Democracia

Democracia. Do grego demos, "povo" e kratia,  "poder", "autoridade", define-se, segundo uma norma ideal, como "a organização social em que o controle político é exercido pelo povo, o qual delega poderes e representantes periodicamente eleitos. (1)

Democracia. Na sua acepção mais vulgarizada forma de governo em que a soberania deriva do povo e é exercida por ele: a democracia de Atenas. 

Encicl. Tem-se dado à palavra "democracia" uma vasta e imprecisa significação, compreendendo concepções tão diversas (se bem que relacionadas) como as seguintes: a) uma sociedade fundada na igualdade; b) um Estado em que o poder de governar reside no povo; c) uma forma de organização governativa em que o Estado é diretamente administrado pelo povo ou por seus representantes eleitos. Em sentido rigoroso, só merecerá o qualificativo de democrática a sociedade em que foi abolido todo privilégio derivado do nascimento, da riqueza ou da função pública, e onde se estabeleceu uma igualdade substancial de direitos e obrigações legais, bem como de possibilidades sociais para todos os membros. A existência de castas, hereditárias ou intelectuais, ou de classes econômico-sociais (capitalistas e não-capitalistas) é incompatível com uma organização verdadeiramente democrática, a qual é ameaçada pela acumulação da riqueza nas mãos de alguns indivíduos e pela pobreza extrema em outros. A democracia como princípio social baseia-se na doutrina da igualdade essencial dos homens e de seu igual valor, - ideia derivada de concepção cristã da igualdade de todos os homens perante Deus, mas que deve a sua transferência da religião para a política principalmente ao influxo exercido pelos escritos de Rousseau. (2)

Democracia. O uso do termo "democracia", poder do povo, adquiriu hoje uma dimensão que ultrapassa o significado específico de "forma de governo" ("governo do povo, pelo povo e para o povo") para indicar um modo de ser e de pensar. (3)

Democracia. Etimologicamente o termo designa assim um governo do povo. Entretanto, na Grécia antiga onde o termo se origina, conota mais uma reivindicação política, do que propriamente uma forma determinada de organização do Estado. A reivindicação se orientava contra o fato da concentração do poder nas mãos de algumas famílias aristocratas. A cidade grega pode mesmo, em certo sentido, realizar uma democracia direta, com participação do povo nas decisões políticas, levando-se, porém, em conta que do povo grego eram excluídos, dentre outros, os escravos e mesmo, os estrangeiros residentes. Esta ideia democrática passou a Roma, onde conseguiu se firmar após a queda da monarquia etrusca; reaparece nas cidades medievais onde os interesses mercantis conseguiram afrontar as pretensões dos senhores feudais. Entretanto, conquanto se chamassem de democracias urbanas, eram de fato dominadas pelos burgueses mais poderosos, e a interferência do povo no poder era de fato pouco expressiva. A ideia, porém, tinha a força irresistível da justiça. Foi repensada pelos chamados filósofos do século XVIII, e mais tarde elaborada em termos de sistema político. O que a caracteriza, dada a impossibilidade concreta das democracias diretas num país de alto potencial demográfico, é o direito do povo de designar os seus governantes e de controlar o modo pelo qual exercem o poder que lhes é delegado. Assim, numa definição mais compreensiva, a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo. Para que ele possa designar os seus representantes no poder, foram elaborados mecanismos eleitorais, a princípio ainda restritivos, limitando tanto o número e as qualificações dos elegíveis, como dos eleitores. Em alguns países, por exemplo, eram excluídas as mulheres  do direito do voto; em outros, eram excluídos os que não possuíam bens imóveis, ou não pagavam um determinado montante de impostos anuais. Pouco a pouco, as limitações foram caindo, para se chegar ao chamado sufrágio universal, do qual são excluídos os incapazes por idade, com menos de 21, em alguns países, ou de 18 anos, em outros, ou aqueles que não têm condições para votar com conhecimento de causa, como os analfabetos (hoje, quase inexistente). Para o controle do exercício do poder, foram também excogitados mecanismos diversos, como as eleições para um determinado período de tempo, com possibilidade de reeleição ou sem, e o exercício do mandato dentro de regras fixadas por uma Constituição elaborada também por representantes do povo. É evidente que tais mecanismos só podem ter eficácia na hipótese da existência de vários candidatos entre os quais escolher, apresentados por vários partidos, que defendam programas dotados de um conteúdo próprio. É assim difícil de imaginar a compatibilidade da democracia com regimes de partido único, como nos sistemas totalitários. Por outro lado, o funcionamento eficaz dos mecanismos democráticos é inseparável do respeito de direito e de fato aos direitos fundamentais da pessoa, como liberdade de pensamento, liberdade de expressão, de imprensa e de outros meios de comunicação, liberdade de associação, de locomoção. O reto exercício da democracia não é simples, nem fácil. É, muitas vezes, dificultado por uma série de interesses opostos que lhe criam obstáculos: a exploração da ignorância dos eleitores, o suborno, as fraudes eleitorais, as pressões políticas e econômicas exercidas sobre o eleitorado. (4) 

Democracia (démocratie). O regime em que o povo é soberano. Isso não significa que ele governe, nem faça lei, mas que ninguém pode governar nem legislar sem seu consentimento ou fora do seu controle. Opõe-se à monarquia (soberania de um só), à aristocracia (soberania de alguns), enfim à anarquia ou ao ultraliberalismo (ausência de soberano).

