Salmo Responsorial 65(66) R- Aclamai o Senhor Deus, ó terra inteira.
Evangelho: João 6,44-51
Naquele tempo, disse Jesus à multidão: 44Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai. E eu o ressuscitarei no último dia. 45Está escrito nos Profetas: `Todos serão discípulos de Deus.' Ora, todo aquele que escutou o Pai e por ele foi instruído, vem a mim. 46Não que alguém já tenha visto o Pai. Só aquele que vem de junto de Deus viu o Pai. 47Em verdade, em verdade vos digo, quem crê, possui a vida eterna. 48Eu sou o pão da vida. 49Os vossos pais comeram o maná no deserto e, no entanto, morreram. 50Eis aqui o pão que desce do céu: quem dele comer, nunca morrerá. 51Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo'. Palavra da Salvação.
Meu irmão, minha irmã!
At 8,26-40
A leitura narra o encontro de Felipe com o eunuco. É um encontro cheio de significados.
Pela estrada deserta e pouco frequentada, Filipe vê um viajante. Ele é um eunuco núbio, ministro das finanças da rainha. Filipe logo percebeu que essa pessoa importante voltava de uma peregrinação a Jerusalém e, por isso, devia ser um simpatizante da religião judaica.
Ao se aproximar, essa suspeita deve ter dado lugar à certeza. Ele ouve o eunuco ler o profeta Isaías. Naquela época, a leitura somente era possível em voz alta. A leitura com os olhos foi uma “invenção” bem posterior. Até no século V, a leitura em voz alta era o costume. Por muito tempo, os cristãos conheceram a Escritura mais pelos ouvidos do que pelos olhos.
Esse detalhe parece banal, mas não o é: o cristão (discípulo missionário da Palavra) é ouvinte da Palavra. Para o mundo bíblico, a relação pessoal com Deus, nesta vida, se dá pela escuta da sua Palavra. Somente na Glória, poderemos ver a Deus face a face. Trata-se, de uma concepção bíblica fundamental e quase esquecida em muitas de nossas comunidades: a escuta é a dimensão por excelência da espiritualidade bíblica.
A Palavra de Deus é escutada não somente com os ouvidos, mas sobretudo com os ouvidos do coração (obediência). Na espiritualidade bíblica há uma insistência sobre a escuta (obediência): “Escuta, Israel!” (Dt 6,4). A escuta sobrepõe a receptividade à atividade; a prioridade é da escuta e não da visão. Escuta não no senso meramente sensitivo, mas no senso de abertura do coração. Nesse sentido, é preciso devolver, na liturgia e na espiritualidade, a primazia do ouvir a Palavra. “
O Espírito disse a Filipe: ‘Aproxima-te e junta-te à carruagem’. Correndo, Filipe a alcançou. Ouvindo que lia a profecia de Isaías, lhe perguntou: ‘Entendes o que está lendo?’. Respondeu: “Como vou entender, se ninguém me explica?”
É a segunda vez que o texto menciona que o eunuco “lia” a profecia de Isaías. O eunuco é um homem culto: não somente sabe ler! Lê um rolo de pergaminho com o texto de Isaías adquirido talvez em Jerusalém. Não somente um homem de letras, mas um sincero simpatizante da religião judaica: empreendeu uma longa viagem para peregrinar até o templo de Jerusalém; permaneceu no átrio dos pagãos, comprou um rolo de Isaías, e voltava lendo o pergaminho. As atitudes desse eunuco deixam claro quanto amor ele tem pela fé de Israel, mesmo que não tenha se circuncidado.
Filipe reconhece de ouvido e de memória o texto lido: certamente Filipe o tinha escutado (não lido com os olhos) várias vezes nos ofícios sinagogais de sua terra. A profecia de Isaías tinha penetrado nos seus ouvidos, no seu coração e na sua memória, por isso, de imediato, reconhece o que o Eunuco está lendo. Bastam poucas palavras para reconhecer todo o texto.
Como cordeiro levado ao matadouro, como ovelha muda diante do tosquiador, da mesma forma ele não abriu a boca. Humilharam-no, negando-lhe o direito; quem meditou em seu destino? Pois arrancaram da terra a sua vida (Is 53,7-8; LXX).
O poema do servo paciente descreve, contra a doutrina da retribuição, o sofrimento de um inocente e o escândalo da prosperidade dos pecadores. O sofrimento desfigura o servo e os outros interpretam suas dores como castigo de Deus, por isso se afastam dele com medo de se contagiar. A sua morte sela uma vida de dores e desprezos: ele termina na vala comum dos condenados.
