Disputatio

Disputatio. (do lat. disputa). Na escolástica, na realização das quaestiones disputatas (questões disputadas), apresentava-se uma ordem rígida e gradual. O defensor da tese (defensor theseôs) propõe a sua e a defende sob a forma silogística. O oponente (opponens) argúi contra a tese e contra a demonstração repetindo, primeiramente, a proposição e o silogismo, mostrando haver invalidez em uma ou outra premissa (nego maiorem, minorem), ou fazendo distinção nelas (distinguo maiorem, minorem). Nas disputas os estudantes eram assistidos por um magister, que fazia o resumo da disputa, e determinava a questão em seus verdadeiros termos.

Gredt, em Elementa Philosophia enumera as regras de proceder na disputa  escolástica: "A disputa escolástica é a disputa na forma (in forma); ou seja, na qual rigorosamente se observa a forma silogística. Distingue-se da disputa vulgar extra formam, e da disputa socrática, que consiste em interrogações, por meio das quais se deduz o que pouco a pouco vai concedendo o adversário. O munus defendendi (a função da defesa). Na disputa escolástica, defende-se um argumento em forma silogística. Examinam-se as premissas, concedem-se as verdadeiras (concedo), negam-se as falsas (nego), distinguem-se as ambíguas (distinguo). Se é vicioso o silogismo, nega-se a consequência. Se surge uma distinção, precisa-se sobre o que ela cai, se sobre as premissas, se sobre o predicado ou se sobre o sujeito. Se se distingue a maior, contradistingue-se a menor, e negam-se o consequente e a consequência. Se a distinção for apenas na maior ou na menor, distingue-se o conseqüente. O munus arguentis (a função do que argúi). O arguente deve provar as proposições que são negadas pelo defendente".

Para ilustrar melhor o método, vamos reproduzir um esquema de disputa escolástica, de Gredt no livro citado.

"Defendente: A tese a ser defendida é a seguinte: "A verdade principalmente, e a priori, está no intelecto"; o que explico e provo...

E realiza a prova.

Arguente Contra a tese que foi oferecida: "A verdade principalmente..., proponho o argumento: A verdade, principalmente e a priori, não está no intelecto; logo, a tese é falsa.

Defendente A verdade, principalmente e a priori, não está no intelecto; portanto, a tese é falsa.

Nego antecedente; deves provar.

Arguente Provo antecedente: o que está a priori no intelecto é algo subjetivo. Ora, a verdade não é algo subjetivo; logo, não está  a priori no intelecto.

Defendente O que está a priori no... (repete integralmente o argumento). O que está a priori no intelecto é algo subjetivo. Concedo a maior. Ora, a verdade não é algo subjetivo. Distingo a menor: A verdade ontológica não é... concedo a menor; a verdade lógica não é... nego a menor. Logo, a verdade a priori não está no intelecto. Distingo o consequente: a verdade ontológica não é... concedo consequente; a verdade lógica não é... nego consequente. E explico a distinção: a verdade lógica é a adequação entre o intelecto e a coisa, portanto alguma coisa subjetiva; a verdade ontológica é a adequação da coisa com o intelecto, portanto algo objetivo ou extra intelecto.

Arguente   Ora, a verdade lógica não é algo subjetivo. Portanto, a verdade a priori não está no intelecto, e a tese é falsa.

Defendente O que está no objeto... (repete integralmente o argumento). O que está no objeto não é algo subjetivo. Distingo a maior: O que está no objeto formalmente não é... concedo a maior. Ora, a verdade lógica está no objeto. Contradistingo a menor: a verdade lógica está no objeto formalmente, nego a menor; ... está no objeto fundamentalmente, concedo a menor. Portanto, a verdade lógica não é algo subjetivo. Dada a distinção, nego o consequente e a consequência. E explico a distinção...

Arguente Ora, a verdade lógica está no objeto formalmente. Portanto, a verdade a priori não está no intelecto, e a tese é falsa.

Defendente Ora, a verdade... nego a menor apresentada; precisas provar.

Arguente Provo a menor apresentada; a verdade lógica está no objeto como efeito em causa eficiente. Ora, o efeito está na causa eficiente formalmente; logo, a verdade lógica está no objeto formalmente.

Defendente A verdade lógica está... (e repete integralmente o argumento). A verdade lógica está no objeto como efeito na causa eficiente. Distingo a maior: como em causa eficiente total e unívoca, nego a maior; como em causa eficiente parcial e análoga, concedo a maior. - Ora, o efeito está na causa eficiente formalmente. Contradistingo a menor; na causa eficiente total e unívoca, concedo a menor; na causa eficiente parcial e análoga, nego a menor. - Portanto, a verdade lógica está no objeto formalmente. Dada a distinção, nego o consequente e a consequência..." (1)

(1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.