Associação de Ideias

Associação de ideias. É o fato de uma ideia ou imagem evocar imediatamente outra. É o fenômeno psíquico do arrebatamento espontâneo de uma representação por outras. O associacionismo pretendeu construir toda a psicologia a partir dessa propriedade.

Ao considerar a associação livre como um meio de acesso ao inconsciente, a psicanálise mostrou que esse fenômeno vale tanto para o psiquismo inconsciente quanto para as representações conscientes: quando o psicanalista propõe ao paciente uma série de termos indutores e pede-lhe para enunciar como resposta imediata, sem controle ou omissão, aquilo no que eles lhe fazem pensar, está lidando precisamente com a rede complexa de associações inconscientes por meio da qual se revelam os desejos profundos do indivíduo. (1)

Associação. a) Na psicologia, a relação que subsiste entre as disposições mentais correspondentes a dois ou mais conteúdos da consciência e que se manifestam no aparecimento simultâneo ou sucessivo daqueles conteúdos no campo da consciência, sem a intervenção da vontade ou mesmo contra ela. Este fenômeno chama-se em geral associação de ideias, não obstante o termo ideia significar uma limitação injustificada do campo de validade dessa lei; limitação que, de fato, não é intencional em quem quer que use este termo. É uma questão de máxima importância do ponto de vista científico como prático, saber qual é o princípio que regula esta associação. Aristóteles claramente reconhecia essa lei, funda-a nas relações de semelhança, de contraste e de contiguidade, reinantes entre os elementos da associação. Hobbes impressionou-se pela importância do assunto, É a Locke que devemos o termo associação de ideias. Berkeley não aprofundou a questão, mas estendeu o seu alcance fazendo da associação de ideias o fundamento da formação de ideias mais complexas.

b) Hartley e J. Mill foram além, proclamando a lei da associação como o princípio fundamental e praticamente único do desenvolvimento da vida mental. A essa doutrina foi dada o nome de associacionismo. Com os princípios empiristas dessa escola, os seus representantes também invadiram a lógica. Hume tinha enumerado a causalidade como uma das relações constitutivas de associações de ideias. A causalidade, portanto, inerente ao mundo da experiência, da mesma maneira objetiva como a semelhança e a contiguidade, torna-se uma categoria subjetiva, só no curso da experiência, e enquanto é uma forma lógica, tem de ser reconhecida como psicologicamente condicionada. Os associacionistas compreendem a vida psíquica essencialmente em termos químicos, comparando a associação de ideias com a formação de combinações químicas. Se numa ideia muito complexa não se pode mais reconhecer as numerosas ideias elementares das quais é composta, tal fato não vai contra a existência da associação.

Acontece o mesmo como numa droga misturada com muitos ingredientes, o que não permite mais distinguir o sabor dos vários elementos, porque tudo ficou unificado. A insuficiência dessa analogia química porém, foi amplamente demonstrada pela psicologia experimental. Sem ter chegado a soluções definitivas tornou-se evidente porém, que semelhança, contiguidade, etc., como tais e por si, não promovem a associação de ideias, que são sobretudo fatores subjetivos que aqui exercem sua poderosa influência. Associação sistemática, síntese orgânica, finalidade interna são algumas noções que denotam a nova direção desse problema ainda em discussão.

c) Na estética a lei da associação de ideias e sentimentos serviu para explicar o valor estético, dando como motivo imediato do prazer experimentado a presença do belo, não a forma do próprio objeto, mas as sensações causadas pela recordação ou pela representação dos prazeres anteriormente experimentados, devidos ao mesmo objeto ou a um objeto ou qualidade semelhante. O campo de aplicação desta lei para explicar os valores estéticos tem sido diferentemente fundamentado. Para alguns o efeito do belo é submetido em sua totalidade ao hábito, sendo que a forma mais habitual é tomada como a mais bonita. Essa afirmação, talvez estranha à primeira vista, baseia-se no fato de que de cada espécie do mundo orgânico, a forma que representa uma perfeita média entre os tipos extremos, é considerada como a mais bonita, o cânone de Policleto. Este tipo médio de cada espécie, entretanto, é para o qual a natureza sempre tende, e mesmo que ele não seja o mais numeroso que ocorre no mundo empírico, a sua forma, não obstante, pode ser sentida por interpolação entre os tipos que se afastam da média. Este tipo médio é, portanto, o mais habitual e coincide com o que é considerado como o mais belo.

