Mistério

Mistério. (mysterion, do gr. do verbo myô, fechar os lábios, aquilo do qual não se fala). a) O que é inexplicado, mas que nos deixa perplexo e incita à investigação ou à fuga. Há no mistério sempre um matiz de emotividade, do contrário seria sinônimo de desconhecido, inexplicável, o que não é.

b) Na linguagem popular indica tudo o que é ocultado, e que só é conhecido de um ou poucos que guardam segredo.

c) Nas religiões antigas era o conjunto das práticas, dos ritos e das doutrinas secretas, que se davam à parte do culto popular e legal, reservado aos iniciados.

d) Tudo quanto está oculto por um símbolo que o aponta, mas que também o encobre; aponta-o aos iniciados, e esconde-o aos profanos.

e) Também se emprega para significar tudo quanto é de difícil solução.

f) O que está além da mente humana, do conhecimento humano. Os sete mistérios, os sete véus de Isis, os sete arcanos, as sete fundamentais aporias da filosofia, etc. Vide Aporia. (1)

Mistério. 1. Na religião grega, certas cerimônias rituais que eram mantidas em segredo em relação a toda a gente, menos os devidamente iniciados. 2. A missa, nas igrejas católica e ortodoxa. 3. Na teologia cristã, artigo de fé para além da compreensão humana, como, por exemplo, a Trindade. (2)

Mistério. Em geral, tudo o que é humanamente incompreensível ou de que não temos conhecimento, adequado ou perfeito. Derivado do grego ____ (fechar os olhos e a boca), o termo mistério significava originalmente uma realidade oculta e secreta da qual não era permitido falar. No helenismo antigo, utilizado no plural, designava propriamente o culto e os ritos de certas religiões reservados aos iniciados (____ de iniciar nos mistérios): estão neste caso os mistérios órficos, os mistérios de Dioniso, de Elêusis, de Serapis, de Adônis, de Mitra etc. Em seguida, certamente por virtude das imagens e dos termos próprios das técnicas de iniciação, ____ passou a designar metaforicamente toda a realidade, religiosa ou não, de conhecimento difícil ou mesmo impossível. 

Evidentes analogias frequentemente observadas entre práticas religiosas e a meditação filosófica levaram Platão a introduzir na sua filosofia concepções e fórmulas mistéricas, como p. ex., quando compara a subida para a contemplação do ser real e da resplandecente beleza do ser divino (Fedro, 249-250b) a um autêntico rito de iniciação. Por este e outros lugares vê-se claramente que os mistérios já não são ritos sagrados, mas ideias e doutrinas cuja verdade, escondida embora, pode ser compreendida por aqueles que não se poupam à disciplina e aos esforços por ela exigidos. Aqui a iniciação é o caminho que tem de percorrer a inteligência humana para chegar à plenitude da contemplação. Este entendimento do mistério como sabedoria ou doutrina da união da alma com o divino, iniciado por Platão, irá conhecer uma longa história, através de Fílon de Alexandria e do neoplatonismo, o há-de levar até aos grandes místicos da Idade Média. De natureza ritual e cultural que antes era, o conceito de mistério assume cada vez mais forma e caráter ontológico a indicar não já o que não convém proclamar mas aquilo que por sua mesma natureza é inefável ou indizível. E mais tarde estender-se-ia do domínio religioso e filosófico para o domínio profano, a significar até, por analogia, segredos de ordem pessoal e familiar. 

Desde muito cedo que mistério faz parte do vocabulário cristão, a significar inicialmente os acontecimentos fundamentais da vida de Jesus, particularmente o seu nascimento e morte, bem como as figuras e os acontecimentos do Antigo Testamento que, num sentido alegórico, prefiguram "mistérios do Logos" (São Justino, Apologia, I, 13; Diálogo, 74, 91).

Logo que o conceito grego de mistério se alterou, a partir, sobretudo, da teologia alexandrina e do neoplatonismo, foram entendidas como mistérios todas as grandes verdades da religião cristã. Conduzida por Cristo, na sua função de mistagogo, o gnóstico cristão terá de passar por iniciação nos pequenos mistérios (como por exemplo a doutrina sobre a criação do mundo) antes de chegar à iniciação nos grandes mistérios da comunhão com o Logos celeste e do conhecimento da Trindade (Cl. de Alexandria, Strómata, 4,3,1). Daqui o aproveitamento analógico da terminologia dos mistérios pagãos, p. ex., nas Catequeses mistagógicas de São Cirilo de Jerusalém, a propósito, designadamente, do Batismo e da confirmação, e, mais tarde na Mistagogia de São Máximo, o Confessor, meditação doutrinal sobre a liturgia eucarística.  

