Adiáfora / Indiferença

Adiáfora. Cínicos (v. cinismo) e estoicos (v. estoicismo) chamam de adiáfora, isto é, de indiferentes, todas as coisas que não contribuem nem para a virtude e nem para a maldade. Por exemplo, a riqueza, a saúde podem ser utilizadas tanto para o bem quanto para o mal; são, portanto, indiferentes para a felicidade dos homens, não porque deixam os homens indiferentes (na realidade suscitam o seu desejo), mas porque a felicidade consiste somente no comportamento racional, isto é, na virtude. (Dióg. L. VII, 103-104) (1)

Indiferença. Neutralidade afetiva que se opera por negação da preferência por supressão da hierarquia dos valores. As diferenças podem ser percebidas, mas são desprovidas de significado, de modo que a indiferença está para o valor o ceticismo está para o conhecimento. Ora, como ela abrange o domínio do vivido, pode conduzir ao tédio ou até — no limite tirar o sentido da vida e de nós mesmos. Daí a profundidade metafísica (eventual) da indiferença quando ela se torna patológica por carência do desejo. 

Porém quando se consegue superar o desejo, a indiferença aparece então como o resultado de uma ascese quando é cultivada com o intuito de se chegar à sabedoria, como é o caso da adiáfora ou indiferença estoica   que consiste em se desprender voluntariamente de tudo o que não depende de nós. No plano religioso, citemos o budismo, que busca o repouso no Nirvana pela extinção do desejo. Quanto à "Santa indiferença", preconizada por São Francisco de Sales (1567-1622) que renova a espiritualidade cristã traduz-se pelo abandono a vontade de Deus após se ter renunciado a qualquer desejo, mesmo ao desejo da salvação. (2)

Indiferentismo. Rel. O termo (usado sobretudo no século XIX) implica a adoção mais ou menos sistemática da indiferença no campo religioso. Será indiferentismo prático ou teórico, segundo a indiferença revestir predominantemente a forma de atitude ou se afirmar em doutrina. 1) O indiferentismo prático consiste num desinteresse, insensibilidade ou preguiça perante as realidades religiosas;  nem sempre implica a adoção do indiferentismo teórico, mas facilmente levará a este, se se prolongar ("quem não vive conforme pensa, acaba por pensar conforme vive", P. Bourget). 2) O indiferentismo teórico ou doutrinal pode ser radical ou relativista. Ambos têm de comum a nota expressa pela etimologia do termo, a saber: afirmam a não diferença entre todas as formas religiosas. Distinguem-se um do outro em que o indiferentismo radical coloca esta não diferença no fato de nenhuma religião ter valor, ao passo que o indiferentismo relativista afirma que todas têm fundamentalmente o mesmo valor. O indiferentismo radical equivale ao agnosticismo, o ateísmo e constitui atitude típica do Deísmo. O indiferentismo relativista leva facilmente ao sincretismo religioso. (3)

Adiafora. A doutrina da adiaforia (gr. adiaphoria, doutrina das coisas indiferentes). Na ética estoica as coisas que devem ser preferidas porque ajudam a vida a harmonizar-se com a natureza são boas; as que devem ser evitadas, porque prejudicam essa harmonia, são más; as indiferentes são precisamente aquelas que não se enquadram em nenhuma dessas duas classificações. São estas precisamente as "coisas indiferentes", que Kant chama extramorais. Vide Indiferença. (4)


(1) ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970. 

(2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

(3) Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura. 

(4) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.