Este conceito de beleza é sustentado também por Kant, que no entanto considera-o como uma expressão da valoração estética e, notadamente, a menos elevada, deixada atrás pela beleza per eminentiam, que consiste na expressão do bem moral. Kant libertou o conceito da beleza daquela indevida coligação com o costumeiro; mas também outros salientaram que o habitual por si, não pode produzir o efeito do belo se os elementos lembrados por associação não possuem, intrinsecamente, qualidades agradáveis.

A maioria dos estudiosos rejeita a redução do conceito do belo a qualquer outro princípio, como o do habitual, dando ênfase ao mesmo tempo, ao caráter subjetivo e acidental da valoração estética. Spencer aceita o princípio da associação assim subjetiva e acidentalmente compreendido, mas insiste ainda na importância daquelas associações que são devidas à raça e transmitidas ao indivíduo hereditariamente. Recentemente surgiram críticas dessa teoria, enquanto baseada em lembranças conscientes subjetivas e acidentais, que passam a considerar as relações implícitas que existem entre as diferentes ideias como o verdadeiro fundamento das associações.

Crítica: Os associacionistas querem reduzir todos os pensamentos a uma evocação automática. Os adversários do associacionismo defendem que somente se pode aplicar essa tese aos primeiros, mas quanto aos segundos pertencem eles a uma ação original, inventiva do espírito. 

Aristóteles estabeleceu três espécies: 1) associação por contiguidade; 2) por semelhança; 3) por associação. A lei da contiguidade:  quando dois estados coexistiram na consciência, qualquer que seja a causa de tal coexistência, se um deles se apresenta de novo ao espírito, tende a reproduzir o outro. Essa coexistência pode dar-se no espaço ou no tempo, quando os objetos são contíguos no espaço ou no tempo. A lei de semelhança: um estado de consciência qualquer tende a evocar os estados que se lhe assemelham. Sabemos que há variedade de semelhanças, de parecenças. A semelhança pode dar-se na forma, nas relações, no mundo sentimental, como nos artistas. Um músico notará certa musicalidade nas páginas de um livro, segundo a emoção que desperte a leitura que se assemelha à emoção provocada por tal ou qual tom, como Beethoven, ao referir-se a certo livro, dizia que "era sempre maestoso, escrito em ré bemol maior". A lei do contraste: um estado de consciência evoca outro estado de consciência que forma com ele um contraste. O grande evoca o pequeno, como o anão pode evocar o gigante; o branco, o preto, etc.

Dugald-Stewart julgou demasiado simples essas leis de Aristóteles e distinguiu duas espécies de associação: 1) associações lógicas, fundadas nas relações entre ideias e objetos, associações de princípio em consequência de causa e efeito (como a do médico que ao verificar certos sintomas pensa na doença que lhes corresponde); em consequência de meio e fim (o médico pensa em determinado tratamento) e em consequência de gênero e espécie, de substância e modo, e vice-versa; 2) associações acidentais, fundadas nos encontros fortuitos no espaço e no tempo, como as associações por contiguidade, semelhança e por contraste, associações de sinais com a coisa significada.

Para outros psicólogos não há associações lógicas e sim por contiguidade, porque a lógica se origina no ensino e não na evocação, porque é ela um trabalho especulativo da razão, e não um processo natural da memória e da associação, que implica sempre aquela. Já os associacionistas julgam a classificação de Aristóteles demasiado longa e procuram simplificá-la, reduzindo umas associações a outras. Spencer quer reduzir a contiguidade à semelhança, outros a semelhança à contiguidade. Aristóteles considerava que não existe contraste entre dois objetos que pertencem a gêneros diferentes. Tais argumentos permitiram aos psicólogos proporem a redução de umas associações a outras, e seria longo e desnecessário enumerar aqui as polêmicas que travaram entre si. Sintetizando: A associação é um fato de toda a vida psíquica. Tal observação é indiscutível.

As três espécies funcionais, estabelecidas por Aristóteles (a semelhança, o contraste, a contiguidade), apesar das diversas classificações, permanecem sendo as melhores. Daí decorrem as três leis estabelecidas pelos associacionistas: 1) A lei da contiguidade: dois ou três objetos de pensamento são associados no espírito, quando foram percebidos em contiguidade. Foulquié propõe, em substituição a esta lei, o seguinte enunciado: dois ou diversos fatos de consciência se associam mutuamente quando eles coexistiram; 2) A lei de semelhança é enunciada assim: dois ou diversos estados de consciência são associados quando apresentam alguma similitude representativa ou afetiva; 3) A lei do contraste: dois ou diversos estados de consciência são associados quando se opõem ou contrastam entre si.

