibilidade. É essa posição inicial que leva muitos psicólogos a confundirem o hábito com a adaptação biológica. Nesta, que é de ação fisiológica, não entra a consciência e, portanto, o hábito não executa nenhum papel, porque há aí a influência da vontade e de toda a vida reflexiva do homem, como encadeamento de ideias; há uma contribuição pensamental. O que levou também a essa confusão foram os hábitos passivos. Mas esses não o são tão passivos como se pensa, porque se não há atividade da parte do homem na realização de atos exteriores, há uma atividade psicológica. Foi por não terem prestado a atenção ao hábito, que alguns filósofos acabaram por reduzi-lo a uma manifestação da inércia, enquanto outros, pondo-se num campo oposto, atribuíram-no à liberdade.

O hábito pertence somente aos seres vivos, como o salientava Aristóteles. Certos fatos, porém, levaram alguns filósofos a atribuí-lo também às coisas inanimadas. Assim como há corpos que tendem a repetir suas combinações, outros a facilitar uma ação quando repetida, como o exemplo da borracha, que se torna mais favorável à elasticidade, quando repetida a ação. Se existe aqui uma espécie de adaptação, que mostra semelhança com as adaptações biológicas, não se deve porém, confundir o hábito que é o do ser vivo com o que se dá com as coisas inanimadas. (2)

(1) Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura. 

(2) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.