Doutrina, Doutrinário

Doutrina. O sentido mais antigo é o que deriva da sua etimologia latina doctrina que, por sua vez, vem de doceo, "ensino". O sentido mais antigo, portanto, é de ensino ou aprendizado do saber em geral, ou do ensino de uma disciplina particular. Ao longo do tempo perdeu-se o sentido original e o termo firmou-se como o indicador de um conjunto de teorias, noções e princípios coordenados entre eles organicamente que constituem o fundamento de uma ciência, de uma filosofia, de uma religião etc. (1) 

Doutrina. Ato de ensinar um conjunto de ideias ou teses. Daí deriva o sentido de conteúdo desse ensino, aproximando-se do termo disciplina, que significa o mesmo conteúdo visto do lado de quem recebe. Para Kant, D. seria a transmissão cultural puramente positiva, enquanto a disciplina designaria o estudo negativo ou destrutivo. D. emprega-se a propósito de filosofia, religião, política e várias ciências, excluindo as exatas. Não indica, per si, um conjunto sistematizado (a D. de Cristo, p. ex.). Usa-se, às vezes, na acepção de ensinamento prático, de orientação para a vida; outras, ao invés, como acesso à prática (mormente o adjetivo "doutrinário"). A existência de qualquer D. supõe o dogmatismo filosófico e a possibilidade de comunicação ou transmissão do saber, o que é negado pelo ceticismo. (2)

Doutrina. Coleção de proposições ensinadas como verdadeiras por algumas escolas. As doutrinas são menos bem organizadas do que as teorias, e não dispõem necessariamente de suporte empírico. Podem ser seculares ou religiosas. (4)

Doutrina. Conceito. o vocábulo grego didáskalos, "professor, mestre", foi empregado no Novo Testamento não só para designar os doutores (lat. doctors) do Templo (Lc 2,46), mas também, João Batista (Lc 3,12) e Jesus (ao longos dos Evangelhos), assim como os cristãos que se dedicavam ao magistério eclesiástico (I Cor 12,28). Didáskalos é cognato do gr. didaskalia, "ensino, lição, doutrina", e do gr. didakhê, "ensino, instrução, aprendizagem" (doctrina, na Vulgata), forma esta aportuguesada por influência dos seminários em didaquê.

Ao lado desse termo convém observar katekhesis, "instrução oral, doutrinação, catequese" (Lc 1,4, At 18,25), intimamente relacionado com a didakhê. Significava principalmente o processo de doutrinação oral destinado a preparar os recém-convertidos à iniciação sacramental. Apesar de ser empregado apenas duas vezes por São Paulo (I Cor 14,19 e Gal 6,6), exerceu forte influência na linguagem posterior da Igreja. 

No Novo Testamento são as epístolas pastorais as que oferecem exemplos abundantes do uso da expressão didakhê e seus cognatos. Essas cartas apostólicas representam o esforço da Igreja nascente para alimentar na fé as congregações que se iam formando como resultado do intenso labor missionário. Nos capítulos 4 e 5 de 1 Tim aparecem diversas vezes as diferentes formas do vocábulo. Encontra-se aí o conceito de boa doutrina em oposição à heresia. A boa doutrina deveria ser cultivada através da leitura, da meditação e da vigilância. O amor pelo ensino verdadeiro é considerado dever imprescindível do verdadeiro missionário (5,17).

A doutrina que Jesus ensinava diferia dos sistemas religiosos e filosóficos de sua época, na medida em que era secundária e serva em relação à sua pessoa e à sua vida. É por isso que, na elaboração dos primeiros sistemas doutrinários cristãos, as palavras atribuídas a Jesus nos Evangelhos ocupam lugar bastante reduzido. A doutrina cristã desenvolveu-se principalmente em torno da pessoa de Jesus e não tanto de suas palavras. 

Houve, ao longo do tempo, discussão e contradição entre kerygma (doutrina) e didakhê (pregação).