Por outro lado, o poema mostra que a dor do servo demonstra o pecado, não de quem sofre, mas dos que contemplam o sofrimento dele. Sem ser pecador, o servo aceitava a consequência do pecado e, sofrendo em silêncio, abria os olhos dos pecadores. A dor é do servo, mas o pecado é nosso. Declarando a inocência do servo, o julgamento humano é anulado por Deus. Mais ainda. A paixão do servo inocente servirá para levar os demais à justiça. Assim os pecadores são reabilitados, são libertados de uma condenação merecida pelos sofrimentos que recaíram sobre o servo e o esmagaram. Assim a paixão e a morte do servo são uma intercessão aceita e o seu silêncio é ouvido por Deus.
Por si mesmo, quem ouve o poema provoca inevitavelmente a pergunta: quem é esse servo sofredor? Muitos identificavam esse servo com Moisés, Josias, Jeconias ou Jeremias. Mas a identificação permanecia aberta. A pergunta do Eunuco: “de quem fala o profeta? De si ou de outro?” certamente também atormentou Filipe quando ouvia essa profecia antes de seu encontro com Cristo.
Filipe pergunta ao Eunuco: “Entendes?”. “Como vou entender, se ninguém me explica?”. O eunuco compreende o sentido “material” do texto, apresentado como paradoxo inaudito (o inocente que parece ser um castigado por Deus, mas que na realidade expia o pecado dos que o condenam), mas ele não sabe identificar o personagem de quem se fala. Essa é a questão central: conseguir identificar quem é o servo significa compreender o texto. O servo é um personagem tão surpreendente e misterioso que o eunuco não consegue “entender o que lê”.
De fato, o eunuco reconhece que o servo sofredor, assim como é descrito na profecia, supera tanto os personagens já conhecidos que identificá-lo com um deles, em vez de iluminar, empobrece a profecia. O eunuco não consegue entender o que lê porque as interpretações possíveis e que os rabinos tinham apresentado não fazem justiça à figura misteriosa do servo sofredor. Mesmo que sejam personagens eminentes e figuras heroicas, a identificação com eles diminui e reduz o alcance da missão do servo sofredor.
“Filipe tomou a palavra e, começando por esse texto, explicou-lhe a boa notícia de Jesus”. “Prosseguindo o caminho, chegaram a um lugar em que havia água, e o eunuco lhe disse: o que impede de me batizar?”. O eunuco não confessa que “lhe ardia o coração”. Mas quando chega a uma fonte de água no caminho, com modéstia, pede o batismo.
Lucas responde dizendo que o ato de Filipe é impulsionado pelo Espírito Santo. “Quando saíram da água, o Espírito do Senhor arrebatou Filipe, de modo que o eunuco não o viu mais”.
E continuou sua viagem muito contente. O efeito e o sinal da vida nova dada pelo batismo são a alegria.
Somos como o eunuco: lemos e não compreendemos. Mas devemos perseverar na Escuta. Somos como Filipe: anunciamos a Palavra. Não comunicamos mera doutrina ou código de ética ou ideologia. Comunicamos o próprio Cristo. Partilha do tesouro do nosso encontro com Cristo. Foi o encontro pessoal com ele que nos faz o que somos.
Jo 6,44-51
“Ninguém pode vir até mim se o Pai, que me enviou, não o atrair”. Esta frase exprime um duplo movimento: o Pai manda Jesus; o Pai atrai as pessoas para Jesus. É um movimento que produz um encontro. Nesse encontro, o Pai tem a iniciativa.
Jesus acende em nós o desejo de sermos dóceis a Deus, de sermos instruídos por Deus. “Está escrito nos profetas: 'e todos serão ensinados por Deus’”. Docilidade a Deus não é sinônimo de alienação, de privação da liberdade. Pelo contrário, docilidade é a condição para ir até Jesus: é necessário ouvir os ensinamentos do Pai para sermos atraídos a Jesus: “Quem ouviu o Pai aprendeu dele e vem a mim.”
O Pai, agindo em nós, forma sentimentos que são os sentimentos de Cristo e é por isso que o encontro se torna possível: ele nos atrai em direção a Jesus. O Pai nos ensina a viver no desinteresse, na abnegação do amor e assim somos guiados a compreender a paixão e a ressurreição de Cristo: entendemos que a paixão é uma grande obra de amor e que a ressurreição é o seu resultado divino.
Somos atraídos para Jesus se nos tornamos semelhantes a Ele com a nossa docilidade à ação do Pai em nós.