Ciência
Ciência. Uma ciência é um conjunto de conhecimentos explicados, relacionados e sistematizados, e são essa explicação, esse relacionamento e essa sistematização que caracterizam o conhecimento científico e o diferencia do conhecimento vulgar, ou empírico, que se limita a verificar os fatos sem lhes buscar uma explicação racional, nem as sua relações inteligíveis com os outros fatos, sistematizando. O que distingue uma ciência de outra ciência não é a natureza dos objetos que estuda, mas o ponto de vista sob o qual os estuda. (1)
Objetivamente, é um conjunto de verdades certas, logicamente encadeadas entre si, de modo a fornecer um sistema coerente. Subjetivamente, é um conhecimento certo das coisas por suas causas ou por seus princípios.
Ciência. Não existe propriamente a ciência, mas as ciências: lógica, matemática, "ciências da natureza", "ciências humanas". No seu conjunto (que, hoje, homem algum consegue abarcar), as ciências propõem uma descrição racional dos vários aspectos da realidade.
Diz-se que as ciências começaram em ambiente grego, a partir do séc. VI a.C., sob o impulso de Tales e Pitágoras: deseja-se então um saber que apresente provas e se organize em sistemas.
Utilizando métodos originais e poderosos (que só serão discutidos e superados a partir dos últimos decênios do séc. XIX), os matemáticos gregos obtiveram resultados muito notáveis. Também a astronomia encontrou então o seu caminho: uma observação rigorosa (a precisão das medidas será levada de 1 grau a 10 minutos de arco com os alexandrinos) e a criação de modelos matemáticos capazes de subsumir os dados dentro da margem de erro admitida e de possibilitar a previsão. Infelizmente, o pouco apreço pelo trabalho manual fez estagnar o progresso dos instrumentos. A física não começou: faltaram os instrumentos, mas faltou sobretudo a ideia de organizar a experiência; e isso mostra que a atitude dos Gregos face à Natureza é muito diferente da nossa.
As "ciências da natureza" no sentido moderno vão aparecer, passado já o apogeu da Renascença, no século aberto por Galileu (1564-1642). Nelas é fundamental, além da observação e da criação de modelos, a organização da experiência e o desenvolvimento de aparelhos.
Durante muito tempo, era enorme o fosse entre as diferentes ciências da natureza, não só quanto ao assunto, mas ainda quanto ao método. A mecânica quântica começou a lançar a ponte entre a física e a química, a recente biologia molecular lança ponte entre estas e a biologia.
Questões acerca das modernas ciências da natureza.
1.ª) É a da articulação com as técnicas. Heidegger diz que é comum às ciências e às técnicas a vontade de sujeitar a Natureza, forçando-a a revelar o seus segredos e pondo-a a serviço do homem. Muito diferente da atitude especulativa dos Gregos.
2.ª) Relação com o capitalismo. Limitemo-nos a recordar que as ciências nasceram no momento em que o capitalismo se impunha, que as estruturas capitalistas apoiaram em geral as ciências; e delas se serviram na luta pela supremacia.
Destas duas questões surge uma 3.ª, a do significado da Ciência no mundo atual. É certo que a vida seria hoje impensável sem ciências e sem tecnologia, mas há taras a denunciar. A sede de intervenção e de maximização do rendimento gerou as sociedades de consumo, degrada talvez de maneira irreversível o ambiente e tem aumentado o desnível entre os países ricos e pobres.
A partir da 2.ª metade do séc. XIX vão surgir as "ciências humanas", que têm por objeto o comportamento dos homens e das sociedades. Ultrapassada rapidamente a fase do registro e da estatística, tentam, elas também, compreender e prever à custa de modelos. A grande questão é a do tipo de objetividade conseguida, se e até que ponto as ciências humanas se conseguem libertar de pressupostos ideológicos.
As ciências humanas, mais ainda que as ciências da natureza, correm o risco de ser instrumentalizadas pelo poder e pelas ideologias políticas.
