ADVENTO-EXPLICAÇÃO

ADVENTO tempo de começar mais uma vez

Magda Melo

Jesus neste tempo de advento nos diz, Vigiai! comece mais uma vez, criando ao mesmo tempo a vinda e a espera. Que o Advento nos dê vida neste tempo de medo, mas também, esperança na certeza do amor de Jesus.

Vigiar é permanecer firmes no dia, na noite, nas tempestades, O advento é tempo especial de silêncio esperança e contemplação, escuta, vigília, sobriedade e coração aberto.

E assim vigiando, preparando, alegrando e confiando, vamos interiorizando, perdoando-nos e aos que ofendemos, sendo promotores de alegria e paz, em preparação a chegada do Messias.

Vigiar significa cuidar sem descuidar-se, ter cuidado e interesse por todos e tudo. Ter cuidado significa reconhecer o valor de cada pessoa individual e de cada relação. Significa ter uma grande atenção ao gesto mais simples, vigia aquele que nada e ninguém o faça dizer: “Não me interessa”.

Vigiar neste advento, portanto, será para nós permanecer fiéis na noite, vigiando para que nossa pequenina fé não se inflame e se torne tão brilhante, e ofusque e cegue as pessoas. Que a noite seja sempre a medida da nossa fé, porque, se cedermos à tentação de querer ver e saber tudo, não viveremos mais no espaço de fé, mas das certezas, e não seremos mais fiéis.

Ser fiéis na noite, como Jesus nos ordena, também significa tomar consciência de que a noite é o tempo do silêncio, das vozes baixas, dos sussurros, do murmúrio submisso. Na noite, não se grita, não se eleva o tom, não se faz ouvir a própria voz na praça. Jesus, instituindo-nos como fiéis na noite, quer que a Sua palavra, o Seu Evangelho se meça com o silêncio da noite.

Jesus dá aos seus discípulos e a nós um mandamento, e diz: “Até o meu retorno, que o modo de vocês serem fiéis e que o modo de vocês estarem no mundo sejam um vigiar, sejam um esperar-Me.

O Senhor nos deu a única coisa necessária para quem está no escuro, uma lâmpada: “A tua palavra é lâmpada para os meus passos” (Sl 119, 105).

Dispomos apenas da pequena chama de uma lâmpada. Mas uma chama não ilumina tudo, não permite ver tudo, mas apenas o suficiente para poucos passos. Por isso, a nossa fé, assim como a Palavra que a gera, é apenas uma pequena chama que não permite ver tudo como em plena luz, não possui a clareza sobre tudo e, portanto, não dá certezas inabaláveis, não oferece verdades absolutas a serem impostas com força, não permite a arrogância daqueles que presumem possuir toda a verdade. Os fiéis na noite procuram a verdade com o mesmo esforço com que, no escuro, se busca o caminho: apalpando, muitas vezes errando e se desviando do caminho.

“A Evangelii Gaudium n.88 nos convida ir ao encontro do outro, nos dizendo:

O ideal Cristão convidará sempre a superar a suspeita, a desconfiança permanente,

o medo de sermos invadidos, as atitudes defensivas que nos impõe o mundo atual. Muitos tentam escapar dos outros fechando-se na sua privacidade confortável ou no círculo reduzido dos mais íntimos, e renunciam ao realismo da dimensão social do Evangelho.

Porque, assim como alguns fizeram um Cristo puramente espiritual, sem carne nem Cruz, também se pretendem relações interpessoais medidas apenas por sofisticados aparatos,

por ecrãs e sistemas que se podem acender e apagar à vontade.

Entretanto o evangelho convida-nos sempre abraçar o risco do encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que interpela, com seus sofrimentos e suas reivindicações, com a sua alegria contagiosa permanecendo lado a lado.

A verdadeira fé no filho de Deus feito carne é inseparável do dom de si mesmo, da pertença à comunidade, do serviço, da reconciliação com a carne dos outros.

Na sua encarnação, o filho de Deus convidou-nos à revolução da ternura.

