Fins e Meios

Fins/Meios. A propriedade distintiva da ação deliberada é que ela procura atingir fins definidos (metas, propósitos) por meios definidos. Enquanto alguma filosofia veem apenas os meios, outras só enxergam as metas. O formalismo, o metodismo e o contratualismo exemplificam o primeiro, ao passo que o pragmatismo e o utilitarismo indicam a última. Em particular, a máxima “os fins justificam os meios” é pragmática. O agatonismo exige que ambos, meios e fins, sejam avaliados tanto moral quanto praticamente.  (1)

Fins/Meios. O fim de uma ação é aquilo em função do qual ela é realizada; o meio é a maneira apropriada para atingir o fim. A distinção surge em conexão com diversos princípios morais (não devemos fazer mal em função do bem; quem quer o fim quer os meios; as pessoas devem ser sempre tratadas como fins e nunca unicamente como meios), mas sua aplicação nem sempre é clara. Podemos nós, por exemplo, tratar uma pessoa como um simples meio se esta quiser ser assim tratada, correspondendo assim à sua vontade? Ver também princípio do efeito duplo; raciocínio instrumental. (2)

Fins/Meios. (fim vem do lat. finis, limite, fronteira, em gr., oros. Daí finito, definitio, diorix, em gr., de onde infinitus, aoristós). Tema de máxima importância nos estudos éticos cujo esclarecimento é imprescindível.

A ideia de fim opõe-se à de começo e designa o termo, o ponto de acabamento do que começa, o ponto de acabamento de uma ação (teleuté). Em oposição a meio, o termo fim toma o sentido de o resultado para o qual tende uma ação ou uma agente. Dizia Pitágoras que todas as coisas finitas podem ser medidas, triadicamente, pelo começo, meio e fim. As mesmas coisas podem ser, segundo os aspectos e relações, meios e fins. Assim o salário é o fim do operário que trabalha, e é o meio de adquirir bens necessários. Por outro lado, o meio pode tornar-se um fim, como o avarento que guarda o dinheiro para com ele poder adquirir os bens necessários, transformando-os num fim. Numa ação, os fins podem ser diversos e variados, segundo as fases da ação: imediatos e mediatos; próximos e remotos.  Ao remontarmos aos fins, alcançaremos um fim último.

Diz-se que uma coisa é útil, quando tem ela utilidade, isto é, quando é usável como meio para obter um fim. O valor de utilidade de uma coisa é proporcionado à capacidade dessa coisa, usada como meio para favorecer a obtenção de um fim. Se esse fim a ser obtido é uma necessidade física, a utilidade da coisa será física; se econômica, será econômica; se ética, será ética. Rigorosamente, dentro dos princípios ontológicos, o logos da utilidade só pode ser este. Consequentemente, a utilidade é um meio e não um fim. É a capacidade de permitir a obtenção desse fim que marca o grau valorativo de uma utilidade. Assim sendo, a roupa é útil porque cobre nosso corpo e evita as intempéries; a luz é útil porque, por meio dela, podemos ver. O grau de utilidade, portanto, de uma coisa, é proporcionado à aptidão que essa coisa terá de, como meio, satisfazer a obtenção de um fim. Há, assim, utilidades manifestas, captadas por nós, como as há desconhecidas. A utilidade de uma coisa está virtualmente na coisa, nas suas relações atuais e possíveis com outras.

Se a utilidade é um meio, como pode ser considerada um fim?

O que não nos serve de meio para alcançar um fim é inútil para ele. São portanto relativas as ideias de utilidade e de inutilidade, pois o que é útil para isto é inútil para aquilo; o que é útil para este é inútil para aquele. E considera-se nocivo não o que não leva ao desejado (inútil), mas o que leva ao contrário do fim (ao prejudicial). Fundamentar a ética deste modo é, portanto, falso e pecam de falsidade todas as concepções utilitaristas, pois fundamentam o ato ético apenas na utilidade, assim ao tender para um fim, a posse desse fim almejado dá o gozo da satisfação alcançada. O prazer revela-se na via que alcança o fim, na aproximação e na posse final dele e está vinculado à via que percorre o que é útil para alcançar o fim. Há, assim, prazeres sensíveis, intelectuais, estéticos, etc., e também éticos.

