Ceticismo

Ceticismo. Do grego skeptikós, aquele que investiga. 1. As doutrinas dos antigos céticos gregos. 2. A doutrina filosófica em que a verdade de todo o conhecimento deve ser sempre posta em questão e que a investigação deve ser um processo de duvidar. 3. Atitude de dúvida ou cética ou estado de espírito. 4. Dúvida sobre as doutrinas religiosas fundamentais.

Concepção segundo a qual o conhecimento do real é impossível à razão humana. Portanto, o homem deve renunciar à certeza, suspender seu juízo sobre as coisas e submeter toda afirmação a uma dúvida constante. Oposto a dogmatismo. Ver relativismo. (1)

Ceticismo. A família das doutrinas segundo as quais algum ou todo conhecimento é duvidoso ou mesmo falso. Há duas variedades: sistemático e metódico. O ceticismo sistemático, total ou radical, é o duvidar de tudo. O ceticismo metódico ou moderado utiliza a dúvida como um modo de aferir ou propor novas ideias. O ceticismo sistemático, tal como o de Sexto Empírico ou Francisco Sánches, é impossível porque toda ideia é avaliada ou conferida contra outras ideias. O ceticismo metódico devia ser a norma em todas as buscas racionais: a gente duvida somente quando há alguma razão para duvidar. (2) (Ver paradoxo do cético)

Ceticismo. Desenvolve-se em três fases:

1) Escola de Pirro de Élis (360-270), cujas doutrinas foram expostas através das poesias satíricas de Timon de Flionte;

2) A Nova Academia, a fase da escola platônica que vai desde Arcesilau de Pitano (315-241) a Carnéades de Cirene (214-129), e a seu discípulo cartaginês Clitômaco, que expôs suas doutrinas;

3) Os cépticos posteriores, pirronianos ou pirrônicos, que desde Enesidemo de Cnossos (século I) até Agripa e a Sexto Empírico (séculos II e III) desenvolvem mais minuciosa e sistematicamente os postulados do cepticismo.

A Nova Academia merece anotações especiais, antes da exposição dos temas cépticos. O caráter comum desta segunda Academia, infiel herdeira de Platão, é a doutrina de verossimilitude e do provável, que ela procura introduzir. Foi Arcesilau quem a propôs em primeiro lugar e sustentou-a com sutileza e com extremo rigor contra o dogmatismo estoico e o pirronismo absoluto de Timon de Flionte e seus discípulos. Buscava Arcesilau abrir uma nova estrada entre a dúvida excessiva, destrutiva e contra o senso comum e a tentativa de, com faculdades limitadas e relativas, querer orgulhosamente alcançar uma verdade absoluta e definitiva. Depois de Arcesilau nenhum grande mestre apareceu na Nova Academia até surgir a figura surpreendente de Carnéades. Era um verdadeiro gênio da controvérsia. Empreendeu um ataque encarniçado ao estoicismo. Procurou provar que, entre uma apercepção verdadeira e uma apercepção falsa, não há um limite que se possa segurar, estando o intervalo cheio de uma infinidade de apercepções, cuja diferença entre si é infinitamente mínima. Ante a certeza absoluta impossível e a extravagância da dúvida absoluta, resta somente a verossimilhança no bom sentido, e a probabilidade.  Fundando-se nos postulados de Arcesilau, Carnéades (ao defender as lições do seu mestre) organizou um sistema de análise da probabilidade, de suas escalas, dos sinais que a revelam. Com Clitômaco sobrevem a queda da Nova Academia. Também se usa a expressão Nova Academia como sinônimo de probabilismo.

Temas do cepticismo:

a) Em relação às três perguntas: 1) qual é a natureza das coisas?; 2) que atitude devemos assumir quanto a elas?; 3) que resultará dessa atitude? Respondem os cépticos: quanto à primeira, aproveitando-se do relativismo de Heráclito e Protágoras afirmam que só conhecemos o que sentimos e os fenômenos como nos aparecem; quanto à segunda: por esses fundamentos devemos reconhecer e seguir os fenômenos, mas suspender o juízo quanto ao que está oculto (a coisa em si). Temos assim, no fenômeno, o critério necessário para a conduta prática sem no entanto possuir o critério da verdade objetiva; quanto à terceira: a renúncia ao juízo (afasia) implica, por si mesma, a resposta àqueles que o céptico deve renunciar a pronunciar-se acerca da natureza das coisas, eliminando as perturbações que a opinião traz às inevitáveis impressões dos fenômenos, alcançando assim nos limites do possível, a desejada imperturbabilidade (ataraxia).

b) Mas os fenômenos, na prática, têm aparências contraditórias, e os cépticos negam-lhes qualquer critério de verdade. Não existe representação que, por si só, dê uma evidência objetiva. Contradizem-se os sentidos, a vista contradiz a si mesma, os sonhos mesclam-se com a realidade e a razão sofre as influências das representações.

