Suicídio

Suicídio. Do francês suicide, por analogia com homicídio, do latim homicidium, pela formação sui e cidium, de caedere, matar a si mesmo. São muitos os apressados deste mundo que, inconformados com a demora do fim, buscam abreviá-lo, nem sempre com sucesso. Às vezes, é a cultura que sugere o suicídio como gesto que põe fim a problemas para os quais a solução é a morte, como foi o caso da Antiga Roma, repleta de suicidas, e o Japão, que ainda cultiva o suicídio como ultimo gesto de dignidade possível frente a dificuldades tidas como resolvidas apenas com a morte auto-imposta. Países que reprovam o suicídio, entretanto, abrigam suicidas em grande número, como é o caso da Suíça e da Hungria. A depressão costuma ser componente decisivo dos suicidas, mas há alguns casos célebres em que estiveram em jogo outras questões, como foi o caso do duplo suicídio de Adolfo Hitler e Eva Braun, em 30 de abril de 1945. O corpo do famigerado foi queimado para não ser localizado pelas forças soviéticas que tinham tomado Berlim. Alguns suicidas são falsos, como se descobre depois. Em 1975, a morte do jornalista Vladimir Herzog num dos muitos porões da ditadura, em São Paulo, foi dada como suicídio, mas a verdade prevaleceu, ficando provado que ele morreu sob tortura. (1)

Suicídio. Suicidar-se é dar a morte a si próprio: por que se suicidam as pessoas? Diz-se que por desespero, tédio, frustração, vingança, caso, este último, em que o suicida antegoza o impacto, o sofrimento, as complicações que a sua morte vão provocar naqueles que, segundo ele, foram o motivo de seu ato... Excetuando-se os suicídios que se verificam por força da embriaguez e da loucura, e os quais se podem chamar de inconscientes, todos os mais têm por causa primeira a incredulidade, se não só a incredulidade, pelo menos a simples dúvida quanto ao futuro espiritual; numa palavra: "as ideias materialistas são os maiores 'incentivadores do suicídio'": elas produzem a "frouxidão moral", escreve o pensador espiritualista Allan Kardec. "Quando vemos, pois, homens de ciência, que se apoiam na autoridade do seu saber, esforçarem-se para provar aos seus ouvintes, ou aos seus leitores, que eles nada têm a esperar depois da morte, não os vemos tentando convencê-los de que, se são infelizes, o melhor que podem fazer é matar-se? Ou poderiam dizer para afastá-los dessa ideia? Que compensações poderão oferecer-lhes? Nada além do nada! De onde é forçoso concluir que, se o nada é o único remédio heroico, a única perspectiva possível, mais vale atirar-se logo a ele, do que deixar para mais tarde, aumentando assim o sofrimento. A propagação das ideias materialistas é, portanto, o veneno que inocula em muitos a ideia do suicídio, e os que se fazem seus apóstolos assumem uma terrível responsabilidade". (2)

Suicídio. O fato do suicídio é estudado por diversas ciências, nomeadamente a psicologia e a sociologia (esta a partir do clássico estudo de E. Durkheim, Le Suicide, 1907) e suas auxiliares, que o procuram descrever o mais exatamente possível, tipificá-lo, descobrir-lhe as causas e fatores etc. 

A avaliação ética — não no sentido de avaliar a responsabilidade moral de quem se suicida — está intimamente ligada com questões tão fundamentais como as do sentido da vida, da morte , da autonomia humana — numa palavra, com as radicais e decisivas questões acerca do homem e de Deus. Com razão escreveu A. Camus, em Le Mythe de Sisyphe, que "só existe um problema filosoficamente sério, o suicídio". Trata-se de saber "se a vida merece ou não ser vivida". 

Para o homem, viver não é um simples fato; se a vida não se apresenta como valor, se fica sem sentido, deixaria de haver razão de viver: em tal circunstância — a verificar-se — a única decisão coerente, para o "ser de sentido" que o homem é, seria a de deixar de viver, pondo termo à vida. Observação: não tem sentido viver sem sentido.

O que nos põe inevitavelmente perante a questão fundamental e decisiva: a vida humana, ou pelo menos algumas vidas humanas, poderá ser totalmente carente de sentido? As considerações dos filósofos se concentram em três tópicos. Primeiro, mal que o suicida causa a si mesmo. O fato de grande número dos que foram impedidos ou falharem na sua tentativa de suicídio não se revoltarem ou lamentarem por isso, leva-nos crer que a vida deve conservar algum sentido. A questão de fundo que o suicídio levanta fica por responder.  

