Causa

Causa. Termo cujo correlativo é sempre o efeito. A razão primitiva dos conceitos de causa e efeito parece ser a experiência de que atos voluntários de um sujeito produzem coisas novas. A correlação existente entre o ato e o seu produto foi concebida como necessária, e assim cada fenômeno que, para o pensamento ingênuo, tomou o aspecto de uma "coisa", como que independente e delimitada do resto da realidade, parecia forçosamente fazer surgir a questão acerca da causa desse fenômeno, concebida de maneira antropomorfa como um ato de um ser inteligente, ou aliás, de qualquer maneira, como um elemento ativo.

Aristóteles parte da totalidade do mundo na ordem como ela se apresenta e procura os elementos que condicionem a sua existência. Como Platão já tinha distinguido entre uma causa (aitia), que determina o caráter quididativo de um ser e a causa que faz com que alguma coisa exista, não é de admirar que Aristóteles também chegasse a estabelecer uma pluralidade de causas, que combinam a sua doutrina sobre os problemas de matéria e forma, e de potência e ato. As quatro causas que Aristóteles enumera como razões constitutivas de cada ser são: 1) a causa formal (ê ousia,to ti einai, eidos, logos, paradeigma); 2) a causa material (ê hylê, to hipokeimenon, oû gignestai); 3) a causa eficiente (ê arkhê tes kineseôs); 4) a causa final (to ou eneka, t'agathon, to telos). A tradução das quatro causas aristotélicas se baseia nos respectivos termos latinos da escolástica (causa formalis, materialis, efficiens, finalis), que interpretam perfeitamente o sentido das respectivas expressões gregas.

A causa formal que se identifica com o eidos (forma) visava, originariamente, as qualidades sensíveis, especialmente a forma corpórea, e posteriormente também as outras qualidades. Como Platão atribuiu ao eidos uma existência eterna, ele considerou-o caracterizado, também, pela prioridade no tempo referente àquele ser que acaba de "informar". Em Aristóteles, que reduz o eidos a um correlativo da hylê (matéria), cai também na prioridade temporal da causa formal. No mesmo sentido platônico deve-se atribuir uma prioridade temporal à causa material, porque também a hylê devia existir antes da sua cópula com a forma. Em Aristóteles, porém, a hylê significa antes um dos elementos constituintes de uma coisa atualmente existente, sem implicar, necessariamente, uma existência anterior. A causa eficiente é algo atualmente existente e sempre anteriormente àquele cuja causa é. É o que mais se aproxima do conceito moderno de causa. A causa finalis, de certo modo, reúne as outras três causas, mas acrescenta novos pontos de vista: 1) o por cuja razão algo deve existir, isto é: ou as boas qualidades que uma coisa possui em si ou um outro bem do qual figura como causa eficiente; 2) causa final é o por cuja razão uma coisa existente foi produzida por um ser inteligente; e 3) é a finalidade, o desígnio, considerado como um fato mental, que produziu alguma coisa. Essas três acepções se confundem tanto entre si como com as outras causas. As escolas de Platão e de Aristóteles, e também os estoicos, consideraram a causa final a mais importante de todas as causas e a que mais merece este nome. Os epicuristas, porém, tencionavam limitar o conceito de causa àqueles fenômenos que pudessem ser observados como regularmente precedentes no tempo. Entre os cépticos surgiu a teoria de que causa e efeito dependem de si mutuamente, ficando assim desaprovada a prioridade lógica que geralmente adere ao conceito aristotélico de causa. A escolástica mantinha, geralmente, os pontos de vista aristotélicos. Mas a aplicação dos mesmos ao mundo real, tornou óbvio que a causa eficiente de uma coisa ou de um acontecimento concreto não é uma só, mas uma pluralidade dos mais complexos elementos, o que levou a distinguir entre as causas eficientes uma como a principalis.

Também se contrapõe a causa principalis à causa instrumentalis que, então, se exemplifica pelo obreiro e pelo instrumento usado. A causa direta e a causa indireta significam o que produz e o que permite realizar. A causa unívoca é a que esgota em um efeito determinado, e a causa equívoca, a que contém mais do que este efeito. A causa adutiva é aquela que conduz a causa principal ao ato. Seguindo Aristóteles, a escolástica conhece também uma prima causa cuja característica é que ela mesma não possui causa alguma.

Descartes conferiu ao termo causa um sentido lógico que inclui as acepções tradicionais, mas sobrepassa-as ao mesmo tempo. Como, segundo ele, as relações lógicas entre as coisas aderem à própria realidade dos fenômenos percebidos, o conceito de causa se identifica com o de razão (causa seu ratio) e forma, assim, o fundamento lógico de uma proposição, a verdade que a justifica e que tem por correlativo o termo consequência.  

