Verdade

Verdade. Do latim "veritas, veritatis", com o mesmo sentido. Podemos distinguir duas acepções fundamentais do termo. A primeira é a acepção epistemológica, pela qual a verdade é a adequação entre a inteligência e a coisa, e se opõe ao erro. A segunda é a acepção moral, pela qual a verdade é a adequação entre a inteligência e a sua expressão manifestativa e, nesse sentido, se opõe à mentira. 

A verdade moral é a adequação entre aquilo que se percebe da coisa, do fato em si, e aquilo que a respeito dele, se manifesta por qualquer sinal expressivo: o gesto, a palavra escrita ou oral. Quando digo da coisa exatamente aquilo que percebo, posso estar em erro, se minha percepção não foi exata, mas não cometo uma mentira. Esta consiste exatamente em falsear propositadamente a identidade da mente e do sinal que a exprime. Como a verdade epistemológica é a base de toda a Filosofia, de toda a vida do conhecimento, a verdade moral é a base de toda a vida social do relacionamento humano. Nenhum sistema e nenhuma relação humana podem subsistir, seja na família, na profissão, como na sociedade, se o valor da verdade é posto em problema, se a mentira é aceita como meio para atingir qualquer objetivo. A mentira nunca compensa, e o mentiroso acabará, mais cedo ou mais tarde, por ser desmoralizado e repudiado por uma sociedade feita de homens que, para se comunicarem entre si, são obrigados a usar sinais e símbolos. O termo verdade é também usado como significação fundamental da vida humana. É o sentido que recebe, por exemplo, a expressão: descobrir a verdade, que corresponde a uma vivência bem concreta. Na dispersão das atividades que absorvem o nosso dinamismo vital, um dia o homem percebe que o tempo passa, e que ele está embarcado num movimento irreversível que o aproxima irremediavelmente de um fim. Neste momento, ele se interroga sobre o sentido fundamental da vida. Se ele não descobre esse sentido, será cada vez mais abatido pelo tédio ou amargurado pelas decepções. Descobrir a verdade é entender esse sentido, pelo qual ele adquire a certeza inabalável de que a vida vale a pena de ser vivida, e a segurança de que poderá enfrentar o vim com serenidade. (1)

Figura Ilustrativa (2)

Valor de verdade. Na lógica clássica uma proposição pode ser verdadeira ou falsa. No primeiro caso, diz-se que assume o valor de verdade Verdadeiro, no segundo que assume o valor de verdade Falso. A ideia que está por detrás do termo consiste na analogia entre a atribuição de um destes valores a uma variável proposicional (tal como se faz quando se oferece uma interpretação para uma fórmula do cálculo proposicional) e a atribuição de um objeto como o valor de qualquer outra variável. As lógicas com valores de verdade intermediários são chamadas de lógicas polivalentes. (3)

Verdadeiro. Diz-se daquilo que corresponde à verdade, à realidade, ao existente e como tal se impõe à aceitação. Real, evidente. Ex.: juízo verdadeiro. Autêntico, sincero. Ex.: o verdadeiro motivo, o verdadeiro patriota. “Jamais aceitar coisa alguma como verdadeira que não a conhecesse evidentemente como tal” (Descartes, Discurso do Método). Ver verdade. Oposto a falso. (4)

Verdades Primeiras. São proposições ou enunciados considerados evidentes e indemonstráveis. Exemplo: "O todo é maior que suas partes".  Sinônimo de princípio ou axioma. A "verdade primeira" de alguém ou de algum grupo frequentemente designa uma opinião ou um preconceito que não se submete ao questionamento. (4)

Verdades eternas. Designam, na filosofia escolástica, princípios que constituem as leis absolutas dos seres e da razão, emanadas da vontade divina e que o homem pode descobrir pelo pensamento. Exemplo: numa figura de três lados retos, a soma dos ângulos internos é igual a dois ângulos retos; pouco importando se tal figura existe ou não fora do nosso espírito. (4)

Verdades Eternas. A noção de "verdades eternas", tal como admitida e usada por vários pensadores pode ser remontada a Platão, mas é mais apropriado começar com Filon e, ainda mais propriamente,  com Santo Agostinho. Com efeito, podem-se distinguir a noção de "verdades eternas" e outras noções afins como as de "noções comuns", "ideias inatas", "axiomas", "fatos primitivos", princípios evidentes" etc. — todas as quais, além disso, se distinguem entre si. Todas estas noções, incluindo portanto a de "verdades eternas" têm em comum pressuporem que existe uma série de proposições, princípios, "verdades" etc., inabaláveis, absolutamente certos, "universais". Mas a noção de "verdades eternas", pelo menos tal como usada e formulada na expressão latina veritates aeternae, tem, além disso, uma conotação que não se encontra, ou na se encontra sempre, nas outras: a de referir-se a proposições ou princípios imutáveis, necessários, e sempre (ou melhor, eternamente) certos não só porque são evidentes por si mesmos, como também, e sobretudo, porque essa verdade é garantida pela Verdade, ou pela fonte de toda a verdade, isto é, Deus. A noção de "verdades eternas" se parece, pois, mais com a de "razões seminais", muito embora nem sempre coincida exatamente com esta última. (5)

