Imutabilidade

Imutabilidade. Conhecemos da nossa experiência a mutabilidade. As coisas finitas sofrem mutações várias. A mutabilidade das coisas finitas permite-nos compreender a imutabilidade, e esta, naquelas, seria a manutenção, a perduração constante e intérmina de seu modo de ser. Tal imutabilidade só se dá relativamente.

Análise: Os racionalistas ante a mutabilidade, procuraram o que não mudava, o imutável. Platão concebia acima deste mundo a esfera imutável das formas. A esfera da mutabilidade é a dos seres que se transformam, sensíveis e perecedouros. O ser é imutável e é o grau de imutabilidade que dá valor às coisas. O conceito de imutabilidade revela-se na oposição ao de mutabilidade, que nos é dado pela intuição. Esta imutabilidade procurada atrás de tudo quanto existe é o ponto de apoio, que buscam os filósofos da incondicionalidade. O que muda é algo que é fixo, no fundo. É um grande desejo vital de conservação de nós mesmos, que leva a razão (que em nada nega os nossos instintos) a afirmar a permanência.

Heráclito afirmou a mutabilidade de tudo. Mas a reação de Parmênides não se fez esperar e imprimiu a marca de toda a filosofia ocidental. Só com Hegel, Bergson, William James, Nietzsche retorna o tema da mutabilidade para a filosofia. Mas todos afirmaram algo imutável: a lei suprema da Ideia em Hegel, a "vontade de potência" em Nietzsche, a "matéria" para os materialistas, etc.

O que nos revela a realidade, graças à ciência, é que há mutabilidade, mas essa não é igual para todos os fatos. Não podemos compreender a mutabilidade absoluta das coisas finitas, nem uma imutabilidade absoluta. Não podemos fugir às antinomias, ao antagonismo dos dois conceitos que se opõem, que permanecem antinômicos. Não concebemos o ser sem o sendo, este sem aquele. Mas compreendendo ambos como conceitos dialeticamente antinômicos, como elaborados pela dialética do nosso espírito, podemos também entender a sua complementaridade. Ante qualquer um dos extremos encontramo-nos ante um obstáculo, que é a sua "negação". Podemos compreender o ser como imutável enquanto ser, como forma que é, e que não se aniquila. Mas essa compreensão não exclui a positividade da mutação dos entes finitos. O ser é sempre ser, mesmo quando é ora isto, ora aquilo.

Não podemos compreender que algo seja mutável sem concebê-lo como pertencente a algo imutável. É que não podemos romper com o concreto, esgrimindo conceitos que são apenas abstratos. Ademais a mutabilidade do sendo não contradiz, ontologicamente, a imutabilidade do ser. O ser, como ser, é imutável, e o sendo, como mutável, é ser sempre através das suas mutações (geração, corrupção, alteração, aumento, diminuição, movimento, etc.) que não do ser e dão-se no ser. (1)

(1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.