Mas a noção de mistério cristão, tal como foi introduzido e descrito pelos Padres da Igreja tem a sua origem não nos mistérios da religiões pagãs, mas em São Paulo, que, por sua vez, a recolheu da Bíblia e, mais propriamente, dos Livros da Sabedoria e do Apocalipse. Com efeito, o mistério paulino é o segredo da sabedoria de Deus, o seu desígnio de salvação universal, inacessível à inteligência humana, e que Ele revela quando e a quem lhe apraz. A epístola dos Efésios aprofunda esta noção, mostrando na Igreja o cumprimento do "mistério da vontade divina", a "economia do mistério oculto em Deus desde toda a eternidade", no qual se revelam todas as dimensões da caridade divina num conhecimento que excede toda a humana capacidade (3, 9-19). Enquanto os mistérios do paganismo não passam de uma simples projeção da fecundidade da vida cósmica que sem cessar morre e renasce, do mesmo modo que os deuses não passam de uma personificação mítica dos poderes da terra e do céu, os mistérios cristãos celebram os desígnios do amor criador e salvífico de um Deus que se fez homem para salvar todos os homens, comunicando-lhes a sua própria vida imortal. O mistério apresenta-se, deste modo, como o além de todos os problemas: o que nele se dá é o absolutamente Insolúvel, a Luz inacessível na qual se encerram e esclarecem todos os problemas. 

Inteligíveis em si mesmos e para a inteligência divina, os mistérios cristãos podem ser-nos comunicados por revelação. E, uma vez revelados, é possível demonstrar que não são absurdos e que o seu sentido pode ser apreendido ainda que por simples analogia e de uma maneira muito imperfeita. Como observa Blondel, existem no mistério, mesmo antes da fé, aspectos que não deixam a razão indiferente ou totalmente cega; e na fé existem aspectos que a meditação e a experiência esclarecem parcialmente. De resto, as verdades reveladas dirigem-se à inteligência a solicitar a sua adesão não de um modo cego ou irracional, mas por um ato de fé razoável, enquanto apoiado em motivos de credibilidade que revelam e garantem extrinsecamente a sua verdade. 

Em termos estritamente filosóficos, G. Marcel estabelece uma antinomia entre problema e mistério: o problema é de natureza impessoal e objetivo, capaz de obter solução que o suprime como total; o mistério, pelo contrário, é pessoal e não objetivável, na medida em que o próprio sujeito nele se encontra necessariamente comprometido de tal modo que só existe a alternativa de o rejeitar ou aceitar (cf. G. Marcel).

O mistério não só não limita a razão, mas constitui, por assim dizer, o seu horizonte último enquanto base de nossa existência espiritual. Sem se deixar reduzir ou absorver pela razão - essencialmente capacidade de abertura e de acolhimento -, o mistério aparece à experiência transcendental que o espírito tem de si mesmo como o termo indizível e jamais atingido do seu próprio dinamismo. (3)

Mistagogia. Do grego ____, iniciação ou interpretação dos mistérios. Pertence ao vocabulário das religiões mistéricas clássicas e, nesse sentido, pode encontrar-se em Plutarco, Jâmblico, Proclo. Passa para os textos do Cristianismo primitivo, que tenta expressar a Revelação cristã em termos de uma cultura pagã, aplicando por vezes terminologias oriundas dos cultos e dos ritos do paganismo, embora com sutis e inevitáveis alterações de sentido. 

No Cristianismo, acentua-se o caráter mistérico das verdades reveladas, já que ultrapassam as capacidades da razão para as estabelecer só por si. Daí a ligação intrínseca de mistagogia, mistério e mística, traçando a ideia da comunicação voluntária e amorosa de Deus ao homem e, paralelamente, a exigência de uma iniciação. A dualidade escondido/revelado aparece como essencial ao mistério e à própria mistagogia. A ele se liga a noção de transcendência divina, que, acentuando a limitação do espírito e do agir humanos, salvaguarda sempre o essencial do mistério - inatingível na sua totalidade, apesar das sucessivas e diversas revelações - e revela a precariedade e a relatividade de todas as mitagogias. 

Tratada abundantemente por São Paulo, a ideia de mistério e a da sua iniciação centra-se em Cristo - mediador e revelador -, cumpre-se na Igreja e nos seus membros, e implica uma mística que origina uma iluminação especial, que envolve e ultrapassa o cristão desencadeando um movimento de aperfeiçoamento e transformação espiritual...

Se a finalidade do mistério para o homem é o de ser revelado, apreendido mediante uma iniciação no plano do conhecimento, do agir e do amor, implica sempre não só a disposição do homem mas a comunicação, como dom do divino, na inacessibilidade. Daí a gradação de toda a mistagogia desde o conhecimento pela fé à experiência mística. a iniciação do crente no mistério de Deus, como o acentuam todos os grandes autores de Justino a Orígenes, Gregório de Nissa, Agostinho, escapa assim a toda e qualquer técnica de ordem psicológica ou ascética. (3)

(1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.

(2) HUXLEY, Sir Julian e outros. O Pensamento: Filosofia, Religião, Moral. Publicações Europa-Americana, 1970 (Glossário).

(3) LOGOS – ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Verbo, 1990.