Verdade eterna. Todas são. É um pleonasmo, portanto, mas útil pelo que ressalta. O que é verdade hoje continuará a sê-lo amanhã, senão não seria hoje. Há três árvores no campo: verdade eterna. Daqui a dez mil anos, essas árvores já não estarão lá, nem o campo, provavelmente; mas continuará sendo verdade que estiveram. Assim, a eternidade é o que distingue o verdadeiro do real (ou o tempo, o que distingue o real do verdadeiro). Pois o real muda, no tempo: três árvores, um campo; depois mais nenhuma árvore, mais nenhum campo... Nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio real. Mas que uma vez nos banhamos, será eternamente verdade. Os homens passam, e os rios, e o real... A verdade não passará. O verdadeiro é, assim, a eternidade do real (é por isso que coincidem no presente ): é o real sub especie aerternitatis. Até dá vontade de dizer: e o real, a imagem móvel do verdadeiro. Mas já seria encerrar-se no platonismo. O que cumpre entender aqui, e que é a grande dificuldade, é que o verdadeiro e o real são, na realidade (na verdade), a mesma coisa: porque o tempo nada mais é que o presente, que é a própria eternidade. (6)

Verdade. A palavra "verdade" designa uma família de conceitos mutuamente irredutíveis (não interdefiníveis). Distingamos as seguintes verdades: formal, fatual, moral e artística. a. Formal — Uma fórmula em matemática abstrata (e.g, teoria dos conjuntos, topologia geral e teoria dos grupos) é formalmente verdadeira se e somente se puder ser satisfeita em algum domínio (ou sob alguma interpretação). b. Fatual — A verdade fatual tem sido tradicionalmente caracterizada como a adequação ou o ajustamento de ideias à realidade. Isto não é uma definição e muito menos uma teoria, porém tão-somente uma descrição metafórica. Em acréscimo a uma definição ou a uma teoria do conceito de verdade como correspondência, necessitamos de um critério de verdade, isto é, de uma regra para decidir se uma dada proposição fatual é verdadeira ou falsa (completamente ou em alguma extensão). c. Verdade moral — Esse conceito tem sentido no contexto do realismo moral. Por exemplo, "A opressão e a exploração são malévolos" é uma verdade moral dentro de uma moralidade humanista, e "A impiedade é pecaminosa" é uma verdade moral numa moralidade religiosa. d. Verdade ficcional — No contexto de O Mercador de Veneza é verdade que Otelo mata Desdêmona. Mas, sem dúvida, trata-se de personagens ficcionais, de modo que a verdade ficcional (em particular artística) é não fatual. Nem é formal, porque peças não são teorias matemáticas. Mas ela pode ser moral, como o são algumas parábolas bíblicas. (7)

Verdade, Teorias da. A noção de verdade ocorre com notável frequência nas nossas reflexões sobre a linguagem, o pensamento e a ação. Estamos inclinados a supor, p. ex., que  a verdade é o objetivo genuíno da investigação científica, que as crenças verdadeiras nos ajudam a atingir nossos fins, que compreender uma frase é saber quais circunstâncias a tornariam verdadeira, que a característica distintiva do raciocínio válido é a preservação fidedigna da verdade quando se raciocina sobre premissas para uma conclusão, que as afirmações morais não devem ser vistas como objetivamente verdadeiras, e assim por diante. Com vista a  avaliar a plausibilidade de tais teses, e com vista a refiná-las e explicar por que elas são corretas (de forem corretas, precisamos de uma teoria acerca daquilo que a verdade é — uma teoria que explica sua propriedades e sua relações com outras matérias. Assim, na ausência de uma boa teoria da verdade poderá haver pouca possibilidade de compreender as nossas faculdades mais importantes. (8)

(1) ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro: M.E.C., 1967.

(2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

(3) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. 

(4) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

(5) MORA, J. Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2004.

(6) COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 

(7) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

(8) BRANQUINHO, João, MURCHO, Desidério e GOMES, Nelson Gonçalves. Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos. São Paulo: Martins Fontes, 2006.