Segundo, insistem outros nos males e prejuízos de múltipla ordem que o suicida causa a terceiros e à sociedade. A verificar-se a hipótese de que a supressão da vida de alguém faz falta e prejudica a terceiros, isso significa que tal vida tem valor e sentido — pelo menos para esses a quem a supressão afeta. Bastará esse fato para que o próprio pretendente ao suicídio, por alegada falta de sentido da própria vida, esteja moralmente obrigado a conservá-la? 

Esta leva ao terceiro tipo de argumentação usualmente apresentada contra a licitude do suicídio — o suicida viola o senhorio, supremo e exclusivo, que Deus sobre ela tem. 

A argumentação comum aos pensadores crentes, particularmente cristãos, mas não só, encontramo-la já formuladas por Sócrates (Fédon, 62b). Suposta a existência do Criador e seu consequente supremo "senhorio", este argumento será indiscutível e universalmente  válido se se verificar o pressuposto implícito que nele está incluído, a saber: o senhorio divino sobre a vida humana é absolutamente exclusivo de Deus, pelo que sempre e em todos os casos em que alguém decide pôr termo à vida viola esse senhorio. Ora mesmo entre autores cristãos, sobretudo recentes, não faltam alguns que pensam não haver razões apodíticas que fundamentem este pressuposto; o que o leva a admitir como não destituída de probabilidade a opinião segundo a qual certas ações auto mortais (a autoquiria dos antigos) praticadas em favor de terceiros — p. ex., para salvar vidas alheias, ameaçadas pela extorsão de informações que o próprio não tem possibilidade de impedir — constituíram sacrifícios de vida plenamente justificados, nas quais se verifica a palavra evangélica: "ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por quem ama". Tendo em conta a conotação pejorativa que geralmente anda ligada à palavra suicídio, propõem estes autores que assim não se chamem as tais ações auto mortais, mas antes "sacrifícios da vida". E julguem que neles não se viola o supremo senhorio de Deus — supremo, mas não absolutamente exclusivo —, porque, atuando "segundo a razão", as pessoas em causa estariam a agir "segundo Deus", de acordo com sua vontade (e portanto com "sentido") uma vez que atuavam graças à autonomia subordinada própria do sujeito racional, "senhor" de si sem deixar de ter Deus por Senhor. 

A principal dificuldade em admitir a posição exposta reside talvez no fato de a vida temporal ser condição do relacionamento livre do homem com Deus, da recepção e resposta aos apelos que Ele lhe dirige (e que dão sentido à vida), condição que o suicida elimina. (3)

Suicídio. Ato voluntário por meio do qual a pessoa se dá a morte, o suicídio é decididamente condenado pelo cristianismo e apreciado de maneira diversa pela filosofia, que nele discerne o ponto de encontro onde se entrelaçam no drama a liberdade e o sentido da vida humana. Concebido por Platão como um ato ímpio contrário à vontade dos deuses (Fédon, as Leis), o suicídio é, em compensação considerado favoravelmente pelos estoicos, contanto que a busca da morte não se transforme em paixão: "às vezes é o medo da morte que leva os homens à morte" (Sêneca), enquanto "o sensato não foge da vida, dela sai" (ibid.). O valor moral do suicídio repousa aqui na apreciação dos critérios que o legitimam. 

Porém, na moral de Kant, o suicídio jamais pode ser admitido, na medida em que o desaparecimento voluntário do sujeito moral equivale a "fazer a própria moralidade desaparecer do mundo".

Assinalemos que o surrealismo considera naturalmente o suicídio um ato liberador — como no romantismo — um "impulso mortal" (René Crevel) que ao contrário do impulso vital de Bergson, leva a um além das realidades terrestres, enquanto Camus o condena, pois ele impede a aceitação da vida com lucidez e coragem a exemplo de Sísifo. 

