Mecanicismo / Mecanismo

Mecanicismo/mecanismo. Do latim tardio mechanisma, invenção engenhosa, máquina. 1. No pensamento moderno, principalmente com Galileu, Descartes, Newton, dá-se a substituição das teorias organicistas de Aristóteles e da escolástica por uma concepção de espaço geometrizado, no interior do qual as relações entre os objetos são governadas deterministicamente por uma causalidade cega. A natureza passa a ser considerada como uma “máquina”, um mecanismo em funcionamento. Os fenômenos físicos seriam assim explicados pelas leis do movimento. 

2. O próprio corpo humano, na concepção dualista de Descartes, é visto como uma máquina, animada pela alma: “Suponho que o corpo não é senão uma estátua ou máquina... Todas as funções que atribuo a essa máquina... seguem-se naturalmente da pura disposição de seus órgãos, da mesma forma como ocorre... com os movimentos de um relógio” (Descartes). Oposto a vitalismo.

3. Em um sentido estrito, o mecanicismo é a filosofia que se explicitou no início do século XVII, postulando que todos os fenômenos naturais deveriam ser explicáveis, em última instância, por referência à matéria em movimento. Em seu sentido metafísico, o mecanicismo sustenta que o movimento da matéria exige, para se conservar, não somente uma garantia de sua duração, mas um princípio de sua emergência; nesse sentido, não é incompatível com uma teologia, por admitir a figura de um Deus criado. (1)

Conceito de mecanicismo. Em sentido estritamente cartesiano, é a teoria filosófica segundo a qual todos os corpos se explicam através e somente através de dois princípios: a matéria homogênea e o movimento local. Concebida a matéria como inerte, um dos problemas da teoria é o de explicar como nela se instala o movimento. A questão conduz necessariamente ao tema da causalidade. Em seu exame, desde logo se revela certa incompatibilidade entre a perspectiva mecanicista e a ideia de causas finais, não obstante os esforços de conciliação realizados por Leibniz ou por Bérgson. De qualquer modo, revela-se o conceito de causalidade eficiente como o que lhe proporciona fundamentação mais aceitável. Daí os dois grandes problemas do mecanicismo: (1) determinar o modo de operação das causas eficientes; (2) precisar as leis do movimento. 

O mecanicismo em biologia. Fixado o sentido da doutrina, convém que se proceda à sua análise no domínio da biologia. Nessa área, a perspectiva opõe-se às diversas formas assumidas pelo vitalismo, neovitalismo, organicismo, emergentismo etc. A tese central é a de que o organismo se assemelha à máquina, ainda quando de grau bem mais elevado de complexidade. Não haveria, então, princípio novo como recurso utilizado para a explicação do funcionamento dos seres vivos. Permanece válida a ideia de que tudo se explica em termos de pura extensão e simples movimento local. 

Para Descartes, a biologia reduz-se a um simples capítulo da mecânica. Mas, admitida no homem uma composição dualista, Descartes não atingiu posição radical. Tal radicalização foi possível através de um silogismo histórico, em que a premissa maior se emitiu com Descartes (todos os animais são autômatos), a menor com Darwin (o homem é um animal) e a conclusão com Watson (todos os homens são autômatos). Tanto a biologia contemporânea quanto a psicologia derivada do movimento behaviorista revelam-se preponderantemente estruturadas em bases mecanicistas. 

Críticas. Bérgson, em A evolução criadora, objeta a lógica do mecanicismo. Ele demonstra a incompatibilidade entre os processos biológicos e a simples redução deles a atividades físico-químicas. Ernest Nagel, entre os críticos da ciência, apresenta razões válidas a seu favor, embora admitindo que a redução dos processos biológicos a fenômenos físico-químicos não constitui condição necessária e única para sua adequada investigação. Há restrições no campo da psicologia. 

Em verdade, o mecanicismo clássico, sob qualquer de suas formas, que procura explicar os fenômenos naturais segundo um modelo mecânico, entrou em crise, senão em agonia. As modernas noções de "estrutura", de "campo", de "função", demonstram a insuficiência das explicações baseadas na noção de uma causalidade linear. Nada impede que sejam validas as interpretações mecânicas dos fenômenos, sem o simplicismo da concepção mecanicista radical que só vê na natureza corpos em movimento. (2)

(1) JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

(2) ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL. São Paulo: Encyclopaedia Britannica, 1987.