Paixão

Paixão. Em seu sentido atual, paixão é uma inclinação predominante, fixada num hábito. Assemelha-se à inclinação, não sendo, porém, idêntica, pois, enquanto a inclinação tem algo de instintivo e inato, a paixão adquire sua intensidade através do comportamento do indivíduo e do caráter passageiro de uma crise. (1)

Paixão. No sentido primitivo, uma das dez categorias de Aristóteles, que designa o fato de sofrer a ação de um agente exterior. No século XVII, as "paixões da alma" reúnem todos os estados em que a alma passa por modificações - determinadas segundo os cartesianos pelos "espíritos animais" (prazer, dor, etc.): boas na medida em que dispõe a alma a querer o que é bom para ela, só pode se tornar ruins se as acompanharmos com excesso. A condenação da paixão, de origem cristã (os moralistas gregos querem mais avaliar seus efeitos do que suprimi-los), e particularmente nítida em Kant, que nela vê uma vitória do puro sensível sobre o racional. Ao contrário, o romantismo, por intermédio de sua diversidade, vai exaltá-la de forma durável: é o móvel da atividade de Fourier, a vontade de poder de Nietzsche ou antes deles, a "malícia da razão" para Hegel. Do ponto de vista psicológico, distingue-se a paixão da simples emoção por sua duração, sua amplitude e sua capacidade de dominar a vida intelectual a ponto de ser percebida como um elemento do destino. Cf. Ataraxia (2)

Paixão. Psic. Do grego pathos, sofrer, suportar. Significa o estado “passivo” do sujeito em geral (e do humano, em particular), contraposto aos fenômenos de “atividade”. Daí que em Aristóteles que a paixão seja uma categoria oposta à ação, e na filosofia escolástica signifique a passividade, o ato de sofrer. Contudo nesta última escola já apareça a P. como “movimento do apetite sensível” (um sentimento ou emoção qualquer), acepção que tomará em Descartes, Malebranche e outros, com particularidades bem definidas. Por influência sobretudo dos moralistas (que a caracterizaram com sendo uma inclinação tornada de tal modo predominante que chega a quebrar o equilíbrio da vida psicológica), os modernos psicólogos definem a P. como “movimento impetuoso da alma, exaltado pela imaginação, e transformado em hábito, que a impele para um objeto ou dele a afasta, segundo encontre nele uma fonte de gozo ou de dor”. No entanto, todos estão de acordo em conservar a significação de passividade como elemento essencial.

1) Natureza e classificação — Trata-se de um fenômeno psicológico complexo, que só poderá caracterizar adequadamente por comparação com a inclinação e como o sentimento. Com efeito, por um lado, trata-se de uma inclinação predominante (ou desenvolvimento máximo da inclinação), embora se distinga desta em ser adquirida, precisa e especial, crise mais ou menos  passageira e periódica, exclusiva e absorvente, enquanto a inclinação é primitiva e inata, permanente, mais ou menos vaga e geral, e se desenvolve harmonicamente, formando um sistema de elementos coordenados. Por outro lado, trata-se de um sentimento (enquanto fixação de uma tendência sobre o objeto) mas tornado tirânico e exclusivo. Sendo essencialmente egoísta, a P. é a polarização do psiquismo sobre um objeto, implicando indiferença com relação a tudo mais. São muitas (segundo vários autores) as classificações das P., mas, dada a íntima ligação destas com as inclinações, parece melhor classificá-las (como elas) em inferiores ou sensíveis (tais como: P. de beber e comer, P. sexual, P. de excelência) e superiores ou racionais (tais como: P. da busca do verdadeiro, P. da produção do belo, P. do progresso do bem e da justiça).

2) Origem e causa — Embora  se trate de uma obra do homem (os animais não têm paixões), a P. tem uma base biológica (uma vez que se enxerta sobre as tendências e necessidades), a qual se não pode reduzir à mecânica fisiológica, uma base psicológica (que só a Psicanálise pode analisar suficientemente, com exploração do Inconsciente), e até uma base social. Temos pois como causas fisiológicas da P. o temperamento físico e a hereditariedade (disposições físicas e morais recebidas que não criam normalmente nenhuma fatalidade); como causas psicológicas, temos a imaginação (que dá ao objeto elementos sensíveis que ele não tem), a razão e a vontade (com sua cumplicidade na formação de hábitos passionais, ao abdicar do seu papel de orientadora). Como causas sociais mencionaremos: a educaçao recebida, os exemplos, os costumes, o meio freqüentado, que ajudam a desenvolver as predisposições hereditárias. No seu desenvolvimento, a P. tanto se forma lentamente, por “cristalização progressiva”, como por “desencadeamento fulminante”.