No século XX, o suicídio foi objeto de uma das primeiras aplicações do método objetivo em sociologia com Durkheim, que o analisa como um fenômeno anômico que traduz o enfraquecimento dos laços sociais. (4)

Suicídio. Ato de se matar. Frequentemente, o suicídio ocorre no contexto de um episódio depressivo maior, mas pode ocorrer também como resultado de um transtorno por uso de substância ou esquizofrenia. (5)

Suicídio altruísta. Suicídio cometido, ou ações suicidas praticadas, na crença de que isso beneficiará o grupo ou servirá a um bem maior, conforme exemplificado pelas bombas suicidas de terroristas, os ataques kamikaze da Segunda Guerra Mundial ou os suicídios de adultos mais velhos que acreditam ser uma carga para a família. (5)

Suicídio estendido. Suicídio-homicídio em que o homicídio quanto o suicídio refletem o processo suicida. O indivíduo primeiro mata aqueles que identifica como parte de sua identidade ou eu estendido e depois comete o suicídio. (5)

Suicídio passivo. Comportamento ambíguo que tende a ser autodestrutivo, mas não o é ativamente, e às vezes parece refletir intenções suicidas. Exemplos desse comportamento  incluem deixar de se alimentar ou se cuidar de forma rudimental. (5)

Suicídio pela polícia. O ato, por uma pessoa que é suicida, de induzir intencionalmente um policial a dar-lhe um tiro. (5)

Suicídio psíquico. Pretensa forma de autodestruição na qual o indivíduo decide morrer e na verdade o faz sem apelar para uma ação física. (5)

Suicidologia. Disciplina multiprofissional dedicada ao estudo de fenômenos suicidas e sua prevenção. os principais grupos envolvidos são: (a) cientistas (epidemiologistas, sociólogos, estatísticos, demógrafos, e psicólogos sociais); (b) médicos (psicólogos clínicos, psiquiatra, assistentes sociais, voluntários treinados e membros do clero); (c) educadores (educadores de saúde pública e pessoal de escolas e faculdades). (5)

Mais: suicídio anômico, suicídio assistido, suicídio assistido pelo médico, suicídio coletivo, suicídio egoísta e suicídio em massa. (5)

Depressão e Suicídio. Devido ao profundo desespero do indivíduo deprimido, não é de surpreender que o suicídio seja um risco bastante real. Eis a descrição de kay Jamison sobre um episódio de depressão: "Todos os dias eu acordava extremamente cansada, um sentimento tão estranho para meu self natural quanto estar entediada ou indiferente à vida. Isso vinha depois. Então, sentia uma preocupação desanimadora e cinzenta com a morte, com morrer, com decair, que tudo nascia apenas para morrer, que era melhor morrer agora para me livrar da dor da espera". (1995, p. 38)

Indivíduos com depressão maior e indivíduos na fase depressiva do transtorno bipolar podem se tornar suicidas. Alguns chegam a tentar se suicidar, e vários conseguem. O risco de suicídio é maior entre indivíduos com transtorno bipolar do que entre aqueles com depressão maior. De fato, até 20% dos indivíduos com transtorno bipolar cometem suicídio. O risco de suicídio são licenças de fim de semana do hospital e o período imediatamente após a alta. 

As mulheres têm probabilidade três vezes maior de tentar o suicídio do que os homens, mas, quando os homens fazem uma tentativa, a probabilidade de conseguirem é maior. De fato, quatro vezes mais homens se matam do que as mulheres. Uma razão para a diferença está na escolha dos métodos. As mulheres têm maior probabilidade do que os homens de cortar os pulsos ou tomar um vidro de pílulas para dormir, métodos para os quais existe perspectiva de resgate. Os homens, por outro lado, tendem a usar métodos irreversíveis, como armas de fogo ou saltar do telhado. Muitos indivíduos depressivos acreditam que eles e o mundo não têm jeito e que não prestam. (6)

(1) SILVA, Deonísio da. De Onde Vêm as Palavras. São Paulo: A Girafa, 2004. (Coleção o mundo são palavras) 

(2) EDIPE - ENCICLOPÉDIA DIDÁTICA DE INFORMAÇÃO E PESQUISA EDUCACIONAL. 3. ed. São Paulo: Iracema, 1987. 

(3) ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.] 

(4) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993. 

(5) VANDENBOS, Gary R. (Org.). Dicionário de Psicologia APA. Tradução de Daniel Bueno, Maria Adriana Verissimo Veronese, Maria Cristina Monteiro. Porto Alegre: Artmed, 2010.

(6) GLEITMAN, H., REISBERG, D. e GROSS, J. Psicologia. Tradução de Ronaldo Cataldo Costa. 7. ed., Porto Alegre: Artmed, 2009.