Leibniz tenta conceber todas as causas eficientes como causas finais, salientando que cada efeito é produzido por um desejo, a ponto de converter sem restrição os termos desejo e causa. Ele, porém, não esclarece a dúvida que já tornou impossível uma interpretação clara de Aristóteles, a dúvida se é o próprio desejo como fato mental ou o objeto desejado o que cumpre a função de causa final. Iguais desejos, segundo ele, sempre produzem iguais efeitos, porém, não há necessidade quanto ao seguimento do efeito à causa, quer dizer ao desejo.

Hume procurou destruir o nexo de necessidade geralmente suposto entre causa e efeito. Apesar dos exemplos que demonstram que um certo efeito segue-se a uma certa causa, não nos autorizam eles estabelecer uma necessidade intrínseca, que condicione um desses dois termos pelo outro. É somente o hábito de ver dois fenômenos sempre juntos, que leva a presumir um laço necessário, argumenta Hume. A palavra efeito só pode significar o que por força de hábito esperamos no futuro. Hume dá, com isso, uma análise psicológica referente à origem da consciência de causalidade, mas nega a sua validez de aplicação ao mundo da realidade.

A crítica de Hume levou Kant a investigar pormenorizadamente o conceito de causalidade. Como resultado dessa investigação concluiu que a relação entre causa e efeito constitui uma síntese de índole muito particular, que se caracteriza pelo fato de que a um termo A, é posto um termo B, completamente diferente, e obediente a uma regra. O nexo existente entre causa e efeito é, segundo Kant, mais que uma simples sucessão invariável, é antes uma dependência absolutamente geral e até necessária. Essa síntese de causa e efeito tem uma dignidade toda especial, que não se pode expressar empiricamente, e que consiste no fato de que o efeito simplesmente não sucede à causa, mas é posto em virtude dela, e como que procede dela.

A concepção kantiana de causalidade parece equilibrada, visto ser ela capaz de abrigar os dois termos extremos do conceito de causalidade, que se manifestam em toda a problemática desse assunto: o conceito antropomorfista, como dando origem à representação de causalidade, e o conceito mecanicista, que se desenvolveu pela aplicação do primeiro ao mundo material. Uma definição clara do primeiro, já dada por Malebranche, e designada como causa eficaz, que é a de um ser que exerce uma ação, que modifica um outro ser no sentido da modificação extrema de criação ou aniquilamento, sem perder ou ceder nada da sua própria natureza ou da sua potência de agir ulteriormente.

Stuart Mill define o sentido mecanicista de causa como: o antecedente ou o conjunto de antecedentes, do qual o fenômeno chamado efeito é invariavelmente e incondicionalmente o consequente. Essa definição se opõe à de Malebranche, pela abstração completa do elemento voluntário ou ativo, mas também desmente a acepção kantiana de um laço real, lógico ou necessário. Há outros, porém, que opinam que a causalidade mecânica não significa ainda uma redução à mera sucessão ou simultaneidade dos fenômenos, mas que, também, na causalidade mecânica, pode haver uma causalidade verdadeira com entrelaçamento real dos fatos, aliás reservado à causalidade ativa. Foi proposto denominar esses dois conceitos limites de causa, como causa eficaz e causa eficiente. Outros preferem os termos causa ativa e causa legal (no sentido da palavra alemã gesetzmässig).

Todo o interesse consiste agora em saber qual é essa lei que constitui o caráter legal da causalidade mecânica, e que nos autoriza a denominar alguns fatos como causas e outros como efeitos daqueles. Essa lei foi considerada pelos cientistas naturais da era materialista como a lei física exemplar, em virtude da sua validez universal, e a crítica de Hume não a derribou da sua posição-chave no pensamento científico. Mas, sob a luz da teoria matemática da relatividade, os fatos se apresentam de maneira diferente. É óbvio que os acontecimentos reais chegam à nossa consciência por intermédio de certos elementos, nos quais se prende universalmente a nossa percepção, como a nossa percepção visual depende dos raios de luz que partem da matéria e chegam à nossa vista. Suponhamos que um observador esteja situado em um corpo celeste que se afasta da nossa Terra. Por um telescópio ele observa os acontecimentos que têm lugar aqui. Quanto mais rápido esse astro se afasta da Terra, tanto mais tardarão os raios luminosos que partem até chegarem ao observador. Se o astro alcançar uma velocidade igual à da luz, o observador está impossibilitado de contemplar os acontecimentos terrestres, visto que nenhum raio luminoso alcança mais o seu ponto de observação. Suponhamos que o astro chegue a ultrapassar a velocidade da luz. Isto significaria que o observador podia recolher os raios de luz que partiram da Terra antes mesmo dele começar a sua observação, e isto, progressivamente, começando com os mais recentes e ajuntando, depois, os mais antigos, em ordem inversa àquela que teve lugar nos respectivos acontecimentos terrestres. Se este observador nascesse e morresse sob essas condições, ele, em toda a sua vida, não faria outras experiências do que aquela que vidraças arrebentadas costumem reintegrar-se quando uma pedra penetra nelas. Nessa ordem inversa, qual seria então a causa e qual o efeito? Este exemplo é hipotético, porque conforme a teoria da relatividade nenhum corpo pode ter uma velocidade maior do que a luz. Mas evidencia-se que a causalidade tem uma direção que se relaciona com as condições subjetivas do observador, alega-se.