Em física só há hipóteses, embora hipóteses que mereçam uma confiança muito grande. O destino da teoria de Newton, que foi ser suplantada por outra teoria mais perfeita, será verosimilmente o destino de todas as teorias da física.
Passemos às ciências humanas. É sabido que Marx (1818-1883) pretendeu que a ação social e política pode e deve ser norteada por uma análise "científica" da economia e da história. Ensina, porém, nos marxismos que é preciso ter nascido (ou ter renascido por opção) na classe do trabalho para estar em condições de fazer uma leitura correta da história. Ao contrário das ciências da natureza, as ciências humanas não conseguiram cortar todas as amarras com os pressupostos ideológicos. (2)
Ciência. Em seu avanço, a ciência muitas vezes teve de lutar para ser aceita pelas pessoas comuns. Parte do problema acontece porque costumamos ter opiniões sobre o mundo, e em geral gostamos que elas sejam respeitadas. Contudo, em assuntos científicos, a opinião da maioria não importa, Nesse aspecto a ciência não é democrática. Muitas de suas verdades são contraintuitivas, e seu progresso, em grande medida, é indiferente à nossa experiência cotidiana do mundo. Para os cientistas, o senso comum tem utilidade muito limitada. (3)
Ciência. A busca crítica de ou para a utilização de padrões nas ideias, na natureza ou na sociedade. Uma ciência pode ser formal ou fatual: a primeira, se se referir a construtos, a segunda, a fatos. A lógica e a matemática são ciências formais: lidam apenas com conceitos e suas combinações e, por esse motivo, não têm emprego nos procedimentos empíricos ou dados — exceto como fontes de problemas ou de ajuda no raciocínio. A física e a história, e todas as ciências no entremeio, são fatuais: elas versam sobre coisas concretas como feixes de luz e firmas comerciais. Portanto, têm necessidade de procedimentos empíricos, como a mensuração, ao lado de procedimentos conceituais, como a observação. As ciências fatuais podem ser divididas em naturais (biologia), sociais (economia), e bissociais (psicologia). Com respeito à praticidade, pode-se dividi-la em: ciência básica e ciência aplicada.
Ciência aplicada. A procura de novos conhecimentos científicos de possível aplicação prática. Exemplos: matemáticos, físicos, químicos, bioquímicos... Se utilizam apenas os achados científicos em uma função profissional, colocam-se como peritos ou militares altamente especializados.
Ciência básica. A busca desinteressada de novos conhecimentos científicos. (4)
Ciência relevante para a Filosofia. Pelo fato de a ciência estudar tudo o que existe, seja conceitual ou material, natural ou social, ela deveria ser relevante para todos os ramos da filosofia, exceto para a lógica. Mas, na verdade, a maioria das escolas filosóficas são indiferentes à ciência, quando não hostis. Isso vai em seu prejuízo, pois suas concepções sobre o ser, o conhecer ou o fazer estão destinadas à obsolescência. Exemplos desse prejuízo aparecem nas atuais filosofias da mente e da linguagem, de cujos praticantes poucos se dão ao trabalho de aprender alguma coisa das ciências relevantes. (4)
Ciência. (do lat. scire, saber). a) Em sentido etimológico, ciência seria o saber e neste caso, toda espécie de saber. Com os gregos o termo é epistéme, opôs-se a doxa, o saber vulgar, e significava todo saber culto, especulado, teórico, que se contrapunha aos conhecimentos prováveis da doxa (opinião) e da fé, esta não evidente racionalmente para oferecer clareza e distinção nas ideias, e a aceitação de princípios observados objetivamente, provados pelos meios racionais mais capazes. Neste sentido incluía-se a filosofia que também era uma sophia. Na Idade Média prosseguiu o termo com o mesmo conteúdo dos gregos e significava o conhecimento das coisas, do que infunde ser e razão ao objeto conhecido.
b) Só na Idade Moderna tomou um sentido mais limitado, afastando-se do de filosofia. Passou a ter como objeto os fatos reais, aparentes, os fenômenos, tendendo a estudar e descrever o como da sua manifestação e a explicação dos mesmos, isto é, o porquê conexionado às causas reais, aplicando, a pouco e pouco, neste exame, os métodos da matemática, a fim de alcançar as leis, que regem os mesmos fenômenos.