Que todos sejam um, como Tu, Pai, estás em mim e eu em Ti; que também eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que Tu me enviaste” (Jo 17,21).

É necessário desenvolver uma espiritualidade amadurecida e sincera, com sentimentos e atitudes de acolhimento, humildade e respeito ao outro, numa real intimidade com Deus.

Advento: esperança apesar de tudo

sinal de que Deus ainda acredita na humanidade, apesar do fracasso dos que (des)governam o mundo

Pe Nelito Dornelas

No seio de Maria Deus se fez carne e na oficina de José Deus se fez classe! (Dom Pedro Casaldaliga)

Fala-se que todo menino quer ser homem, que todo homem quer ser rei, que todo rei quer ser deus, e que só Deus quis ser menino.

Ele é a Eterna Criança, o Deus que faltava. Ele é humano que é natural. Ele é o divino que sorri e que brinca. E por isso é que eu sei com toda certeza que ele é o Menino Jesus verdadeiro. É a criança tão humana que é divina. Damo-nos tão bem um com o outro, na companhia de tudo, que nunca pensamos um no outro.[i]

Da manjedoura nos vem esta voz: Oh, criatura humana, não tenhas medo de Deus. Não vês que sua mãe enfaixou seus bracinhos? Ele não ameaça ninguém. Mais que ajudar, ele precisa ser ajudado e carregado no colo.

Estamos em tempo de advento, nos preparando para o Natal, mas o clima não é natalino, é de sexta-feira da paixão. Há muitas trevas ofuscando a luminosidade do Natal, dificultando nossa esperança. Como toda semente necessita de cuidados especiais para germinar, assim também a lamparina do Natal precisa de mãos firmes e olhares atentos para não ser apagada, como bem nos alertava Jesus: Não deixe a lamparina apagar, pois não se sabe a hora que o Noivo irá chegar! O Natal nos remete à proposta nupcial entre Deus e a humanidade.

Como todas as germinações das sementes, também a luzinha que acendemos a cada domingo do advento em preparação ao Natal é ameaçada pela velocidade de um mecanismo destruidor que age em sentido contrário ao desenvolvimento pleno da humanidade.

Existem forças poderosas que insistem em neutralizar este ensaio lento de amadurecimento de uma humanidade renovada construtora de uma nova sociedade, que pode consolidar-se e transformar-se num chicote, num chicote existencial que, como no Egito do Antigo Testamento, escraviza, rouba a liberdade, golpeia sem misericórdia certas pessoas e ameaça constantemente outras, para abater todos como reses, até onde o dinheiro divinizado quiser.[ii]

Quem governa o mundo não é o principio de solidariedade fraterna trazida pelo Emanuel, o Deus menino, frágil criança que caminha conosco, mas o ídolo do dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da desigualdade, da violência financeira, social, cultural e militar que gera cada vez mais violência numa espiral descendente que parece infinita. Quanta dor e quanto medo! Existe um terrorismo de base que provém do controle global do dinheiro na terra, ameaçando a humanidade inteira. É deste terrorismo de base que se alimentam os terrorismos derivados, como o narcoterrorismo, o terrorismo de Estado e aquele que alguns erroneamente chamam terrorismo étnico ou religioso. Mas nenhum povo, nenhuma religião é terrorista! É verdade, existem pequenos grupos fundamentalistas em toda a parte. Mas o terrorismo começa quando ‘se expulsa a maravilha da criação, o homem e a mulher, colocando no seu lugar o dinheiro’. Este sistema é terrorista.[iii]

O Natal é o grito daquela inteligência humilde, mas, ao mesmo tempo, vigorosa e purificadora. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro. Um programa que visa o desenvolvimento humano integral. Temos o dever de ajudar a curar o mundo da sua atrofia moral. Mas este mundo não permite o desenvolvimento do ser humano na sua totalidade, o desenvolvimento que não se reduz ao consumo, que não se limita ao bem-estar de poucos, que inclui todos os povos e as pessoas na plenitude da sua dignidade, desfrutando fraternalmente da maravilha da criação. Este é o desenvolvimento do qual nós temos necessidade: humano, integral, respeitador da criação, desta casa comum.[iv]

