Profecia

Profecia. Para os escolásticos não é uma virtude nem uma qualidade permanente, mas uma passio transiens, uma paixão transitiva. Também é uma graça dada, uma inspiração capaz de prever o futuro, uma iluminação sobre acontecimentos futuros (contingentes). Essa inspiração é sobrenatural ou além da natureza do homem. Há também uma profecia sobre o passado, uma inspiratio de fatos já sucedidos, mas até então desconhecidos por quem os profetiza. É tema de teologia. Contudo a psicologia em profundidade interessa-se pelos fatos proféticos e busca estudá-los à luz dos conhecimentos psicológicos, como, de certo modo, naturais. (1)

Profetismo

1. Etimologia. O vocábulo grego prophêtês ‘intérprete dos deuses, profeta’, do grego pró, ‘adiante, antes’, e gr. phanai ‘falar’.

2. Conceituação. Denominação que se dá, modernamente, 1) ao fenômeno pelo qual, em algumas religiões, a ‘revelação’ de uma divindade ou de seus ensinamentos, abrangendo o passado, o presente ou futuro do grupo religioso correspondente, é atribuída à palavra (oral ou escrita) de um ou mais indivíduos tidos como ‘profetas’ ou ‘inspirados’; 2) à atividade desses profetas e ao conjunto de seus princípios doutrinários.

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5. Profetas áulicos e cultuais. Função exercida por Neferrhu e Ipuwer no Egito antigo, provavelmente entre 2180 e 2040 a.C. Tratava-se de profetas áulicos já que participavam de uma estrutura de poder teocrática.

6. Israel. A mais significativa manifestação histórica do profetismo é a que se dá entre os judeus, corporificando aspectos fundamentais tanto do próprio judaísmo como, mais tarde, da religião cristã. Os profetas de Israel têm por característica principal servirem de mediadores entre um deus e um povo determinados, isto é, entre Iavé e os hebreus. O fenômeno remonta à fase de nomadismo das tribos hebraicas, quando se limitava à expressão oral. Ainda na época de Samuel, de Saul (sec. XI a. C.), o ‘chamado’ ou ‘inspirado’ (navi) era um vidente extático e andarilho, suscetível de arrebatamentos, desmaios, êxtases, flagelações, empenhando-se na defesa de Iavé e contrapondo-se à influência de outros cultos, como o da religião cananeia.

7. O aparecimento e o caráter do profetismo, entre os hebreus, têm relação estreita com a obra e o papel desempenhado por Moisés — referindo (Deut. 34,10) como o maior dos profetas — na condução do povo de Israel à terra de Canaã. Desde suas origens, portanto, a alteridade do profeta adquire teor ao mesmo tempo religioso, político e moral, exercendo-se na corte e, possivelmente, no templo. Ainda assim, os profetas hebreus não comportariam a denominação de cultuais, ou de áulicos, dada a especificidade e a amplitude de significado que alcançaram em relação ao destino do seu povo.

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11. De toda longa tradição do profetismo hebraico, em que se manteve inalterável o denominador comum da defesa de Iavé e de sua ética, pelo menos 21 profetas se tornaram conhecidos: na primeira fase, monárquica, dos hebreus, Samuel, Elias, Eliseu, Natã; no séc. VIII a.C., Amós, Oseias, Isaias, Miqueias; no séc. VII a.C., Sofonias, Naum, Habacuque; no séc. VI a.C., Jeremias, Ezequiel, e o segundo Isaias; nos sécs. V e IV a.C., Ageu, Abdias Zacarias, Malaquias, Joel, Jonas e Daniel.

12. No Cristianismo. A valorização do profetismo entre os cristãos tem como ponto de partida o próprio Novo Testamento, onde são constantes as citações dos profetas hebreus, sobretudo nas passagens em que estes assumiam a vinda do Messias e as circunstâncias em que se daria. A finalidade era, porém, conferir autenticidade à narrativa evangélica, garantindo-se a identificação de Jesus Cristo como o salvador anunciado. Assim, para os cristãos João Batista foi o último dos profetas (Lc 1, 76). A literatura bíblica profética, no entanto, assim como no Velho Testamento compreende diversas salmos, no Novo Testamento ocupa todo o último livro, o Apocalipse, do apóstolo João.

13. No Islamismo. Embora essencialmente profética, a religião não tem, em Maomé, um profeta do tipo weberiano e, por isso, de características semelhantes às dos autores bíblicos assinalados. Nesse plano, Maomé se apresenta, antes de tudo, como o raro modelo de um profeta fundador de sua própria religião. Sendo o Corão o veículo da ‘revelação’ maometana de um deus único (Alá), delineiam-se em suas páginas os traços essenciais do profetismo islâmico: a) quanto à forma, reafirma o estilo dos kahin (inspirados, adivinhos) da tradição muçulmana; b) quando ao fundo, carrega elementos de influência entre judaica e crista, tendo Maomé conhecido o Novo e o Velho Testamentos.

14. referindo-se a si próprio como o último dos neviin enviados por Deus ao mundo, Maomé foi elevado a uma categoria ainda mais alta pela teologia islamítica, que o situa entre os oito únicos ‘apóstolos’ (rasul) já existentes, sendo o último deles. Assim, estariam em outra escala os neviin, que foram numerosos. (2) 


(1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.

(2) ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL. São Paulo: Encyclopaedia Britannica, 1987.