Entre muitos círculos cristãos modernos começa a surgir certa dúvida a respeito da importância da fixação doutrinária. Em lugar de conceitos a respeito de Jesus, o Cristo, busca-se uma nova vivência com ele. O cristianismo passa a ser encarado não tanto como um sistema doutrinário, mas principalmente como um modo de vida. (5)

Doutrinário – O termo indica, em geral, quem obedece rigidamente aos princípios da própria doutrina, prestando atenção à teoria no seu sentido abstrato, mais do que no prático. 

Doutrinário. Preso a uma doutrina de maneira extrema e dogmática. Exemplos: fundamentalismos religiosos, microeconomia neoclássica, marxismo, neoliberalismo. Ant. ter uma atitude crítica ou uma mente aberta. (4)

Doutrina Política. O conceito de doutrina, a nível do político, encontra-se em íntima relação com os da ideia e ideologia. Ideias  são representações simplificadas. Ideologia são essas representações que ganham peso social. 

Como se prende com ideia e ideologia, a doutrina conecta-se também com a noção de teoria. De acordo com Marcel Prélot, "Cientificamente, ideia, teoria e doutrina não são vocábulos equivalentes. Ideia e pensamento são termos neutros e gerais; inversamente, doutrina e teoria são noções que, na terminologia dos economistas franceses, adquiriram o sentido preciso. Sob a influência de um professor eminente da Faculdade de Direito de Paris, a sua definição cristalizou-se na época decorrente entre as duas guerras: a doutrina comporta um juízo de valor sobre os fatos e contém projetos de reforma daí derivados; a teoria corresponde à sistematização objetiva das observações, à sua interpretação e, na medida do possível, à sua explicação e generalização". 

Ideia é mais vaga que a doutrina; a doutrina mais coerente e estruturada. 

O sentido da doutrina, porém, irá cada vez mais se restringir à noção de teoria e prender-se aos autores.

No decorrer do tempo, os dicionaristas disseram que a doutrina assume, inter alia, as acepções de teoria de qualquer ciência e de opinião particular dos autores

Cândido de Figueiredo, no Novo Dicionário da Língua Portuguesa (I, Lisboa, 1899), refere a doutrina como "conjunto de princípios, em que se baseia um sistema religioso, político ou filosófico". (3)

Doutrina do Direito Natural. A concepção segundo a qual a moralidade e a lei são antes naturais do que artificiais. Há duas versões principais: a secular e a religiosa. A primeira é a concepção de que o homem nasceu bom, mas se tornou mau devido à sociedade. A variante religiosa é a de que a vontade divina está incorporada na ordem natural das coisas, com as quais as leis feitas pelo homem devem casar. (4)

Doutrina. (do lat. doctrina, do verbo docio, ensinar, indicar, apontar alguma coisa, instruir, educar). a) Radical de muitas palavras, como: sacerdócio: instruir sobre o sagrado; corpo docente, conjunto dos que ensinam, etc. Em seu sentido etimológico, doutrina é o ensino, é a educação, é a cultura ou sistema de conduta. (6)

b) Na filosofia tomou o sentido do conjunto dos dogmas ou dos princípios, nos quais se baseia uma crença religiosa ou um sistema filosófico, ou político, etc. É o resultado da elaboração do pensamento do caráter mais ou menos sistemático.

Doutrinários. a) Indica aqueles que, na filosofia, prendem-se às formas fechadas teóricas, e desinteressados totalmente pelas opiniões ou ideias de outras tendências (os dogmáticos).

b) Emprega-se também para indicar os que teorizam e interessam-se exclusivamente em expor uma doutrina (teóricos desta ou daquela posição). (6)


(1) BOBBIO, N. et al. Dicionário de Política. 2. ed. Brasília: UNB, 1986.

(2) LOGOS – ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE FILOSOFIA. Rio de Janeiro: Verbo, 1990.

(3) POLIS - ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO. São Paulo: Verbo, 1986

(4) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

(5) ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL. São Paulo: Encyclopaedia Britannica, 1987.

(6) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.