Há entre muitos psicólogos o intuito de reduzi-las a uma só. Alegam que o contraste é apenas um fato particular da associação, pois pode ser reduzido à semelhança. Só há contraste entre os extremos de uma série, por exemplo entre o virtuoso e o vicioso. Bain afirma "que a sugestão do contraste é um caso da lei da similaridade (semelhança)”. Outros procuram reduzir a semelhança à contiguidade, pois exige e implica um elemento comum aos dois objetos, o que os torna contíguos. César, Napoleão e Alexandre estão contíguos na ideia de conquistadores. Para surgir uma associação é preciso a presença simultânea dos dois objetos no espírito, percebidos portanto, simultânea e contiguamente.

Segundo outros a associação é uma das formas inferiores da vida mental. "Se a associação é um instrumento indispensável à imaginação criadora, é a inteligência que escolhe entre as construções resultantes da atividade associativa, as que se mantêm de pé e que constituem verdadeiras criações. O juízo não consiste apenas em associar objetos ou ideias, mas em perceber relações que os ligam. Enfim, o raciocínio não nos faz simplesmente passar do antecedente ao consequente: ele nos faz ver que do antecedente segue-se necessariamente o consequente. Ao fazer da associação um fenômeno de automatismo psicológico, não rebaixamos a inteligência humana como os associacionistas; nós lhe indicamos, ao contrário, seu domínio próprio e evitamos confundi-la com formas inferiores da vida psíquica". (Foulquié).

Se observarmos bem essas leis, temos muitas objeções a fazer-lhes. Ao pensarmos num fato, não se associam todos os fatos contíguos a esse. Uns vêm à memória, outros não, Há uma escolha. O mesmo se dá com a lei de semelhança. Não nos vêm à mente todas as semelhanças, mas algumas. Se a lei explica as que surgem, como explicará as que não surgem? Além disso muitas ideias evocadas surgem por contiguidade, mas distantes umas de outras, havendo entre elas muitas outras que não são evocadas. É natural que, numa análise, podemos provar que uma ideia evocada estava em contiguidade com outra, por intermédio de uma terceira ou de uma quarta. Mas na verdade toda a nossa vida está assim ligada pelos fatos e acontecimentos que vivemos em geral. A lei de contiguidade, se permite compreender a relação de uma ideia para com outra, não explica porém a associação de modo satisfatório.

No entanto, a associação de ideias é uma necessidade para a vida. A dificuldade em explicá-la consiste no fato de haverem os psicólogos tomado a associação de ideias como algo simples, como uma mera faculdade da memória, quando, na realidade, faz parte de toda a estrutura psicológica do homem. Está subordinada à personalidade, aos contrastes da personalidade, às aspirações, tendências, sentimentos, afeições; enfim a todo o arcabouço psicológico.

Se realmente se dão associações, segundo as três regras de Aristóteles, elas não sucedem de uma forma absolutamente automática. Dentro dos diversos planos da consciência, dos seus diversos aspectos estruturais, as ideias são associadas segundo a condicionalidade dessas estruturas. Como poderíamos compreender a diversidade, a preferência hoje de uma associação por contiguidade, por exemplo, a outra que, amanhã, será preferida se não fosse o ser humano um conjunto de planos de consciência, de estruturas diversas, que ora dão maior relevo a umas e permitem que surjam estas ou aquelas ideias associadas e, noutras ocasiões, permitem outras. É possível que nos animais se verifique esse automatismo na associação de que falam os associacionistas. No homem, porém, dado o caráter de seu espírito, as associações não se processam numa linha geral, invariante, segundo as regras clássicas, mas numa linha variante, condicionada aos planos de consciência.

Verificamos a profunda autonomia das funções do espírito humano. De um lado temos a razão com sua tendência ao semelhante, ao parecido, deste para o igual e deste para o idêntico, como abstração suprema, e por outro lado a intuição, com seu conhecimento do individual e do diferente. A ordenação dos fatos percebidos e das ideias processa-se através de uma classificação do espírito como a razão. O conhecer intelectual é reconhecer o que anteriormente percebêramos. A razão quando conhece classifica, compara. Como há diferença entre todos os objetos do nosso mundo, comparamos o que encontramos repetido, e o que se repete é um aspecto, uma qualidade, uma forma, uma estrutura. Quando conhecemos racionalmente alguma coisa, é porque demos relevo, atualizamos o que é semelhante, parecido, geral, O que é individual, exclusivo, próprio, não conhecemos porque não generalizamos. Assim de cada fato do acontecer cósmico, parte conhecemos e parte desconhecemos. Parte desconhecemos racionalmente, para guardá-la apenas intuitivamente. E parte ainda não nos é conhecida, porque em todo ato de conhecimento há uma seleção, pois quando conhecemos uma coisa, conhecemos apenas certos aspectos. Mas no conhecimento há um interesse, uma modelação por parte de nossas opiniões, por isso é que se fala na sociologia de uma sociologia do conhecimento.