Se o prazer surge da aproximação da posse ou da posse do bem desejado, não é ele que valoriza o bem, mas é este bem desejado que o valoriza. Portanto, como fundamentar a ética do prazer? Neste caso o valor ético estaria no que dá prazer, quando, na verdade, o prazer revela-se na posse máxima ou atual do que tem valor. Quando a satisfação é espiritual, recebe o nome de alegria. O prazer não é a medida do bem de algo, mas o bem de algo é que lhe dá a sua medida. E como o bem de algo, axiologicamente, além de ser em si mesmo, é proporcionado à satisfação de uma necessidade que pode dar a outrem, a posse do valor mais alto dará, consequentemente, o maior prazer.

É comum, contudo, o ser humano enganar-se, julgando que o valor de utilidade seja o fim ético do homem. Se as coisas úteis são desejadas, o são por serem úteis, mas são úteis na proporção que satisfazem a posse de um fim desejado.

Como o homem constrói o esquema: o fim desejado — coisa útil para alcançá-lo — prazer da posse, a simples presença da coisa útil pode oferecer um prazer, mas daí considerar que a ética é fundamentalmente utilitária, seria reduzi-la a fundar-se num ser relativo, cuja positividade não lhe é própria, mas dependente do que lhe dá positividade, o fim desejado, pois o que é útil, o é relativamente ao fim que pode satisfazer. Se o homem encontra prazer no emprego da coisa útil, esse tem seu fundamento na posse prometida do fim desejado. Acentuar e atualizar apenas esse prazer do útil é cair numa posição utilitarista e eticamente falsa, pois buscaria apenas o prazer de gozar o prazer do útil. Aqueles que consideram que o sumo bem é embriagar-se de prazeres, tomam os meios pelos fins.

Há prazeres sensíveis e prazeres intelectuais. Não se poderia por nos sensíveis o fim da ética, pois se eles nos dão prazer, dão-nos por tender a uma satisfação natural, à posse de um bem natural. Comer sacia a fome, atende a um fim natural, cujo fim alcançado dá prazer. A fome é um desprazer, mas que acentua o prazer da comida, porque esta, ao mesmo tempo que sacia aquela, também a estimula. No ato de comer há uma oscilação entre prazer-desprazer até o gozo final da satisfação plena da necessidade. Satisfeita essa, teimar em comer seria desprazeiroso. Consequentemente se vê que o prazer está ligado ao fim e não ao meio. Todos os prazeres sensíveis estão limitados à posse do fim desejado e, exacerbados, tornam-se desprazeres. Se tentar-se ultrapassar os seus limites, põe-se em risco a vida. Tomado em si, não é eticamente repudiável; ao contrário, ele é eticamente justo, enquanto corresponde à satisfação natural de um fim desejado. O que é repudiável no prazer sensível é o seu exarcebamento, quando ultrapassa as medidas naturais, e põe em risco outros bens maiores do ser humano. Os limites do prazer sensível, limites marcados pela própria natureza, revelam que não podem ser eles os fins éticos. Se o prazer fosse o fim ético, aquele que mais prazeres gozasse seria o ser eticamente mais elevado.

Estaria o fim ético nos prazeres intelectuais? À primeira vista parece não haver dúvida, porque desenvolver as faculdades intelectuais dá um prazer por alcançar um fim desejado, e com a diferença de nunca saciar de modo algum. O prazer de saber alcança-se ao saber, mas um saber alcançado não satisfaz a ânsia de saber. E sempre esse desejo é insatisfeito, abre as portas a uma nova insatisfação. Já o mesmo não se poderia dizer do prazer sensível, pois satisfeito este, pode criar a insatisfação de não ter novas satisfações pelos limites sensíveis. Mas a nova insatisfação pode não encontrar uma satisfação, porque há limites no sentir. Nos prazeres intelectuais a satisfação é sempre possível, sem desgaste, sem oferecer perigos nem destruições.

A perfeição da natureza sensível não pode ser o fim ético, como também não o pode ser a perfeição do entendimento. No entanto algo de positivo há naqueles que defendem que o fim da ética é o utilitário, como há nos que defendem que é o prazer sensível, outros o intelectual. Mas como é possível tratar de tais aspectos sem estabelecer-se, previamente, os fundamentos do dever-ser humanamente ético? Vide Ética. (3)


(1) BUNGE, M. Dicionário de Filosofia. Tradução de Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectivas, 2002. (Coleção Big Bang)

(2) BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes. Tradução de Desidério Murcho ... et al. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

(3) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.