Conflito

Conflito. Relação entre dois poderes ou dois princípios cujas aplicações exigem num mesmo objeto determinações contraditórias. Há, em particular, conflito de deveres quando, na sua moral aplicada, um mesmo ato parece ao mesmo tempo legítimo e ilegítimo conforme a regra com a qual se relacione. Pode haver conflito de uma única autoridade com ela mesma se ela não puder aplicar-se a um objeto dado sem desembocar numa contradição. "O conflito da razão consigo mesma" (Kant) é o conjunto das contradições em que a razão se compromete quando se esforça por encontrar nos fenômenos um incondicional de que dependeriam todos os condicionados. Crít. da razão pura, Dialét-transcend., cap. II cf. Antinomia

A expressão "conflito de tendências" é usual em psicologia e em psicanálise, especialmente no que concerne aos conflitos entre o consciente e o inconsciente nos fenômenos de recalcamento. (1)

Conflito. Designa no sentido geral qualquer oposição marcada, eventualmente violenta, entre poderes ou tendências contraditórias que pretendem exercer seu domínio no mesmo campo. Será possível dessa maneira evocar tanto um conflito armado entre dois Estados quanto o conflito de gerações, um conflito de civilizações, tanto quanto um conflito de deveres. Kant denomina "conflito da Razão consigo mesma" as contradições nas quais ela se desencaminha tentando encontrar um incondicional no qual dependeriam os fenômenos condicionados. 

No vocabulário de psicanálise, o conflito entre as exigências do Ego e do Id ou do Superego pode ser gerador de neuroses se não for deslocado do inconsciente para a consciência. (cf. antinomia, consciência moral) (2)

Conflito. Definido como uma contenda a respeito de valores, ou por reivindicações de status, poder e recursos escassos, na qual os objetivos das partes conflitadas são não apenas obter os valores desejados mas também neutralizar seus rivais, causar-lhes dano ou eliminá-los, o conflito pode ocorrer entre indivíduo ou entre coletividades. Os conflitos não são sempre, de forma alguma, "fatores negativos" a minar a vida coletiva. Em geral contribuem para a manutenção e o crescimento de grupos e coletividades, bem como para reforçar relações interpessoais. 

Diferença entre conflito e competição. Conflito assemelha-se a uma luta de boxe; competição, a uma corrida. 

Filósofos e cientistas sociais sempre se mostraram divididos na avaliação do conflito, desde a Antiguidade. Nos tempos modernos, há dois campos: os que afirmam que os conflitos deveriam ser encarados como fenômeno patológico, como sintomas de doença no corpo social; e os que defendem a ideia de que os conflitos são formas normais de interação social e que podem contribuir para a manutenção, o desenvolvimento, a mudança e a estabilidade geral de entidades sociais. Na sociologia moderna, o primeiro ponto de vista é representado por Émile Durkheim e Talcott Parsons, e o segundo pode ser encontrado no pensamento hegeliano e marxista, mas também no darwinismo social e entre os teóricos da elite, como Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca. 

Hoje em dia, em sociologia — embora nem sempre tenha sido esse o caso — existe uma tendência do pensamento conservador a enfatizar as funções negativas do conflito e dos radicais, a celebrá-lo como um veículo de transformação social.

Em sociedades abertas, pluralistas, é provável que os conflitos tenham consequências estabilizadoras. Nas estruturas rígidas, os conflitos tendem a ser suprimidos, mas têm probabilidade de ser altamente desagregadora, se e quando ocorrem. 

Paz social e hostilidades sociais, conflito e ordem são fenômenos correlatos. 

A busca da eliminação do conflito na sociedade humana está destinada ao fracasso. O conflito é parte inerradicável da vida conjunta dos seres humanos; é um componente tão fundamental da associação humana quanto a cooperação. Os duelos, que um dia foram um componente vital do estilo de vida aristocrático, desapareceu por completo. As greves violentas nos conflitos entre trabalho e direção industrial, no século XIX e início do século XX, são hoje coisa do passado, com muito poucas exceções. Canalização dos conflitos antagônicos — minimizar o sofrimento e os custos impostos aos seres humanos. Se hoje a guerra nuclear tornou-se impensável, da mesma forma amanhã outras formas odiosas de guerra, mesmo que nem todas o seguem, podem não vir mais a custar vidas humanas. (V. opressão, violência) (3)

Conflito. Presença simultânea de impulsos, desejos, interesses (motivos) opostos ou mutuamente exclusivos. O estado conflitual resulta, então, da oposição de motivos e tem a caracterizá-lo a ansiedade. (4)

Conflito e Defesa. A divisão tripla de Freud para a personalidade: inter-relação entre nossos impulsos biológicos (o id), as ordens e proibições da sociedade (o superego) e as várias maneiras em que aprendemos a satisfazer o primeiro enquanto regulamos o segundo (o ego). 

Quando queremos fazer alguma coisa, mas sabemos que não podemos ou não devemos  — e isso garante que haverá um conflito frequente entre as forças opostas. Qual é a origem desse conflito? Uma criança faz algo proibido e seus pais repreendem ou punem. A criança pode se sentir arruinada com a perda do amor dos pais e fica ansiosa com isso. Esta ansiedade deixa sua marca. Numa próxima vez poderá sentir essa ansiedade, um lembrete interno da perspectiva de que seus pais possam castigá-la e que seja abandonada. 

Mas como a criança poderá enfrentar um perigo interior — uma fantasia negativa, um desejo proibido? Para acalmar a sua ansiedade, a criança deve suprimir os pensamentos que a desencadearam, tirando-os da visão consciente. Em suma, o pensamento deve ser reprimido. 

A repressão serve como o principal mecanismo de defesa protegendo o indivíduo da ansiedade. Porém, a repressão muitas vezes é incompleta. Os pensamentos e impulsos escondidos podem se recusar a permanecer enterrados e voltar à tona. Porém, assim como eles, volta a ansiedade a que estão associados. Como resultado, diversos outros mecanismos de defesa entram em jogo para reforçar a barreira original contra os impulsos proibidos. 

Um desses mecanismos é o deslocamento — um processo pelo qual impulsos reprimidos encontram novas saídas, muitas vezes disfarçadas, saídas essas que não são mais aceitáveis para o ego e o superego. Um exemplo é a criança disciplinada pelos pais e que desconta sua raiva em uma boneca. (5)

Conflito. (do lat. part. pass. do verbo confligo, chocar-se uma coisa com outra e, figurativamente, pôr-se frente a frente, confrontar). a) Na filosofia é a relação que se estabelece entre dois poderes ou dois princípios que atuam sobre o mesmo objeto, como determinantes opostos, contrários.

b) Na psicologia é o conflito de ideias, em competição de emoções, de tendências de ação, etc.

c) Na psicologia psicanalítica, este termo é muito usado para qualificar o choque de ideias ou tendências opostas, das quais algumas são intoleráveis à consciência e repelidas para o subconsciente. (6)


(1) LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia. Tradução por Fátima Sá Correia et al. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

(2) DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.

(3) OUTHWAITE. W. e BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro, Zahar, 1996.

(4) DORIN, E. Dicionário de Psicologia. São Paulo: Melhoramentos, 1978.

(5) GLEITMAN, H., REISBERG, D. e GROSS, J. Psicologia. Tradução de Ronaldo Cataldo Costa. 7. ed., Porto Alegre: Artmed, 2009.

(6) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.