Caros irmãos e irmãs, todos os muros ruem. Todos! Não nos deixemos enganar. Continuemos a trabalhar para construir pontes entre os povos, pontes que nos permitam derrubar os muros da exclusão e da exploração. Enfrentemos o terror com o amor![v]


[i] Poema, O Menino Jesus, de Fernando Pessoa

[ii] DISCURSO DO PAPA FRANCISCO AOS PARTICIPANTES NO 3º ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES, Roma, 5 de novembro de 2016

[iii] IDEM

[iv] IBIDEM

[v] IBIDEM

Advento, uma nova oportunidade para nossa humanização

Pe. Nelito Dornelas

Advento significa vinda, chegada, do verbo latino advenire, chegar a. Do ponto de vista litúrgico é o início do ano e a preparação para o Natal. Tempo de avaliação da própria existência, de arrependimento, de conversão e de expectativa, de revisão do caminho de nossa fé em vista da celebração do nascimento de Jesus. Para muitos é também um momento especial, tanto em termos familiares quanto em termos comunitários e eclesiais, para um novo revigoramento espiritual.

Diante da ansiedade e da euforia que precedem os preparativos da festa, convém ao cristão interrogar-se como está seu compromisso de fé e de engajamento na vida familiar, eclesial, pastoral, social e política nas pegadas do peregrino de Nazaré. Interrogações que podem evitar afogar-se ou asfixiar-se na agitação febril que costuma tomar conta do oceano em que navega nossa frágil embarcação existencial. As ondas provocadas pelo mercado mundial impedem, não raro, distinguir o farol e o porto de nossa meta final. São muitas luzes que se acendem, ofuscando, muitas vezes, a singela estrela da manjedoura de Belém.

A preparação para a celebração de cada Natal é uma oportunidade única para o acolhimento do Reino de Deus, onde todos, após a passagem pela terra estrangeira, como romeiros, migrantes e peregrinos deste vale de lágrimas e de sofrimento, são chamados a ser cidadãos da pátria definitiva. Natal é o reconhecimento de que o planeta Terra constitui a casa de todo ser vivo, vegetal, animal e humano, a biodiversidade e a ante sala do Reino eterno, cujo alicerce ergue-se a partir das coordenadas da trajetória da humanidade, não acima, nem fora, nem além, mas dentro de nossa história pessoal e coletiva. O grande Natal tem raízes na história, mas não se esgota no aqui e agora da mesma.

A celebração natalina nos convida, ao mesmo tempo, a concentrarmo-nos sobre nós mesmos e sobre o encontro com Deus, para descentrarmo-nos no amor ao próximo. O êxodo de si mesmo em favor dos outros requer raízes profundas na intimidae com o Pai, como demonstra a prática de Jesus. A oração precede e reforça a caridade.

Diga-me como tu rezas que te direi como tu vives; diga-me como tu vives que te direi como tu rezas. Quem é incapaz de centrar-se em Deus e em sua própria alma, será incapaz de descentrar-se em direção ao próximo. Isso porque a palavra viva, criativa, verdadeira e libertadora é filha do silêncio diante do mistério divino, não da profusão dispersiva das palavras humanas.

A mudança pessoal, a qual o advento nos provoca, se complementa com uma conversão social, pois o reencontro consigo mesmo e com Deus nos conduz necessariamente ao compromisso com os pobres, os excluídos, os indefesos, os doentes, os mais necessitados, os últimos, como tem insistido com tanta frequência o Papa Francisco.

Isto quer dizer que a oração, a meditação e a contemplação – quando profundas e verdadeiras – conferem suporte à caridade. E esta representa a expressão mais viva e verdadeira do cristianismo ativo, como mostra o poema da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 13,1-13). Sem a prática concreta do amor solidário não passaríamos de sinos ruidosos ou címbalo estridentes, afirma o apóstolo. Ou latas rolando no asfalto: quanto mais vazias, mais barulho fazem!