c) Os cépticos acusam os estoicos que afirmam atributos positivos em Deus e tentam explicar o mal com o conceito da providência, e a contingência com o conceito do destino, e a variabilidade das leis humanas com o conceito da justiça natural. Os erros do dogmatismo reduzem-se, pois, à pretensão de possuir um critério de verdade, uma evidência, onde tudo permanece compreendido (acatalepto). E os cépticos afirmam: fundamentar o assentimento no incompreendido não é ciência, é opinião. Tal atitude não é digna do sábio. Digna é a suspensão do assentimento e do juízo ( epokhê), do qual resulta a imperturbabilidade (ataraxia).

d) Resta ao sábio apenas a probabilidade. Carnéades intenta resolver este ponto com sua teoria dos três graus da credibilidade ou verossimilitude: 1) representação persuasiva;2) e ao mesmo tempo não contraditada; 3) e examinada em todas as suas partes. Posteriormente Sexto Empírico e Agripa não aceitam o critério de verossimilitude. Não o substituem no entanto por uma negação, que seria uma posição dogmática, mas por uma suspensão de todo juízo. Enesidemo classifica em dez motivos ou modos (tropos) as causas da relatividade de todos os conhecimentos. São: 1) diferença entre os animais; 2) diferença entre os homens; 3) diversidade entre as sensações; 4) variedade das circunstâncias e disposições subjetivas; 5) variedade de posições, distâncias e lugares; 6) mescla variada com circunstâncias concomitantes; 7) há diferenças de percepção e o conjunto é diferente dos elementos isolados; 8) relatividade das coisas; 9) diferença entre as impressões habituais e raras; 10) diversidade de educação, costumes, leis, crenças e opiniões humanas. Agripa resume em duas classes: 1) discordância entre indivíduos na maneira de viver ou de pensar, e 2) relatividade do objeto percebido aos outros objetos e ao sujeito que percebe.

e) Sexto Empírico resume todos esses modos num dilema: toda a coisa deve ser compreendida por si ou por outra; porém, de per si não é possível, por faltar um critério que não seja controvertido; tão pouco por outra, porque com esta outra o dilema se renovaria e assim até o infinito. Nem a própria controvérsia acerca do critério da verdade pode ser resolvida, porque para tanto seria necessário um critério reconhecido e vice-versa, pois para possuí-lo seria preciso já ter resolvido a controvérsia.

f) Para eles o silogismo é falso por já estar contida a conclusão na premissa maior. E argumentam: Todo homem é animal, Sócrates é homem, logo Sócrates é animal. Mas dizem os cépticos: se não sabeis que Sócrates é animal, como podeis dizer: todo o homem é animal? Mas pode objetar-se: "que o silogismo limita-se a estabelecer a relação lógica entre a conclusão e as premissas (já que se acha contida nelas); por conseguinte pressupõe a validez das premissas; demonstrá-lo não é a missão do procedimento silogístico", como argumenta Messer.

g) Dizem os cépticos: pretendeis dar a explicação dos fatos por meio da causa. Mas pode conceber-se a causa sem primeiramente haver compreendido o efeito, como efeito seu? E pode a causa, como tal, existir antes de que seja causa, quer dizer, antes que exista seu efeito? Por serem conceitos relativos, um não se pode compreender sem o outro; por isso, um não pode ser explicado de outra maneira, ou seja, o segundo não pode ser explicado pelo primeiro.

h) Sexto Empírico deduz desses argumentos a seguinte regra: obedecer aos fenômenos e deduzir deles a norma do que parece mais benéfico. O critério para a vida não é o critério da verdade, mas sim da utilidade, e o método empírico o oferece com a coordenação sistemática de toda experiência, que pretende valer realmente para as experiências futuras, mas sem pretender, como em Carnéades, a verossimilitude, isto é, a semelhança com uma verdade objetiva, na qual o cepticismo radical suspende completamente o juízo. É esta a tendência que hoje se chama pragmatista. Ela vai influir na filosofia post-aristotélica. O valor teórico é substituído completamente pelo valor prático e humanista. A crítica do cepticismo é realizada na lógica maior ou crítica pelos escolásticos. Vide Gnosiologia e Teoria do Conhecimento.

Crítica: Todos os adversários da cognição indireta fundam-se na afirmativa de que o homem não dispõe de meios de conhecimentos seguros que lhe deem a certeza de que alcança a verdade. Entre esses adversários podem ser classificados numa escala intensista descendente, em primeiro lugar, os cépticos radicais ou universais, que negam qualquer certeza, os relativistas e os idealistas criteriológicos e, finalmente, os agnosticistas, que não conseguem evadir-se da esfera do cepticismo por mais que o tentem. (3)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

(2) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

(3) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.