Individualidade

Individualidade. O que constitui o indivíduo, o conjunto das qualidades, caracteres, que dentro da mesma espécie distinguem um ser de outro ser. Vide Indivíduo.

Crítica da individualidade - Diz-se que é indivíduo, o que é in-divisível, e não in duum (dois), o que não pode ser dividido em muitos. Verifica-se que uma coisa individua sob um aspecto, não o é sob outro. Portanto o verdadeiro conceito de indivíduo é o que, sob uma mesma razão, não pode ser dividido em muitos. Diz-se que é indivíduo o que é tomado de modo a ter o caráter de indivíduo; assim se pode individuar determinadas coisas, quando tomadas sob uma totalidade individual, cuja ação se chama individuação. O indivíduo pode ser a parte rei, objetivamente, quando a sua indivisibilidade é em si mesmo (indiviso in se), e distinto dos outros (et diviso a quolibet alio).

As seguintes notas caracterizam a individuação:

1) Incomunicabilidade -  A individuação em sua singularidade, enquanto tal, é incomunicável a outros: Sócrates, enquanto Sócrates, é Sócrates.

2) Indivisibilidade - Não pode ser dividido em partes segundo a mesma razão.

3) Distinguibilidade - É distinto de qualquer outro e não é outro que si mesmo.

4) Irredutibilidade - O conceito de indivíduo não se reduz ao gênero nem à espécie. Apenas se afirma que o gênero e a espécie nele se dão. Contudo, o conceito de indivíduo não se reduz à espécie nem ao gênero. Sócrates, enquanto Sócrates, não se reduz ao gênero animal, nem à diferença específica racional. Há algo que transcende ao universal, que é uma

5) Diferença absoluta -  A diferença histórica da própria singularidade, que é única.

Chamam-se notas individuantes aquelas que distinguem um indivíduo de qualquer outro. Os antigos reduziam-nas, quanto ao indivíduo, nos seguintes versos:

Forma, figura, locus, tempus, stirps, patria, nomem:

Haec ea sunt septem, quae non habert unus et alter.  

O tema do indivíduo originou inúmeros trabalhos filosóficos e foi matéria de análise. Duas são as posições genéricas: 1) que a individuação é real a parte rei, objetivamente; 2) que a individuação é apenas um ente de razão. Se alguém se coloca na primeira posição terá de buscar qual o fator de individuação extra mentis; se se coloca na segunda, esse fator será buscado na mente humana. Partindo-se da singularidade que é evidente na nossa experiência, verifica-se que é ela indubitável para todos. Se se nega a singularidade ter-se-á que afirmar que a única realidade é a universal, posição que não tomaria nenhum universalista, nem muito menos nenhum daqueles que negam a realidade da universalidade.

Para Aristóteles, a realidade é composta de singularidades. Posição de todos os que partem do empirismo e da posição científica moderna. De qualquer modo admite-se que, pelo menos numericamente, os entes se distinguem uns dos outros, pois entes da mesma espécie e que nos parecem idênticos, seriam distintos numericamente e, também, se materiais, distintos quanto às condições cronotópicas. Mas o problema surge quando se quer precisar qual o princípio da individuação.  Esse princípio tem de ser intrínseco à coisa individuada, deve-lhe pertencer. Deve ser uma razão pela qual a coisa se individue, princípio radical que seja o seu fundamento, de modo que ela seja esse indivíduo determinado e singular, que seja predicado de um só e de nenhum outro. O que individualiza Sócrates é o que podemos apenas predicar-lhe, e de nenhum outro ente humano. Resumo das posições que postulam o princípio de individuação:

a) Durando afirmou que era a forma substancial. Esta parece ser a posição de Avicena e Averróis.

b) Para outros é a existência, o exercício de ser do ente singular.

c) Para os tomistas provém da matéria e da quantidade, mas há variações de relativa importância. Para outros é materiam signatam quantitate (a matéria assinalada pela quantidade), posição que, com variações de menor importância, é aceita por todos os tomistas.

d) Para os suarezistas e escotistas, o princípio da individuação é a entidade da coisa. Não há na coisa algo distinto de si mesma, que lhe dê a individuação. É ela mesma em sua própria entidade que se individúa. Seu próprio ser é o princípio de sua própria individuação. É a afirmação de si mesmo que faz que o ente seja indivíduo. Esta posição afirmaria que a matéria, apenas assinalada pela quantidade, não seria o fator de individuação, mas sim esta matéria, com esta determinação quantitativa, ou este ser em sua existencialidade, ou este ser possível enquanto ele mesmo. O que dá a individualidade é a própria afirmação de si mesma. E esta posição que é positiva corresponde melhor à posição concreta, que é a nossa, razão pela qual passaremos a demonstrar a sua apoditicidade.  

O que individualiza, em primeiro lugar, deve ser intrínseco ao ser. E que há de mais intrínseco em um ser que o seu próprio ser? Todo ser forma uma unidade, mas o que forma esta unidade é o próprio ser do ser. Na Summa Theologica (I q. 14 a. 1) afirma Tomás de Aquino: substantia individuatur per seipsam (a substância se individua por si mesma). Na individuação é a haecceitas (a qualidade de ser haec, isto aqui), que é o seu princípio, a heceidade.  A afirmação da individuação não nega a realidade da universalidade, porque a individuação do ente, enquanto ele, não implica que não possua notas em comum com outros. Quando nominalistas e existencialistas negam a universalidade pela afirmação da individualidade, comprovam que apenas confundiram o princípio de singularidade e o de individuação com o fator de universalidade, que é a forma. (1)

Indivíduo. (do lat. individuus, o que é in, não dividuum, não divisível, o inseparável). a) Individua corpora eram os átomos. Significa o que, sob a mesma razão, não pode ser dividido em muitos.

b) Os gregos chamavam os indivídua de átomos (de a, alfa privativa, e tomé, parte, o que não tem partes, o que é impartível, insecável, de seccare, cortar) Neste sentido indivíduo é o impartível, inseparável.

c) Emprega-se o termo na filosofia para expressar o que de certo modo, sob algum aspecto, é dado como um todo, mas distinto dos outros. Essa individuação que realizamos, ou seja a ação de individuar funda-se na realidade do aspecto específico, que se apresenta como uma totalidade, um todo, mas uma unidade impartível. Assim o aspecto formal de alguma coisa, a humanitas no homem tem um certo aspecto individual, porque é ela uma formalidade e, enquanto tal, uma unidade impartível. Todo conteúdo de pensamento, que forma uma totalidade, apresenta-se como individuado e é um indivíduo nesse sentido, pois não é susceptível de redução às suas partes, não é um composto, como o número 5 forma uma individuação, não é a soma de 3 mais 2 que o forma, mas em si mesmo, em sua formalidade, é uma totalidade unitária.

d) Na psicologia e na biologia, indivíduo é um só organismo, o tipo geral de uma espécie, ou até a célula que compõe o organismo.

e) Chama-se também de indivíduo o ser humano enquanto um todo. E é neste sentido que o termo é usado comumente quando não leva nenhuma qualificação.

f) Na lógica é individual, o termo que se refere a uma singularidade.

g) Na sociologia são as individualidades (pessoas ou grupos) que compõem as sociedades. (1)


(1) SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.