Não podemos esquecer, além disso, que semelhante conversão social tem implicações políticas. De fato, o cristão não paira angelicamente nas nuvens, acima dos embates e contradições da vida cotidiana. Ao contrário, como pessoa humana dentro de um contexto histórico concreto, seu modo de agir, querendo ou não, terá sempre consequências de ordem política. Tudo o que dilacera o tecido social, dilacera igualmente a Igreja e seus fiéis. O mito da neutralidade há muito está morto e sepultado!

Dessa forma podemos definir o Natal como esperança para os desesperançados, Boa Nova para os que se desiludiram completamente com os projetos humanos e das formulações político-partidárias, Luz para a imensa multidão do “sem” que habita as periferias e porões da sociedade moderna e pós moderna.

Os três reis magos, guiados por uma estrela, provenientes do Oriente, talvez sejam os protagonistas dessa nova esperança, a qual independe de sexo, cor, raça, língua, povo, credo, ideologia ou nação. Da mesma forma que a estrela e os magos, também é do Oriente que nos chegam os primeiros raios da aurora, anunciando o Astro-Rei, o novo sol que nasce Menino na gruta de Belém, mas já traz em si o esplendor do Reino de Deus, onde a compaixão, a misericórdia e o perdão revestem toda lei e o julgamento.

No advento do Messias, prevalece o primado de que “quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor” (1Jo 4,8). Podemos concluir com as palavras de Bruno Forte: “A esperança da vida sem lágrimas e sem ocaso, que plenifica o coração dos homens, é também a esperança de Deus” (In Gesù di Nazaret, storia di Dio, Dio della storia, Ed. Paoline, Napoli, 1981, pag. 280).

Confiança e esperança

A confiança e a esperança são frutos de um comportamento sadio e responsável, porque as pessoas naturalmente já nascem constituídas de energias boas ou ruins. Então, é fundamental a escolha do formato que vai definir o tipo de conduta a ser praticada. Mas a sustentação não está na própria pessoa, e sim na certeza da presença fecunda de Deus na realização de seus atos.

As Celebrações do Tempo do Advento, em preparação para o Natal, são um despertar vigilante de esperança e confiança, que acontece no encontro pessoal com o Menino Jesus. Na verdade, é a Palavra divina que se faz carne, é Deus que se torna humano e vem morar entre os humanos para ajudá-los a sair do desânimo e do comodismo e poder sustentar sua capacidade de realizar vida nova.

A dignidade cristã e a confiança em Deus não podem ser diminuídas pelas crises nos setores da política, da economia ou da realidade social. Presenciamos uma profunda degradação na prática da justiça, uma preocupante desonestidade de muitas lideranças e exploração do povo em diversas circunstâncias. A sociedade marcada pelo consumismo precisa mudar de rumo para ajudar o povo.

As armas usadas na desova injusta de tanta gente precisam transformar-se em instrumentos de construção do bem. Na área rural devem ajudar no cultivo da terra para produzir alimento para a população. No âmbito das cidades, muito marcadas pela violência indiscriminada, é urgente trabalhar o sentido da paz, da fraternidade e do valor da vida humana, para despertar a esperança.

As relações praticadas na convivência interpessoal precisam ser humanizadas, superando todo espírito de desconfiança e de medo no seio da comunidade, aquilo que dificulta o clima da confiança e da esperança. A chegada de mais uma Festa natalina é espaço e tempo propícios para consolidar a confiança e a fé das pessoas em Deus. Isto significa que a esperança cristã é capaz de dar segurança.

O alvo da confiança e da esperança é o Reino de Deus. Os reinos da terra são vulneráveis e passam. Eles não dão sustentação, porque falta a fundamentação na Palavra de Deus. Por isto, o Papa Francisco convida os cristãos para celebrar um “Ano da Palavra de Deus”, criando momentos formativos sobre o Livro Sagrado e a descoberta do caminho que conduz à plenitude da esperança.

Dom Paulo Mendes Peixoto

Arcebispo de Uberaba.