Moral

Moral. Concernente ao bem-estar de outras pessoas e nossa responsabilidade para com elas. Problemas e preceitos morais referem-se a ações que podem ser maléficas ou benéficas para outrem. (1)

Moralidade. Sistema de preceitos morais. Sin. morais, código moral. Para ser viável, um código moral deve ser coercitivo (negativo) em alguns aspectos e permissivo (ou positivo) em outros. Isto é, deve equilibrar ônus e recompensas. Tipicamente, as moralidades religiosas pospõem recompensas e punições à vida após a morte, ao passo que as moralidades humanistas as procuram ou as encaram em vida. Em todo grupo social há um código moral dominante - muito embora ele seja algumas vezes transgredido por certos indivíduos. A ética pode ser definida como o estudo de problemas, preceitos e códigos morais. (1) 

Moral (morale). O conjunto dos nossos deveres; em outras palavras, das obrigações ou das proibições que impomos a nós mesmos, independentemente de qualquer recompensa ou sanção esperada, e até de toda esperança.

Imaginemos que nos anunciem o fim do mundo, certo, inevitável, para amanhã de manhã. A política, que necessita de um porvir, não sobreviveria ao anúncio. E a moral? Ela permaneceria, no essencial, inalterada. O fim do mundo, mesmo inevitável a curtíssimo prazo, não autorizaria ninguém a debochar dos enfermos, a caluniar, a violar, a torturar, a assassinar, em suma, a ser egoísta ou malvado. Não necessita de esperança. A vontade lhe basta. "Uma ação realizada por dever não tira seu valor do objetivo a ser alcançado por ela, mas da máxima segundo a qual é decidida", ressalta Kant. Seu valor não depende dos seus efeitos esperados, mas apenas da regra à qual se submete, independentemente de qualquer inclinação, de qualquer cálculo egoísta, enfim "sem levar em conta nenhum dos objetos da faculdade de desejar" e "fazendo-se abstração dos fins que podem ser alcançados por tal ação" (Fundamentos..., I)... É por isso que a moral é desesperada, pelo menos em certo sentido, e desesperadora talvez. "Ela não tem a menor necessidade da religião", insiste Kant, nem de um fim ou objetivo qualquer: "ela se basta a si própria" (A religião nos limites da simples razão, Prefácio).

A moral é livre, como diria Rousseau ("a obediência à lei prescrita para si mesmo é liberdade"), ou autônoma, como diria Kant (porque o indivíduo está submetido unicamente à "sua legislação própria e, no entanto, universal").

Essa moral é mesmo universal? Nunca completamente, sem dúvida: todos sabem que existem morais diferentes, que variam de acordo com os lugares e as épocas. Mas ela é universalizável sem contradição e, aliás, cada vez mais universal, de fato. 

De onde vem essa moral? De Deus? Não é impossível: ele pode ter colocado em nós, como queria Rousseau, "a imortal e celeste voz" da consciência, que prevaleceria, ou deveria prevalecer, sobre qualquer outra consideração, ainda que fosse esta a da nossa salvação ou da sua própria glória... Mas e se não há Deus? Nesse caso, devemos pensar que a moral é nada mais que humana, que é simplesmente um produto da história, o conjunto das normas que a humanidade, ao longo dos séculos, reteve, selecionou, valorizou. Por que essas? Sem dúvida porque elas eram favoráveis à sobrevivência e ao desenvolvimento da espécie (é o que chamo de moral segundo Darwin), aos interesses da sociedade (é a moral segundo Durkheim), às exigências da razão (é a moral segundo Kant), enfim às recomendações do amor (é a moral segundo Jesus ou Spinosa). (2)

Moral. deriva de mos, "costume", do mesmo modo ética vem de ___, sendo por essa razão que "ética" e "moral" são empregadas às vezes indistintamente. O termo "moral" costuma ter uma significação mas ampla que o vocábulo "ética". 

Kant distinguiu entre moralidade e legalidade. Hegel diferenciou a moralidade subjetiva (Moralität) da moralidade enquanto moralidade objetiva (Sittlichkeit). Traduz-se por vezes Moralität por "moralidade" e Sittlichkeit por "eticidade". De fato, enquanto a Moralität consiste no cumprimento do dever por um ato de vontade, a Sittlichkeit é a obediência à lei moral enquanto fixada pelas normas, leis e costumes da sociedade, que representa por sua vez o espírito objetivo ou uma das formas deste. 

O termo "moral" foi usado muitas vezes como adjetivo quando aplicado a uma pessoa determinada, da qual se diz então que "é moral". Isso evocou vários problemas: 1) em que consiste ser moral? 2) É possível ser moral? 3) Deve-se ser moral? Este último problema foi debatido na forma de "se se deve (ou não) fazer o que é justo (enquanto moralmente justo)". A resposta parece óbvia: deve-se ser moral ou fazer o (moralmente) justo. Contudo, tão logo se procura encontrar uma razão que explique  por que se deve ser moral, surge toda espécie dificuldades. Trata-se de dificuldades inerentes ao "fundamento da moralidade", de que tratamos em diversos verbetes de temática ética (verbetes com bem; boa vontade; boas razões; dever; deôntico; ética etc.). (3)

Moral e Axiologia. Na filosofia moderna encontra-se uma tendência a reduzir a moral à axiologia. Depois das críticas de Kant, que levaram a tantos a aceitar a impossibilidade humana de alcançar ao ser por ser este inacessível, outros procuraram substituir a ontologia pela axiologia. Não sabemos o que as coisas são em si, mas sabemos ao menos o que são para nós. O mundo exterior tem assim um valor, e é um valor, pois vale para nós. E assim é um valor tudo quanto é da nossa experiência e da nossa vida, tudo que compõe o nosso cosmos. Substituem a ontologia pela axiologia, e também a moral ou ética (porque aqui e para tal posição são sinônimas) tendendo ao valor relativo das diversas maneiras de se processaram as relações humanas. A raiz da ética deve e terá de ser encontrada na ontologia. A axiologia é apenas uma disciplina regional da ontologia. O valor é ainda ser e não nada. (4)


(1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

(2) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 

(3) MORA, J. Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2004.

(4) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.