Reflexão

Reflexão. Retorno do pensamento sobre si próprio, que toma por objeto um dos seus atos espontâneos ou um grupo dos mesmos. “A reflexão não é outra coisa senão uma atenção ao que está em nós”. Leibniz, Novos Ensaios, prefácio. Sobretudo no uso corrente, suspensão crítica do juízo, quer a fim de analisar e melhor compreender as causas ou as razões de um fato; quer a fim de calcular os efeitos (em particular as vantagens e os inconvenientes) de uma certa maneira de agir. (1)

Reflexão (réflexion). No sentido lato: um esforço de pensamento particular. No sentido restrito: uma concentração do pensamento sobre si mesmo, que se toma então por objeto. Este último movimento seria, com a sensação, um dos dois constituintes da experiência, logo uma das duas fontes, como diz Locke, das nossas ideias: sem ela, não teríamos nenhuma ideia do "que se chama perceber, pensar, duvidar, crer, raciocinar, conhecer, querer e todas as diferentes ações da nossa alma" (Ensaio, II, 1, § 4). A reflexão é, portanto, uma espécie de sentido interior, mas intelectual e deliberado: é "o conhecimento que a alma adquire das suas diferentes operações, por cuja via o entendimento vem a formar ideias delas" (ibid.). Movimento necessário, mas que não poderia esgotar-se por si só o campo do pensamento. É preferível filosofar à maneira dos gregos, aconselha Marcel Conche (Présence de la nature, II), a se encerrar, como Descartes ou Husserl, na reflexividade ou no sujeito: é preferível pensar o real (refletir, no sentido lato) a se ver pensar (encerrar-se na reflexividade no sentido estrito). O eu, claro, faz parte do real: pensar o mundo, portanto, também é se pensar. Mas é apenas uma parte ínfima dele: pensar-se nunca bastou para pensar o que é, nem mesmo o que você é (um ser vivo). A lógica e a neurobiologia nos ensinam mais sobre o pensamento do que a reflexão (no sentido estrito). É preferível pensar o pensamento, como diz Alain, a pensar a si mesmo (Cahiers de lorient, I, p. 72). É preferível conhecer e refletir (no sentido lato) no que sabemos ou imaginamos saber a se encerrar na reflexão (no sentido estrito). "O pensamento", dizia ainda Alain, "não deve ter outra casa que não seja todo o universo; é somente aí que ele é livre e verdadeiro. Fora de si! Do lado de fora!" (ibid.). A reflexão leva a tudo, contanto que se saia deste. (2)

Reflexos. Os reflexos distinguem-se das reações e são intitulados de espontâneos ou fortuitos. Todo movimento que fazemos, dirigido pela vontade, já fizemos antes espontaneamente. Se resolvemos dar um salto para ultrapassar uma barreira é que sabemos antes que, saltando, podemos atravessá-la. E se o tentamos é porque já fizemos experiências anteriores, mesmo não dirigidas pela vontade. Classificam os psicólogos em geral esses movimentos mecânicos em reflexos, tropismos, e alguns de tactismos, que é uma espécie de tropismo ou a ele se assemelha e, segundo alguns, os instintos.

"O reflexo é uma reação motriz invariável, que responde a um estímulo preciso, e que se produz, desde a primeira vez, completo e seguro", define Roustan, exemplificando com a tosse, o espirro, etc. São os tropismos fenômenos de orientação, como na botânica a orientação dos vegetais sob uma influência momentânea como a da luz. A planta, num quarto, inclina-se para a janela, de onde vez a luz; na zoologia também são observados tropismos, como o chamado anemotropismo dos insetos, que se colocam sempre de face para o vento.

O tactismo diferencia-se do tropismo. São excitações físicas ou químicas que determinam a progressão automática de um animal em certo sentido. Procuram os psicólogos distinguir o tactismo do tropismo, considerando este apenas mecânico, enquanto julgam precipitado considerar aquele assim. A ação dos necróforos, que se dirigem ao cadáver de um rato, não pode ser explicada apenas por um automatismo mecânico, Jennings reconhece diferenças entre certos fenômenos de um simples tropismo, como os do paramécio que procura a parte acidulada da água. Se fosse uma ação meramente mecânica, a marcha que empreende para alcançar essa região, seria apenas sujeita às leis da mecânica. Entretanto tal não se dá. O paramécio, ora se aproxima, ora se afasta, vai, cai, torna, retorna, procura ali, até que, ao tocar a região acidulada, pára, mantém-se aí, onde parece manifestar certo prazer.

A explicação mecanicista de Loeb dos fenômenos do tropismo não satisfaz a todos os biólogos porque toda explicação mecanicista é uma explicação extensista, apenas abstratista. Como na natureza os fatos são regidos por um dualismo antinômico de intensidade e extensidade, toda e qualquer interpretação que se construa, fundada numa, com a exclusão da outra, não pode satisfazer, por visualizar apenas um dos aspectos da realidade. A vida não pode ser explicada apenas pela ordem dinâmica de extensidade, como é a da mecânica, porque na vida há predominância da ordem dinâmica da intensidade. O fato dos biólogos não se encerrarem na concepção do tropismo e criarem a do tactismo, em contraposição, é já o produto da má colocação do problema. Uma explicação que atualiza um dos aspectos para virtualizar o outro, é uma interpretação abstrata. (3)


(1) LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia. Tradução por Fátima Sá Correia et al. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

(2) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2011.

(3) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.