Empregando a matemática no exame dos fatos físicos, busca a ciência, através da descoberta das leis, das constantes, dos invariantes, construir uma sistematização dos fatos, conexionando-os uns aos outros e a princípios cada vez mais gerais, coordenando os específicos e subordinando-os aos genéricos, a fim de construir uma classificação das ciências, o que permitiu a especialização verificada em nossos dias. Há cientistas que reduzem a filosofia à ciência, subordinando-a totalmente a esta, como se vê no cientismo. Por outro lado, outros propõem uma separação à semelhança da estabelecida por Ockham em sua famosa metáfora da navalha, criando até um abismo entre ambas. Outros, conservando a distinção sem estabelecer uma separação, buscam harmonizar a ciência com a filosofia e, finalmente, a quarta posição, a daqueles que afirmam que o saber filosófico, como também o científico, são aspectos de um saber supremo, como é a mathésis para os pitagóricos.
Impõe-se pois que se estabeleçam as distinções mais nítidas entre filosofia e ciência. Enquanto a filosofia é um saber puro universal, a ciência é um saber culto particular, pois esta dedica-se ao estudo dos fenômenos, enquanto a filosofia os ultrapassa para penetrar nas primeiras e últimas causas, quando aquela se atém apenas às causas próximas. A ciência descreve o como das coisas e as causas próximas, imediatas das mesmas, enquanto a filosofia busca o porquê dos porquês, interroga o mais longínquo. A filosofia trabalha com o contingente e o necessário, o relativo e o absoluto, enquanto a ciência circunscreve-se apenas ao contingente do acidental e ao relativo. Esta pode usar o método experimental, dispor de instrumentos, medir, pesar, contar; em suma, correlacionar as dimensões físicas. O filósofo, despojado de instrumentos, apenas dispõe do pensamento para com ele investigar o que ultrapassa o campo das intuições meramente sensíveis e das classificações intelectuais meramente próximas. Enquanto a ciência se move dentro do campo da imanência (vide) das coisas, a filosofia ultrapassa-o para penetrar na transcendência (vide Transcendental). Ademais, a ciência permanece nas abstrações de primeiro grau, quando muito nas de segundo grau (matemáticas), enquanto a filosofia invade as abstrações de terceiro grau (as metafísicas). Se a ciência tende a estabelecer e estabelece juízos universalmente válidos, a filosofia como é frequentemente considerada pelos modernos, só pode estabelecer juízos particularmente válidos. Contudo, a filosofia orientada pela direção concreta também pode alcançar a juízos universalmente válidos. Ao seguir este rumo ela alcança a Máthesis e também estabelece o ápice do triângulo, cujos vértices seriam formados pela ciência e pela filosofia, alcançando assim a um saber que as inclui e ao mesmo tempo as ultrapassa, mas e, sobretudo, fundamenta-as com maior firmeza.
c) A palavra ainda é empregada em vários sentidos para indicar habilidade técnica, conhecimento de uma profissão, etc. Tem como objeto material todas as coisas fenomênicas, e como objeto formal o que caracteriza a cada ciência em particular, pois o material pode ser comum às várias ciências. A especialização está neste aspecto formal da realidade fenomênica. Pode-se, ademais, distinguir ciência em dois grandes hemisférios: ciência pura, aquela que não se dirige para o aproveitamento técnico ou prático, e ciência aplicada, aquela que se destina ao emprego de fins práticos, como a medicina. Vide Classificação das ciências. (5)
(1) GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, [s.d. p.]
(2) POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986.
(3) MOSLEY, Micahel e LYNCH, John. Uma História da Ciência: Experiência, Poder e Paixão. Tradução de Ivan Weisz Kuck. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
(4) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)
(5) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.