Mais forte ainda é a crítica que desaprova o modo de chamar um fato isolado a causa de um outro fato. Um olhar mais atento no mundo da realidade deve convencer-nos do concatenamento universal de todos os fatores reais, de maneira que só se pode chamar a totalidade de todas as condições vigorantes no universo a um dado momento, como causa da totalidade das condições no momento subsequente. Contudo, também essa acepção parece só uma parada a meio caminho. Sem dúvida a consideração da totalidade dos acontecimentos representa já um certo progresso, mas na acepção do pensamento moderno ainda é cheia de ingenuidade, porque pressupõe a existência de "acontecimentos", de "fatos", como elementos separados, que só secundariamente são juntados por adição, ao qual se opõe a concepção moderna do mundo como um processo único e não uma coleção de acontecimentos. Este é o novo panorama do mundo, dado por Bergson, William James, Whitehead e outros, que responsabilizam o intelecto pela dissensão arbitrária do mundo em objetos e acontecimentos isolados, de maior ou menor extensão e duração. É óbvio que um mundo de coisas isoladas precisa de algo como uma causalidade, que sirva de ponte sobre os abismos, sem jamais cair na suspeita de uma ação à distância. Mas onde cada parte do mundo é presente em cada outra parte, de maneira a constituir um fluxo contínuo e homogêneo da realidade, não há lugar para um conceito de causalidade. Que quer dizer isto, senão que o mundo de isolamento é o mundo da nossa consciência, e o mundo da continuidade é o mundo real, e se a causalidade só tem lugar no primeiro, que o conceito de causalidade é puramente subjetivo, ou que o mundo real e total é sem fisionomia, e que nós lhe gravamos certos contornos? (1)

Causa Material e Causa Formal. São estas as causas chamadas intrínsecas ou emergentes, por emergirem na natureza da coisa, constituírem a sua natureza, o que nasce com a coisa. O cosmológico é distinto do ontológico, o termo é tomado neste último sentido como o de que é feito uma coisa. Esse de que infunde e comunica ser ao ente, e como constitui o seu ser é uma causa intrínseca do mesmo (emergente). A coisa é feita ex quo (do que) a constitui intrinsecamente.

Dividiam os escolásticos a matéria em ex qua, in qua e circa quam. Ex qua significa a matéria constitutiva da coisa; in qua, a em que é introduzida a forma, e circa quam, aquela na qual opera o agente. A matéria ex qua é dividida em transeunte e manente. A matéria ex qua transiens é a matéria que não só é causa material, mas também inclui o termo pelo qual; assim a lenha é matéria ex qua para que o fogo se realize. Não é propriamente a causa material do que se trata. A matéria manente é a causa material que mana no composto (matéria e forma). A forma (causa formal) é uma causa intrínseca, constituinte do composto, que tem o papel de parte específica, que indica a quididade o que a coisa é.

Para os pitagóricos, a forma é o logos de proporcionalidade intrínseca do ser, ou melhor, a relação formada entre a disposição harmônica das partes, obedientes à normal dada pela totalidade, pois em todo ser, que é quididativamente formado, os elementos constituintes da sua estrutura, embora opostos entre si, analogam-se, segundo uma normal dada pela totalidade, e funcionam nesta segundo essa normal, o que constitui a harmonia, que há em todo ser formalmente constituído. Num ser absolutamente simples, cuja estrutura é apenas ele mesmo, sem composições, como o Ser Supremo, sua forma identifica-se com ele mesmo e não é ela um logos de proporcionalidade, mas o próprio logos, sua própria lei, seu próprio princípio, é si mesmo. Este objeto é um livro, porque tem a forma do livro; ou seja, suas partes estão dispostas de modo a constituir o que exige o logos do livro. (1)


(1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.