Ateísmo

Ateísmo. Do gr. "sem Deus". Doutrina que nega a existência de Deus, ou mais exatamente, que é contrária ao teísmo, é tão variada quanto as concepções de Deus a que opõe. Por exemplo, o pensador que nega a existência de um Deus pessoal, mas admite uma energia original, é ateu para quem confere a esta energia os atributos de uma pessoa, e teísta para quem rechaça toda a ideia de transcendência. As religiões que não reconhecem como Deus mais do que a um princípio impessoal, podem parecer ateias  aos olhos das outras. (1)

Ateísmo. Do gr. "sem Deus", significa literalmente, por oposição a teísmo, negação ou ignorância de Deus. Em Filosofia, compreende todas as doutrinas que direta ou indiretamente negam a existência ou cognoscibilidade de um ser absoluto, transcendente e pessoal. 

Negam diretamente a existência de Deus, além do materialismo ontológico, todas as doutrinas ou sistemas que não reconhecem valor real e objetivo à ideia de Deus, considerando-a contraditória em si mesma (A. lógico), uma simples ilusão da consciência individual ou coletiva (A. psicológico), uma palavra sem sentido (A. semântico), um obstáculo à liberdade e responsabilidade humanas (A. moral, A. postulatório, ou humanismo ateu), etc. Negam indiretamente a existência de Deus todas as doutrinas que não reconhecem capacidade à inteligência para afirmar a verdade em geral (ceticismo, relativismo etc.), ou, em particular, para afirmar a existência de um ser absoluto e infinito (Agnosticismo). O ateísmo filosófico serve de justificação doutrinal a certos comportamentos assumidos sem qualquer inferência à ideia de Deus (A. prático).

Não faltam na Antiguidade greco-romana exemplos de A. teórico. Certos sofistas, por exemplo, afirmam que os deuses são uma invenção do espírito humano, a isso levado pela necessidade de garantir a observância das leis e a prática da justiça (A. psicológico). Outros, pelo contrário, perante uma distribuição aparentemente cega e arbitrária de bens e males entre os mortais, concluem que os deuses são ignorantes e injustos (A. moral). Trata-se, no entanto, de expressões mais ou menos isoladas onde a crença constitui a opinião geral. Como fenômeno cultural de amplas repercussões sociais, o A. moderno e contemporâneo surge na viragem do século XVII no desenvolvimento lógico de certos postulados libertários e emancipalistas do Renascimento. Apesar da extrema complexidade das suas múltiplas e sucessivas variações, podemos dizer que ele se inscreve, com a filosofia moderna, no esquema geral da luta da subjetividade contra objetividade, da imanência contra a transcendência. O Tractatus Theologico-politicus de Spinoza é paradigmático a este propósito enquanto elimina da sua concepção de Deus atributos essenciais. 

Inicialmente vivido como uma mentalidade, como um critério de apreciação de atitudes e ideias, o princípio de libertação e de autonomia é posteriormente levado à prática pelo iluminismo francês, o qual, na sua vontade indômita de radical extenuação da alteridade, o vai estender a todas as esferas da vida moral, social, politica e religiosa. O vazio aberto no coração da História e na consciência dos homens pela eliminação da Igreja e da divindade de Cristo vai ser preenchido pela razão iluminista, deste modo erigida em critério supremo de moralidade e de religião não é ainda o A., mas é já o deísmo na versão kantiana da religião nos limites da simples razão. Mas bem depressa o racionalismo iluminista irá convergir com os ideais libertários da Revolução Francesa na configuração dos diversos ateísmo políticos que desde então não mais cessam de proliferar. Os grande mentores da Revolução cedo identificaram na família e, dentro da família, na figura do pai, o obstáculo maior dos seus desígnios de emancipação e libertação. Por isso mesmo, a república saída da Revolução terá de ser uma sociedade de seres iguais, i.é, uma fraternidade sem pai. Por sua vez, uma fraternidade sem pai é também necessariamente uma fraternidade sem Deus. O deicídio é a conclusão lógica do regicídio (Marques de Sade). Esta associação da morte de Deus à morte do rei não é estranha, por um lado, ao temor do adulto, resultante de certas experiências dolorosas perante uma autoridade excessiva ou excessivamente prolongada e, por outro, ao direito dos reis proclamado pelos teóricos da monarquia absoluta ao qual Deus servia de caução ideológica. Neste contexto não admira que a revolta contra o pai e o rei arrastam-se consigo a revolta contra Deus (A. político). Estes temas e atitudes de forte incidência afetiva terão a sua expressão mais radical e decidida nos ateísmos revolucionários e políticos do séc. XIX. (2)

