Dúvida Metódica ou Hiperbólica

Metódica (ou Hiperbólica), Dúvida. Do grego hyperbolé, exagero, excesso. Qualificação dada por Descartes à dúvida radical, também chamada de metafísica e “fingida”, geral e universal, pela qual, uma vez em sua vida, de modo teórico e provisório, o homem precisa desfazer-se de todas as suas opiniões anteriores a fim de ter condições de “estabelecer algo de firme e de certo nas ciências”. Descartes a chama de “hiperbólica” porque trata como absolutamente falso tudo aquilo que é duvidoso e porque rejeita universalmente, como sempre enganador, aquilo pelo qual ele foi algumas vezes enganado. Os graus dessa dúvida vão do conhecimento sensível às matemáticas, ao sonho e, enfim, à ação do gênio maligno. (1) 

Dúvida Metódica. Este é o método usado por Descartes nas duas primeiras Meditações, para investigar o alcance do conhecimento e o seu fundamento na razão ou na experiência. O método procura colocar o conhecimento sobre um fundamento seguro e, para esse efeito, somos convidados a suspender os nossos juízos sobre qualquer proposição cuja verdade possa ser questionada, ainda que unicamente como uma possibilidade remota. Os critérios para o que pode ser aceito tornaram-se aos poucos mais instintivos, à medida que somos convidados a duvidar do que nos é dado pela memória, pelos sentidos e até pela razão, porque tudo isso pode nos enganar. Esse processo acaba sendo dramatizado pela figura do gênio maligno, ou malin génie, cujo objetivo é nos enganar, de tal modo que nossos sentidos, lembranças e raciocínios nos conduzem sempre ao erro. O propósito, então, é encontrar um ponto de certeza que esteja a salvo do gênio maligno, o que Descartes formulou no famoso “Cogito ergo sum”: “Penso, logo existo.” É a partir dessa estreita base que o uso correto das nossas faculdades deve ser restabelecido, mas parece que, desse modo, Descartes não fica com qualquer material com que possa reconstruir o edifício do conhecimento. Descartes tem uma base, mas não tem como construir seja o que for sobre ela sem invocar princípios que não estejam a salvo do gênio maligno, e que por isso não satisfazem os critérios que, aparentemente, impôs a si mesmo. É possível afirmar que Descartes usa as “ideias claras e distintas” para demonstrar a existência de Deus, cuja benevolência justifica depois o nosso uso das ideias claras e distintas (“Deus não é enganador”): Este é o célebre círculo cartesiano. A atitude do próprio Descartes perante esse problema não é muito clara: por vezes, parece estar mais interessado em construir um corpo estável de conhecimento que as nossas faculdades naturais apoiarão, e não um corpo de conhecimento que obedeça aos critérios mais severos com que começou. No segundo conjunto da Respostas, por exemplo, Descartes rejeita a possibilidade da “falsidade absoluta” do nosso sistema natural de crenças, defendendo o nosso direito de reter “qualquer convicção tão firme que seja incapaz de ser destruída”. A necessidade de adicionar uma crença natural como esta a seja o que for que a razão assevere acabou se tornando o fundamento da filosofia de Hume, e está na base de muitas das reações à dúvida metódica do século XX. (2)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

(2) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.