Múltiplo e Um

Múltiplo e Um. Múltiplo significa o numeroso, multiplicado. Uma das providências mais importantes do sistema socrático-platônico é sem dúvida a solução da oposição entre o Um e o múltiplo. Ou reduz-se o múltiplo ao Um, como se vê no eleatismo parmenídico ou, então, é reduzido o múltiplo a alguns elementos simples. O que, no entanto, sempre se pretendeu na filosofia foi a redução do múltiplo ao Um, da variedade à simplicidade, da heterogeneidade à homogeneidade, por uma natural exigência da razão, função homogeneadora e sintetizadora por excelência.

Tais tentativas porém detêm-se ante outras aporias. Ao desejar fugir de uma aporia, a solução desta prepara quase sempre o caminho para encontrar outras e numerosas, e quando o espírito humano aquieta-se neste ou naquele filósofo que julgou encontrar o ponto definitivo de seu sistema, eis que se alçam novas dificuldades, novos obstáculos a superar, novas aporias a desafiar a inteligência e a provocar muitas vezes retornos a velhos pontos de partida, à semelhança do castigo de Sísifo que muito bem simboliza o esforço humano na procura da verdade através do caminhos da filosofia. Observamos no processo histórico da filosofia velhas doutrinas surgirem em novos avatares, exigentes de novas pesquisas e com a promessa de novas possibilidades.

A solução socrática das formas separadas não surge apenas de um desejo de solucionar a oposição do um e do múltiplo mas, sobretudo, por compreender que o fluxo do fieri, do vir-a-ser, do devir das coisas, exigia uma verdade estável, um logos imutável, como também o compreendeu Heráclito, o que tem sido virtualizado quase sempre com grave prejuízo para a melhor compreensão do pensamento do efesino.

Tomás de Aquino em De Substantias Separatas (cap.1) diz que a alma humana por ter um intelecto está em condições de conhecer a verdade. E quando a inteligência conhece a verdade, apreende um objeto que se encontra à parte do mundo das naturezas sensíveis. Foi também o que levou Platão a admitir a existência de realidades separadas das coisas sensíveis.

A luta contra o cepticismo e contra os fisiólogos levou o pensamento socrático-platônico a procurar a solução das aporias, o que o colocou no problema da participação (metexis). Esta gira, nesse pensamento, em torno da realidade das formas que é inegavelmente o ponto central do sistema, mas que só pode ser compreendida na proporção em que seja esclarecido o tema da participação. (1)

(1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.