3) Efeitos — A P. afeta praticamente o homem todo, o seu organismo e o seu psiquismo. Reage sobre o corpo e seus órgãos, onde cada P. provoca determinadas modificações bem características. Mas afeta sobretudo o psiquismo, transformando o apaixonado numa espécie de “possesso”, vítima de uma força fatal que se desencadeia sobre ele. A P., ao se concentrar todas as atividades da alma sobre o objeto da P., suspendendo ao mesmo tempo toda a forma de atividade que não seja estritamente requerida pelos fins passionais, produz uma espécie de unificação da alma, mas empobrecendo-a, ao esvaziá-la de tudo o que ultrapassa a ordem sensível e não é o objeto da P. O apaixonado passa a girar no círculo estreito das imagens que o obsidiam, como se delirasse. Por outro lado, a P. produz uma verdadeira ativação da inteligência, levando-a frequentemente a autênticos prodígios de engenhosidade, com a concentração da atenção e uma perseverança que não recua diante de qualquer obstáculo. Mas a inteligência, assim superativada, acaba por escapar ao controle da razão, segundo uma lógica (a “lógica passional”) que não passa de uma submissão passiva a um determinismo psicológico. Quanto à afetividade, o estado de P. implica um enriquecimento (ao levar o sujeito a vibrar intensamente perante o objeto da P.), mas por outro lado seca a mesma afetividade, levando-a a ficar indiferente perante tudo o mais. Há por isso quem defina tal processo como “cristalização”, já que o apaixonado projeta sobre o objeto da P. as suas recordações e sonhos, enriquecendo-o por justaposição de elementos vindos de fora. Daí que o efeito mais saliente da P. seja o “fora de si”, incapaz de atenção e reflexão: a inteligência obscurece-se, os juízos falseiam-se e as percepções deixam de ser fieis; a vontade é paralisada, submetendo-se passivamente à violência impetuosa do desejo e perdendo a integridade da sua liberdade. São ainda dignos de nota os efeitos sociais da P. onde aparece sobretudo a grande rapidez com que esta se comunica (a qual é sempre proporcional à sua violência ou intensidade), e outros aspectos estudados na psicologia das multidões.

4. Função e valor — Embora certos psicólogos falem do papel da P. como reforço dos instintos e das inclinações, no entanto torna-se difícil aceitar tal função, dado que os animais (onde não há P.) têm os instintos melhor regulados, e não se vê bem como é que a natureza pode “querer” os excessos e perversões de tantas P. Por isso, parece melhor distinguir entre as P. inferiores (sensíveis) e as P. superiores (racionais). Enquanto estas últimas são boas e fecundas, por si mesmas (ao exaltar o que há de melhor entre nós e manifestarem a aspiração do homem a ultrapassar-se sem cessar), as primeiras aparecem mais como desregramento da afetividade (enquanto esta escapa ao controle da Razão), e, embora possam ter certa função biológica, será mais exato considerá-la como estados de declínio e vertigem, nefastas pelo desequilíbrio profundo que causam. Assim se explica a divisão de opiniões que provocam entre os pensadores. Exaltada pelos Românticos e outros (que veem nela algo capaz de quebrar a monotonia da vida cotidiana, dar valor à existência, aliviar a alma e inspirar-lhe os grandes desígnios — “nada de grande se faz sem P.” —, condenada por muitos (sobretudo moralistas), entre os quais Kant (que via na P. “uma verdadeira doença da alma”), a P., sendo essencialmente um meio não é boa ou má em si mesma, mas será uma coisa ou outra segundo o uso que dela fizermos. É força, impulso, útil ou funesto, conforme a direção que lhe imprimimos. Será precioso auxiliar quando a sujeitarmos, mas conduzir-nos-á ao abismo quando dominar sobre nós. (3)

Paixões. Na psicologia geralmente se considera a paixão como um estado que dura; assim a emoção é a forma aguda e a paixão a forma crônica, na qual se assinalam os caracteres de violência e duração. Hoje considerada pelos psicólogos como uma tensão dirigida, como tendência em atividade, mas concentrada intensivamente quanto ao fim, anulando muitas vezes todas as vontades contrárias, que se lhe opõem.

Os filósofos divergem no tratar das paixões e das emoções. Kant distingue uma da outra: "onde há muita emoção, há frequentemente pouca paixão". E observa que os povos que experimentam facilmente emoções parecem ser incapazes de paixões profundas e, que ao contrário, os temperamentos tranquilos, pouco dados a comover-se, são os que com frequência experimentam paixões violentas. Essa distinção é justa e destrói a concepção comum de que a emoção e a paixão estão estreitamente ligadas.

A emoção ou a comoção são estados primários; mas na paixão há uma concentração da propensão e das inclinações que preponderam, dominam, avassalam as outras. Ribot, apesar de julgar que há semelhança entre ambas, distingue bem, quando diz que a paixão é, "na ordem afetiva, o que a ideia fixa é na ordem intelectual ". Quando alguém é dominado por ela, toda a vida psicológica parece tender para aquele fim, o que também implica a necessidade de uma intensa concentração da vida psicológica, por isso não se verificam paixões nas crianças, cuja vida psicológica não está ainda devidamente concentrada, e também não se desenvolveu a personalidade.

O termo paixão tem diversos sentidos. Para Aristóteles é uma das categorias e opõe-se habitualmente à ação. O ser se manifesta como paixão e como ação; são portanto dois modos de manifestações do ser. Neste caso é a qualidade ou o conjunto das qualidades passivas, não só do sujeito como de todo objeto em geral. Posteriormente tomou o sentido de afetos e emoções, que perturbam os ânimos e a razão. Dessa forma ela incluía também as emoções.

As paixões foram analisadas pelos moralistas, ora para elogiá-las, ora para deplorá-las, ora para combatê-las. Uns consideram-nas bruscas, outros demoradas, produtos de um trabalho de cristalização; outras as consideram extirpáveis pela vontade, que também pode impedir seu nascimento, enquanto outros as consideram poderosas e avassaladoras da vontade; ora um sinal de força, ora um sinal de fraqueza; ora obstaculizam o desenvolvimento moral, ora o impulsionam. (4)

Figura ilustrativa (2)

(1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967.

(2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

(3)  ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA. Lisboa: Verbo, [s. d. p.]  

(4) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.