Ateísmo. Descrença em divindades. Não deve ser confundido com o agnosticismo, que é uma simples supressão de crença. O ateísmo não pode ser provado, salvo indiretamente. Entretanto, ele não demanda prova. Sem dúvida, o ônus da prova da existência de qualquer X compete àqueles que pretendem que X existe. Todavia, a refutação de qualquer versão de deísmo ou teísmo constitui uma prova indireta parcial do ateísmo. Indireta porque, na lógica comum, refutar uma proposição p importa provar não-p. E a refutação é parcial porque se refere apenas a uma espécie particular de deísmo ou teísmo de cada vez. Por isso uma refutação dos princípios de uma religião cristã não refuta os do hinduísmo ou inversamente. A refutação de qualquer crença em divindades de uma certa espécie pode proceder de duas maneiras: empiricamente e racionalmente. A primeira consiste em apontar para (a) a falta de evidência positiva quanto à religião e (b) abundância de evidência contrária às predições dos fanáticos — i.é, aquele raio atingira o blasfemo. O método racional consiste em notar contradições entre os dogmas religiosos. Por exemplo, se Deus é ao mesmo tempo onipotente e bom, por que tolera o câncer e a guerra? Se Deus é ao mesmo tempo onipotente e misericordioso, por que criou espécies condenadas à extinção? O ateísmo é sustentado pela ciência e tecnologia modernas de vários modos. Sem dúvida, a ciência moderna e a tecnologia não envolvem entidades sobrenaturais e negam a possibilidade de milagres. Como consequência, a pesquisa científica, que é, em larga medida, a busca de padrões objetivos, é estorvada pelo deísmo e teísmo. Exemplos de pesquisa de problemas ativamente desencorajados pela religião organizada: origens da vida, mente e religião. (3)

Ateísmo. (do gr. a, privativo e theos, Deus). Convém distinguir entre: 1) Um estado de ateísmo (psicológico e sociológico); 2) A doutrina do ateísmo e 3) A conduta prática que, mais ou menos se apoia nessa doutrina.

O primeiro tópico versa sobre a questão: Há povos ou tribos que não praticam um culto ou veneração aos deuses ou a um deus? Essa questão é geralmente respondida de maneira negativa. Mas seja como for, este ateísmo hipotético só pode ter o sentido de um estado ingênuo e não reflexivo quanto à existência da divindade.

A doutrina do ateísmo pode definir-se só verbalmente como a negação da existência de Deus. A significação filosófica porém, das teorias que se colocam sob este título, varia conforme os diversos modos como os termos Deus e existência são concebidos. O que para um é uma afirmação de divindade, é ateísmo para outro.

Mas o ateísmo declarado aplica-se, quase sempre, ao materialismo; e o panteísta, por seu lado, protesta quando lhe chamam de ateísta. O ateísmo, em relação ao pensamento filosófico como tal, é assim caracterizado por Francis Bacon: "é certo e comprovado pela experiência, que pequenos goles na filosofia talvez conduzam ao ateísmo, porém sorvos mais profundos mostram o caminho da religião". O ateísmo foi caracterizado, não em seu conteúdo doutrinal (aliás muito diversificado), mas em seus preâmbulos psicológicos, como a doutrina dos que não sentem o impulso de remontar à senda da causalidade, e que são pouco familiares com as explicações regressivas. A mesma circunstância parece visar Pascal quando diz que "o ateísmo é sinal de força de espírito, mas somente até certo grau".

Como uma conduta prática, seria a atitude dos que vivem como se Deus não existisse segundo Bossuet: "Há um ateísmo recôndito em todos os corações, que se estende sobre todas as ações; nada se espera de Deus". Os dois aspectos do ateísmo, o teorético e o prático, na vida, tendem a penetrar-se mutuamente. Na teoria há tendências mais assinaláveis a separá-los. Assim, pela crítica da razão pura, Kant chega, não à negação formal da existência de Deus, mas à declaração da invalidez de todas as provas que jamais foram alegadas como demonstração da existência de Deus e à proclamação da incompetência peremptória da razão teorética a estabelecer tais provas. Por outro lado, a razão prática, que regula a conduta humana, exige com todo o rigor a ideia de Deus e não só como ideia, mas como um postulado indispensável daquela. Em Kant, Deus aparece como o que não se pode provar, mas em todo caso deve existir. Desde que Hartmann desenvolveu a sua Ética, também se manifesta o ponto de vista oposto: um ateísmo postulativo que admite que talvez haja um modo de provar teoreticamente algo a favor de Deus, seja essa magnitude racional ou irracional, teísta ou panteísta, porém essa demonstração não tem nenhum valor. Para ele, a razão prática exige a não existência de Deus, pois para a vida humana a sua existência é extremamente indesejável, e isto não por motivos libertinistas, mas em nome da moral. Não deve existir um Deus que sirva ao homem de esteio para justificar a sua falta de responsabilidade, que sirva de sanção para uma missão que o homem atribui a si próprio ou que, em suma, dê um sentido à existência humana. Só em um mundo de necessidades mecânicas há lugar para um ser moral livre; em um mundo criado por uma divindade, segundo um plano, o homem fica anulado como pessoa moral. Termina por afirmar que o comodismo de atribuir a um Deus a providência é amoral. Suas afirmativas revelam um modo bastante incompleto de conceber a Deus. Vide Deus. (4)


(1) NOIRAY, André (Org.). La Filosofia: Las Ideas, Las Obras, Los Hombres. Bilbao: Mensajero, 1974.

(2) LOGOS – ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Verbo, 1990.

(3) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

(4) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.