Prazer

Prazer. Estado afetivo agradável de ordem física no sentido estrito e, nesse sentido, sinônimo de gozo ou de volúpia. Por extensão, satisfação moral em que predominam elementos de ordem intelectual ou espiritual sobre os elementos sensíveis ou fisiológicos. 

O prazer - físico ou moral - é inseparável do exercício de uma tendência e como tal é vinculado à satisfação de uma necessidade e depois de um desejo. Para alguns é concebido negativamente: desse modo em Platão, ele é sempre mais ou menos associado à dor ("hidra bicéfala do prazer e da dor") enquanto o pessimismo de Schopenhauer o recusa afirmando que o sofrimento é o companheiro da vida. Na verdade, se excetuarmos o epicurismo, são bem raras as que fazem do prazer - pelo menos físico - a busca exclusiva e o supremo bem. (1)

Prazer. Júbilo, alegria, contentamento. Sentimento ou sensação agradável; deleite, satisfação, delícia; distração, divertimento, entretenimento. 

Psicol. Chama-se prazer a um dos dois tipos da afecção, impossível de definir, já que o conceito é o de um estado psíquico sui generis, irredutível a qualquer outro, estado de que podemos, tão só, procurar as condições mentais ou fisiológicas. O outro tipo da afecção, que se contrapõe ao prazer, é designado em todos os tratados pela palavra dor. Antonio Sérgio, na sua tese, sobre A Natureza da Afecção (1911), manifestou a sua discordância com essa orientação universalmente seguida. Em seu juízo, o contraponto do prazer (a que também chama "agrado") é o "desprazer" (a que também chama "desagrado"), e não a dor, alegando que esta é (ao contrário do prazer e do desprazer) localizável neste ou naquele ponto do corpo, e que há dores que são agradáveis, que dão prazer (como a de coçar uma ferida, por exemplo, ou como as que experimentam os masoquistas). Abstraindo dessa opinião do ensaista, e adotando a orientação comum, diremos que se têm apresentado várias teorias sobre o prazer e a dor. Naquelas a que poderemos dar o nome de monistas, o prazer e a dor são ligados a uma mesma função, e, em suma, derivados de uma mesma origem, reduzidos à forma ora positiva, ora negativa, de um só e mesmo estado. Tal estado fundamental é para certos autores, a que é lícito chamar pessimistas, o da dor (Platão, Epicuro, Kant, Schopenhauer e vários psicólogos contemporâneos sob formas mais científicas) e o prazer é tido, nesse caso, como uma ausência de dor. Para outros autores igualmente monistas, o estado positivo e constitutivo de afecção é o prazer, de que a dor seria a forma negativa. O prazer seria a expressão normal de uma atividade, cujas formas anormais - isto é; quer incompletas, quer imoderadas e sucessivas - dão a dor. (Aristóteles, Paulhan, Ribot). A estes dois pontos de vista monistas opõe-se o ponto de vista dualista - de um dualismo pelo menos de fato e de método, se não de princípio e de intenção, que surgiu com o estudo das condições anatômicas da sensação, que se inaugurou no fim do século passado. Sob esse ponto de vista anatômico, e independentemente de qualquer teoria, era inevitável que a dor aparecesse como nitidamente distinta do prazer pela evidência do seu determinismo externo. Por alguns autores, o prazer foi ligado ao determinismo exclusivamente interno das necessidades e a dor ao determinismo exclusivamente externo das defesas. Segundo tal maneira de ver, há entre o prazer e a dor heterogeneidade funcional, assim como heterogeneidade funcional entre a afecção (tanto de prazer como de dor) e a sensação. (2)

Prazer (Princípio do). Parcialmente adivinhado por Fechner com o nome de "princípio do prazer da ação", e, a princípio denominado por Freud de princípio do desprazer, trata-se para a teoria psicanalítica de um dos dois princípios fundamentais que regem o funcionamento psíquico, tendo por finalidade evitar o desprazer e proporcionar o prazer por redução das quantidades de excitação. (1)

Prazer. 1. O prazer pode descrever-se como a reação do apetite assinalando a presença percebida de um certo bem. É portanto resultante de uma atividade que atinge um bem e da qual constitui como que o "acabamento". Por essa razão, o prazer não há-de buscar-se só por si mesmo, sob pena de se autodestruir, mas sim dependentemente daquilo de que resulta: numa comparação frequentemente usada pelos autores, é como a sombra, que se afasta de quem a persegue mas não abandona quem a origina. 

2. No sentido mais usual, de satisfação do apetite sensível, o P. contradistingue-se da felicidade e da beatitude; tomado porém numa acepção mais ampla que abarca "toda a espécie de satisfação de um desejo humano, qualquer que seja o nível e a maneira de a viver, quer se chame felicidade, alegria, gozo, júbilo, beatitude, consolo, segurança, bem-estar, conforto, alívio de uma dor ou angústia" (A. Plé) - o que cobre todo o campo da afetividade, desde a mais "animal" à mais "espiritual" - o P. é algo de fundamental na existência humana. O bem e o P. que ele origina fazem um na ordem da finalidade: "é a mesma coisa desejar o bem e desejar a deleição (P.), a qual não é outra coisa senão o repouso no bem" (Summa Theologica 1-2, 2,6, ad 1um). O desejo e o P., sua satisfação, conduzem a um objeto que especifica o ato e o prazer que ele produz. Por esta razão, o P. será moralmente bom ou mau conforme for a atividade de que resulta. Entre os extremos inadmissíveis das morais do P. (hedonismos antigos e modernos), que afirmam ser o P. a norma do agir humano, e dos rigorismos que excluem o P. da vida moral (estoicismo, neopitagorismo, gnosticismo, Kant) deve afirmar-se ser legítima e mesmo virtuosa e necessária (cf. Tomás In II, Corint., 1, 13, lectio 5) a busca do P. sensível, segundo a medida que a virtude de temperança ajuda a encontrar. Em sentido mais amplo, é justificado defender a concepção moral do eudemonismo racional, da busca do P. segundo o "desejo refletido" (Aristóteles), que retifica os desejos irracionais (privados de logos) graças à exigência de verdade do intelecto prático, que permite conhecer e desejar uma realidade porque se apresente como boa e não considerá-la boa porque a desejamos (Aristóteles, Metafísica, 1072 a 29-30).

3. Na história do pensamento ocidental, os dois autores que mais ampla e profundamente trataram o tema do P. foram Aristóteles (Etica Nicomaqueia, livro 7 e sobretudo 10) e São Tomás de Aquino (Summa Theologica 1-2, 31-34), que retoma, retifica e amplia a doutrina do Estagirita. Face à concepção claramente positiva desses dois autores, perfilhada no presente artigo, há a assinalar o pessimismo da maioria dos autores clássicos gregos e latinos, pessimismo esse que, sobretudo por influência do estoicismo, marcou muitos dos autores cristãos, nomeadamente Santo Agostinho, o qual, por sua vez, muito influenciou os autores dos séculos seguintes. Nos tempos modernos, Freud trouxe novas e importantes aportações, em grande parte afins à linha aristotélica-tomista. (3)

(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

(2) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.].

(3) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.]