"51.Aproximando-se o tempo em que Jesus devia ser arrebatado deste mundo, ele resolveu dirigir-se a Jerusalém. 52.Enviou diante de si mensageiros que, tendo partido, entraram em uma povoação dos samaritanos para lhe arranjar pousada. 53.Mas não o receberam, por ele dar mostras de que ia para Jerusalém. 54.Vendo isso, Tiago e João disseram: “Senhor, queres que mandemos que desça fogo do céu e os consuma?”. 55.Jesus voltou-se e repreendeu-os severamente. [“Não sabeis de que espírito sois animados.* 56.O Filho do Homem não veio para perder as vidas dos homens, mas para salvá-las.”] Foram então para outra povoação. 57.Enquanto caminhavam, um homem lhe disse: “Senhor, te seguirei para onde quer que vás”. 58.Jesus replicou-lhe: “As raposas têm covas e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. 59.A outro disse: “Segue-me”. Mas ele pediu: “Senhor, permite-me ir primeiro enterrar meu pai”. 60.Mas Jesus disse-lhe: “Deixa que os mortos enterrem seus mortos; tu, porém, vai e anuncia o Reino de Deus”. 61.Um outro ainda lhe falou: “Senhor, te seguirei, mas permite primeiro que me despeça dos que estão em casa”. 62.Mas Jesus disse-lhe: “Aquele que põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus”. "
Prezados irmãos e irmãs!
Vocacionados à escravidão de amor dos irmãos!
A passagem do Evangelho deste Domingo, 13º do Tempo Comum, mostra-se bastante enigmática. O tema sugerido pela Igreja ressalta o seguimento de Jesus. Um padre de nossos tempos, Cardeal Raniero Cantalamessa, enfatiza o horizonte vocacional, e nele o chamado de Jesus aos seus discípulos, e nisso, a gravidade de ser chamado por Jesus. Este caminho de reflexão parece ser bem interessante e, parece ainda, integrar bem todas as leituras desta Missa.
São Lucas começa dizendo que o tempo de Jesus ser levado ao Céu estava próximo; poderíamos dizer: arrebatado aos Céus, segundo versões do Evangelho. A ideia de arrebatamento evoca a memória israelita de Elias, que no final de sua missão experimentou este glorioso epílogo, foi levado ao Céu. A liturgia deste Domingo traz na primeira leitura a passagem na qual Deus deixa claro ao profeta Elias que sua missão está para findar, mandando-o ungir Eliseu para ocupar seu lugar profético. Elias lança seu manto sobre Eliseu, faz dele seu discípulo e aprendiz, e Eliseu o segue. Contudo, no Evangelho, quem chama discípulos enquanto se dirige à Jerusalém é Jesus. E não podemos ignorar a gravidade deste chamado, pois o autor da vocação é o próprio Filho de Deus feito Homem, Jesus Cristo. Também este chamado parece mais grave, pois a missão nele contida não diz respeito localmente a um povo previamente determinado, mas carrega uma universalidade que abrange a grandeza da missão salvífica de Cristo, seu reinado e seu Reino.
Tendo diante dos olhos a realidade já próxima de seu arrebatamento, Jesus se dirige a Jerusalém onde travará a derradeira batalha pela recuperação da verdadeira liberdade humana. No meio deste caminho, coisas estranhas acontecem.
No meio dos samaritanos Jesus e seus mensageiros são rejeitados; havia desafios históricos e culturais invencíveis naquele momento que impediam o acolhimento e a hospedagem deles; virá o dia e momento em que tal acolhimento tornar-se-á possível junto do poço de Jacó. Depois, continuando o caminho até Jerusalém alguém se oferece para seguir Jesus, mas o seu seguimento não corresponde a um mero voluntarismo por simpatia ou afinidade; antes, seu sacrifício na Cruz, seu despojamento, apontam para a finalidade do caminho, que jamais se pode reduzir a um lugar físico neste mundo, mas a um lugar espiritual para além desta realidade, isto é, um pássaro sem ninhos e uma raposa sem toca. De fato, esta é também a experiência da encarnação do Filho de Deus no mundo e na história - Ele escolheu uma nova casa para abitar para além daquela outra, eterna, em que habitava desde a eternidade.
Finalmente, Jesus resolve chamar, e como resposta ouve a manifestação de um apego humano: deixa primeiro enterrar meu pai! São Cirilo, recolhido por Santo Tomás de Aquino, entende e ensina que aqui estaria presente não apenas o dever religioso de honrar os mortos e o mandamento de honrar os pais, mas o adiamento do seguimento, só possível após a morte deles. Por último, mais um voluntarioso, que lembra em sua resposta as palavras de Eliseu a Elias. Contudo, Eliseu foi chamado; este, porém, apresentou-se.
A pergunta que nos fica desta reflexão poderia ser a seguinte: qual dentre aqueles que Jesus encontrou pelo caminho mais se coaduna com a gravidade do Seu chamado e da sua missão salvífica? Talvez a resposta venha da Segunda Leitura e do ensinamento de São Paulo aos Gálatas, isto é, um verdadeiro discípulo, identificado com Cristo, faz-se escravo dos irmãos pela caridade.
E disto, segue-se que a vocação cristã e o chamado de Cristo, primeiro partem de uma escolha divina e não de mero voluntarismo que poderia carregar a ambiguidade de unir intenções carnais e mundanas, às espirituais e salvíficas, sem a devida distinção. Depois, o verdadeiro chamado passa por seguir Jesus na Paixão e na Cruz, na doação e amor por aqueles que Ele amou até o fim. Sem essas duas notas fundamentais a vocação e o chamado podem ser legítimos, originais e singulares, mas não cristãos.
Santo Domingo!
Padre Rodolfo Gasparini Morbiolo
Paróquia Santa Maria dos Anjos - Parque Vitória Régia - Sorocaba/SP