Todo conhecimento é um ato seletivo, como a vida que também é seletiva. Vimos que as nossas ideias são polarizações em que atualizamos um aspecto e virtualizamos o aspecto contrário. Quando pensamos em vertebrados excluímos os invertebrados, quando pensamos no bem necessariamente excluímos o mal. Assim a associação por contraste é também uma consequência da função seletiva do nosso espírito. Além dessa seleção do conhecimento temos uma criada pela estrutura da nossa personalidade, pelas tendências, inclinações, afeições e uma terceira, condicionada pelas nossas condições de caráter social e econômico. Tudo isso nos permite compreender, porque na própria associação de ideias, se dão essas relações que embaraçam tanto os psicólogos. São elas pois que nos explicam porque preferimos uma ideia associada a outra, em vez de uma ideia que estava mais contígua àquela.

Resumindo: as ideias por semelhança e por contraste são consequentes à formação estrutural do nosso espírito; as por contiguidade (que são propriamente as ideias associadas) pertencem mais à memória, mas são selecionadas segundo as condições de nosso caráter, personalidade, aspirações, tendências ou as condições transeuntes, passageiras, manifestadas pelo nosso psiquismo.

Gemelli nos mostra que, no funcionamento de nossa vida psíquica, um centro particular não atua independentemente. As diferentes atividades mentais "exigem a entrada em jogo de numerosos territórios da crosta cerebral", e dessa maneira as localizações cerebrais perdem toda precisão; por outro lado, o mesmo centro nervoso entra nas combinações funcionais distintas, correspondentes a diversos atos psíquicos. Para Goldstein, fisiologista alemão, "o sistema nervoso é um aparelho em que todas as peças se entrosam, e que trabalha sempre em sua totalidade".

Todas as observações feitas pela psicologia patológica, pela psicologia de profundidade, combinadas com os estudos dos fisiologistas e neurologistas nos mostram que o nosso sistema psíquico funciona como um todo. Forma ele, assim, uma tensão global que funciona como um todo, corroborando a lei da totalidade, que é uma lei do existir, embora se atualize qualitativamente diferente, segundo os planos do acontecer cósmico. Tais fatos nos revelam o funcionamento dialético do nosso Nous, do espírito, porque na associação há de qualquer forma uma escolha. E nossa vida psíquica se funciona como um todo, e inclui e implica a identificação total de todas as funções do grande processo psíquico, a nossa consciência trabalha ao inverso por abstração, por separação. Nossa consciência é temporal e sucessiva em seu funcionamento. Ela capta tensões parciais, não totais. Não temos, e eis aqui o papel abstrator da atenção, possibilidade de viver, conscientemente, a totalidade do nosso funcionamento psíquico. Apenas parte é por nós captada.

E estas palavras de Foulquié enquadram-se perfeitamente em nossa teoria das tensões aplicada à psicologia: "essa abstração mostra-se desde a percepção; no dado global da sensação, o espírito não se fixa senão sobre certos elementos, ou antes sobre um forma, que sugerem ou desenham esses elementos. A imagem... não é um decalque da sensação; ela é um esquema dele; ela está no caminho da ideia abstrata". E conclui: "A grande lei da associação é a lei da reintegração ou da totalização, e não a lei da contiguidade: todo estado de consciência forma, desde a origem, um todo que, uma vez experimentado, tende a se reproduzir integralmente". Essa lei já fora prevista por Santo Agostinho, e enunciada posteriormente por Wolf. E é em seus aspectos gerais, não propriamente no específico, a lei da totalidade tensional. É fundado nessas observações indiscutíveis que Foulquié termina por concluir que: "Não há contiguidade na consciência, como o supõe o associacionismo; há somente implicação na corrente total da vida psíquica de um elemento que o espírito isola. A tendência espontânea e automática da consciência consiste, sendo dado um elemento, em restaurar o estado completo no qual esse elemento estava implicado. Em definitiva, a associação tende a desfazer o trabalho de associação do pensamento, em reencontrar o complexo primitivo".

Por isso afirma Jaspers que "tudo na consciência pode ser ligado a tudo". De cada fato o nosso psiquismo constrói um esquema. No entanto, atingido como já temos a fase racional, todo esquema fático é implicado, automaticamente, num conceito ou num grupo de conceitos; portanto num esquema eidético-noético. (2)

(1) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

(2) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.