Dualismo

Dualismo. a) Todo sistema filosófico que afirma a coexistência de dois princípios opostos, os quais são igualmente necessários e eternos, como por ex. a matéria e o espírito.

b) Doutrina religiosa que admite a existência de dois seres primeiros, incriados, contrários um ao outro (dois deuses).

O dualismo afirma que a origem de todas as coisas provém de dois princípios, imprincipiados, irredutíveis um ao outro, independentes um do outro e, de per si, subsistentes, ambos com aseidade e ipseidade (em si mesmos, e eles mesmos, não em outros, nem outros que eles). Esses dois princípios, por serem absolutamente diferentes, são consequentemente opostos. Desta forma encontramos o dualismo manifestado, axiologicamente, em Bem e Mal, um princípio é bom e outro é mau; um afirma, outro nega, etc. Costuma-se oferecer como gênese do dualismo a aporia em que se encontra o crente ante o problema do mal.

Ele é frequentemente classificado em dualismo pessimista e dualismo otimista. O dualismo pessimista atribui à matéria um poder ativo que se opõe a Deus que é o Bem, e realiza desta forma o Mal. A alma humana é uma emanação do Bem mas encontra na matéria o seu limitante. O dualismo otimista empresta à matéria o atributo da independência; de essência diferente da essência de Deus, mas passiva, que recebe a ação divina que a modela. Muitos consideram que esta é a opinião de Aristóteles. No entanto em seu pensamento se encontra a atribuição de certo papel ativo à matéria, capaz de limitar a forma, bem como a possibilidade de estruturar a sua doutrina numa posição ora dualista, ora monopluralista.

O dualismo coloca-nos fatalmente ante diversas aporias. O não poder compreender a imperfeição da criação, por ser Deus perfeito, não é um argumento cabal. Além disso, ele se vê na contingência de aceitar entre os dois princípios uma equipolência, embora inversa. E, neste caso, encontrar-se-ia em face de dois infinitos, que não se poderiam limitar. E se entre eles não há qualquer similitude, sendo diferentes absolutos, como podem ambos atuar um sobre o outro? Pois se a matéria pode ser atuada por Deus, ela tem, pelo menos, a potência de ser atuada, e Deus, a de atuar sobre aquela.

Ao receber a forma, a matéria se delimita, o que a tornaria, pari passu, hierarquicamente inferior e, neste caso, o seu ser não seria da mesma categoria do ser de Deus. E se não é, como pode ser um ser inferior se, no conceito de ser com aseidade, não cabem um aquém nem um além? Conceder à matéria uma síntese de ser e nada, leva a todas as aporias que a aceitação do nada acarreta. Ter-se-ia assim de aceitar que, entre Deus e a matéria, há um ponto de similitude, o que leva a aceitar uma analogia entre matéria e Deus, pois aquela tem ser, e Deus é ser, o que se predicaria, portanto, para ambos, encontrando-se deste modo um ponto de identificação, o que é fatal em toda analogia de atribuição intrínseca, desde que levada às suas últimas consequências. Neste caso ambos se incluiriam no ser, o que não mais permitiria fossem absolutamente diferentes, o que refutaria o dualismo.

O tornar contingente a matéria, como o faria o dualismo otimista, implicaria, automaticamente, a necessidade. E se ela é absolutamente inerte, tem a possibilidade de ser movida, e o seria por Deus, quem lhe daria, automaticamente, a presença virtual da moção, nela não atualizada, mas presente num modo de ser mocional, que lhe daria a perfeição de ser em ato à semelhança com Deus, levando-nos de novo à analogia de atribuição intrínseca, e desta a um ponto de identificação.

Desta forma, o dualismo cai em aporias maiores ainda que as que desejava resolver, pois o próprio dualismo pessimista não solucionaria o problema do mal. O mal é destrutivo, e um mal infinito levaria à total destruição, o que negaria o ser à matéria. Colocado dentro dos processos abstratistas, que são usados e abusados pelos dualistas, a concepção destrói a si mesma, como toda ação abstratista, que, por ser despojadora do concreto, só pode atingir ao nada, como o atinge a razão em suas últimas diligências, quando levada aos excessos do racionalismo.

Compreende-se, dialeticamente, a razão do dualismo, se se pergunta por que o homem constrói esta concepção. O espetáculo do mundo, a visão da alternância dos opostos, levada aos extremos, termina num dualismo. Mas, desde que dialeticamente se compreenda que a alternância, a dualidade dos opostos, dos antagonismos e das antinomias, são apenas componentes formalmente opostas, mas cooperacionais de uma realidade, ele perde sua razão de ser abstratista, para tornar-se conceito, como acontece com o monismo, concrecionáveis numa visão monopluralista. (1)

(1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.