Não confundir a democracia com o respeito das liberdades individuais ou coletivas. Se o povo é soberano, ele pode estabelecer soberanamente limites  a essa ou aquela liberdade, e o faz necessariamente, porém mais ou menos. É o que dá sentido à expressão "democracia liberal" - porque nem todas o são. 

Não confundir tampouco a democracia com a república, que seria sua forma pura ou absoluta - una e indivisível, laica e mesmo igualitária, nacional e  universalista... "A Democracia é o que resta da República quando se apagam as Luzes", escreve Régis Debray. Digamos que a democracia é um modo de funcionamento; a república, um ideal. Isso confirma que a democracia, mesmo impura, é a condição de qualquer república. (5) 

Democracia. Em sentido de organização política é o sistema no qual os cidadãos, independentemente de castas, classes, estamentos, exercem a autoridade, quer por si mesmos (democracia plebiscitária) quer por intermédio de delegados ou representantes do povo (democracia eletiva). O voto pode ser direto ou indireto, por meio de delegados, com funções específicas para eleger os mandatários dos altos postos. A votação pode ser secreta ou a descoberto, e os eleitores podem ser todos em idade determinada (sufrágio universal) ou selecionados (sufrágio restringido, voto qualitativo), admitindo o voto plural, concebido aos eleitores mais capazes, numa ordem hierárquica. A representação é baseada num critério de maioria ou de proporcionalidade. Pode ser realizada por circunscrições geográficas, com ou sem partidos organizados.

O Corpo Legislativo pode ser unicameral ou bicameral ou mais. O Poder Legislativo deve proceder somente dentro dos limites dados pelo mandato popular ou, discricionariamente, se assim for concedido dentro dos princípios da organização democrática. O Poder Judiciário pode sofrer a influência do eleitorado na escolha dos jurados, e até dos juízes de instância inferior. O Poder Executivo pode depender do Legislativo, como no regime parlamentarista, ou pode ser autônomo, como no Presidencialista, embora harmônico com os outros na obediência da constituição estabelecida.

A essência da democracia é um dos temas que mais discussões tem provocado ultimamente, já que regimes dos mais heterogêneos intitulam-se também democráticos, como nas chamadas "democracias populares", criadas pelos comunistas em vários países, dominados pelo poder do exército e da polícia vermelha. Em sua essência, diz que é um governo escolhido livremente pelo povo, sob a base da maioria, sem desrespeito das minorias. A essência consiste em ter o poder sua origem na vontade popular. Ora, essa vontade, se não tem a espontaneidade de uma origem, e não é produto de deliberações, não é livre.

A deliberação implica reflexão e, consequentemente, sopesamento de valores e razões. Neste caso, a escolha (eleição) deve ser precedida de ampla discussão das perspectivas, e a escolha tem de proceder-se dentro da maior liberdade, da maior isenção de pressões de qualquer espécie. Nenhum desses aspectos se deram nas chamadas "democracias populares", que foram instituídas sob a força das armas, e não por livre escolha, através do processo democrático da discussão prévia e da eleição posterior, pois em nenhuma das fases houve o que é essencialmente democrático: liberdade, isenção, ausência total de qualquer pressão, e também da própria demagogia, pois os métodos demagógicos são antidemocráticos e revelam, em toda a história dos regimes dessa espécie que são o prelúdio das ditaduras, do cesarismo, e primeiro passo das grandes derrocadas sociais.

É da essência da democracia, pois, a aceitação de que o poder repousa proximamente, pelo menos, na vontade popular que deve ser esclarecida e que livremente deve manifestar-se nas eleições, dela partindo sempre toda e qualquer modificação qualitativa e não substantiva do regime. Para o seu esclarecimento e fortalecimento impõe-se a liberdade aos adversários, para que o diálogo entre todos se processe, sempre obediente ao princípio da liberdade e ao respeito à livre manifestação do pensamento. Ela é, em suma, o sistema de organização social e estatal, que se funda na vontade popular livre, livremente manifestada e deliberada, cuja ação tende ao bem comum e ao individual, dentro do âmbito que abrange a liberdade coletiva e individual, retamente entendidas. Tudo quanto ofenda a tais notas, compreendidas nesse enunciado, ou que a elas se oponha, ou que com elas colida, exclui-se da democracia, e só por falsificação significativa pode receber o nome de democrático. (6)

(1) EDIPE - ENCICLOPÉDIA DIDÁTICA DE INFORMAÇÃO E PESQUISA EDUCACIONAL. 3. ed. São Paulo: Iracema, 1987.

(2) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.].

(3) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

(4) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967.

(5) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011.

(6) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.