Crise

Crise. Do grego krisis, do mesmo étimo do verbo krino, separar, depurar, como se faz com o ouro, do grego krysos, onde está presente a raiz do sânscrito kri ou kir, limpar, cujos indícios estão também em crisol e acrisolar. O Dicionário Etimológico de Antenor Nascentes dá também os significados de momento decisivo, separação e julgamento. Há consenso entre diversos outros pesquisadores de que a crise leva à ruptura com o estado anterior. O novo rumo pode ser de melhora ou piora, tanto em medicina como em sociologia, onde o vocábulo é muito usado. (1)

Crise. O primeiro sentido oferecido pela etimologia grega (krisis) corresponde à fase decisiva de uma doença. Mais geralmente, um momento de desequilíbrio sensível. Quer se trate na história de uma ciência do questionamento de noções ou princípios que parecem bem estabelecidos (assim falou-se de uma “crise do determinismo”), quer, nos campos psicológico ou moral, um indivíduo ou um grupo constate que os valores admitidos precisam ser modificados, ou, mais globalmente, o conjunto de uma cultura ou de uma civilização questione sua história e seu futuro (evoca-se com frequência, sob esse aspecto, uma “crise do Ocidente” no século XX).

Em Economia, pode ocorrer uma crise por insuficiência da produção ou, ao contrário, por superprodução (crise de 1929). Marx admitia que o capitalismo seria por natureza gerador de crises que acabariam por lhe ser fatais. Porém, a história recente também pode ser interpretada no sentido contrário: para o capitalismo, a crise seria então “uma condição de sua possibilidade de funcionamento” (Lyotard). (2)

Crise. Do grego krisis, significa "juízo", como decisão final sobre um processo e ainda, generalizando, decisão de um acontecer num sentido ou noutro. Em medicina e em ciência militar, crise exprime aquele momento de viragem, dificilmente situável, em que tem lugar a decisão sobre a vida ou a morte, sobre a vitória ou sobre a derrota. De um modo geral, crise designa uma fase ou uma situação perigosa, da qual pode resultar algo benéfico ou algo pernicioso para o indivíduo ou para a comunidade que por ele passa um estado transitório de incerteza e dificuldades, mas também cheio de possibilidades de renovação. De múltiplas maneiras se pode manifestar a crise e, do ponto de vista filosófico e sociológico, é particularmente importante a crise histórica, que se pode traduzir em crise na vida espiritual de um povo, quando as formas de arte, literatura, filosofia, moralidade etc entram em declínio, devido ao enfraquecimento das crenças em que repousam e despontam novas formas correspondentes a aspirações e necessidades que começam a fazer-se sentir. 

A noção de crise encontra-se atualmente muito difundida nas linguagens filosófica e sociológica e mesmo na linguagem comum. A sua origem parece remontar segundo alguns estudiosos a Saint-Simon, que, em L'introduction aux travaux scientifiques du XIXe siècle (1807), distingue entre épocas orgânicas e épocas críticas. As primeiras repousam num sistema de crenças bem estabelecidas e desenvolvem-se de acordo com esse sistema. Acontece, porém, que para além das variações particulares de crenças dentro do contexto da crença fundamental organizadora de uma época orgânica, o progresso desta última leva à alteração dessa crença central em que se apoia, determinando o início de uma época crítica. A Reforma, por exemplo, e a nova ciência da natureza puseram em crise a época medieval, dando início à época moderna, época preponderantemente crítica. Essa ideia de épocas orgânicas e épocas críticas foi recolhida por Augusto Comte (o estado metafísico como estado crítico e não orgânico, transição do estado teológico para o positivo) e por outros positivistas que admitem não ter ainda a época moderna alcançado a organização definitiva em torno de um princípio extraído da ciência positiva, mas encontrando-se inevitavelmente em vias de a alcançar. 

A crise renascentista é a passagem da época medieval para a época moderna.

A ideia de época orgânica transforma-se, por vezes,  um ideal, num mito, numa espécie de Idade de Ouro, onde as incertezas, as tensões, as injustiças serão eliminadas numa utopia em que inevitavelmente se crê venha a se transformar em eutopia e que podendo acompanhar a diagnose da crise, origina as mais variadas ideologias. (3)

Crise. Falamos de "crise" em relação a sujeitos, a uma vida ou a uma forma de vida, a um sistema ou uma "esfera" de ação. As crises decidem se uma coisa perdura ou não. O caso paradigmático de crise é a crise de vida, na qual, se levada ao extremo, está se tratando de vida ou morte. Em toda crise os envolvidos confrontam-se com a questão hamletiana: ser ou não ser. (4)

Crise. (do gr. krisis, separação, abismo e também juízo, decisão, etc.). Há, em todo existir, um separar-se, uma crise, quer pela forma, quer pela separação física das coisas. Mas estas não se separam, porém absolutamente, porque do contrário haveria rupturas no ser, o que é absurdo ante uma concepção que não aceita qualquer dualismo nem pluralismo principal. E se a verdade do mundo fosse o pluralismo, a crise se instalaria ainda em maior escala, porque haveria seres absolutamente separados e infinitamente distantes uns dos outros.

Há de qualquer forma, de modo absoluto ou não, um separar-se entre as coisas. E é a crise que leva o homem à crítica, ao trabalho analítico, ao exame das partes de um todo, para apreender mais concretamente o todo. Há nela um dualismo vetorial: a diácrise, que é a separação constante, intensiva, e a sincrise, que é a reunião dos elementos dispersos. A crítica que é a aplicação da inteligência no exame da realização de crise, que é todo objeto finito de exame, realiza a diácrise de início, para proceder, afinal ,a síncrise.

Emprega-se o termo para indicar as situações instáveis e oscilantes entre impulsos antagônicos, entre forças contrárias, quando a oposição cria a diácrise. Deste modo, em todos os campos do conhecimento, e em todos os setores da vida humana, encontramos sempre instalada a crise. Daí poder-se falar em crise intelectual, em crise econômica, em crise política, em crise ética, em crise moral, etc. (5)


(1) SILVA, Deonísio da. De Onde Vêm as Palavras: Origens e Curiosidades da Língua Portuguesa. 16.ed. rev. e ampl. Osasco, SP:Novo Século, 2009.

(2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

(3) LOGOS – ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Verbo, 1990.

(4) OUTHWAITE. W. e BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro, Zahar, 1996.

(5) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.




"eutopia", Espaço exterior materializado, .percepcionado como .suscetível de realizar os valores e aspirações locais.

"eutopia". in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/eutopia [consultado em 26-05-2015].