Zc 8,20-23
A passagem do profeta Zacarias é muito bela. Em síntese, o profeta apresenta a cidade de Jerusalém como destino de uma romaria internacional. Os pagãos peregrinam até Jerusalém para pedir o perdão de seus pecados, e os judeus se tornam mediadores desse perdão divino, atraindo e guiando outros povos para o Senhor. A frase final faz eco ao nome de Emanuel.
Escutemos mais uma vez essa promessa profética: “Naqueles dias, dez homens de todas as línguas faladas entre as nações vão segurar pelas bordas da roupa um homem de Judá, dizendo: ‘Nós iremos convosco; porque ouvimos dizer que Deus está convosco’”.
Essa promessa se cumpre com a Igreja. Na Igreja todos os cristãos devem ser pessoas que possuem algo de extraordinário: a presença divina que transforma a vida. Assim as pessoas são atraídas para a Igreja, porque experimentam que os seus membros a presença de Deus.
Para que isso se realize é preciso que os cristãos vivam o espírito do Evangelho.
‘Nós iremos convosco; porque ouvimos dizer que Deus está convosco’: ser sinal da presença de Deus para os outros é uma graça que recebemos no batismo com a fé, a esperança e a caridade. É preciso, porém, que vivamos com coerência esse dom batismal. A Igreja e os cristãos têm como missão dar testemunho vivo e vital de que Deus habita no meio dos homens. A Igreja e os cristãos não cumprirão plenamente a sua missão enquanto a sua face não tiver a beleza capaz de atrair os povos que pedem: ‘Nós iremos convosco; porque ouvimos dizer que Deus está convosco’! A Igreja cresce não por proselitismo, mas por atração.
Lc 9,51-56
Jesus enviou mensageiros para preparar a sua entrada e hospedagem numa aldeia de samaritanos. Ele tem consciência da hostilidade que divide judeus e samaritanos. Mesmo assim, Jesus não desiste de ir.
Os discípulos Tiago e João ficam indignados porque os samaritanos não quiseram acolher Jesus que se dirigia a Jerusalém. Eles queriam um castigo imediato de Deus: Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para destruí-los?
Afinal, é uma questão de justiça: se eles não querem receber Jesus, eles não querem também os benefícios divinos e, por isso, merecem punição. Não aceitar Jesus, significa não desejar a salvação!
Jesus os repreende porque essa pergunta revela a pretensão de querer manipular o poder de Deus para fins pessoais.
Jesus não veio para exercer uma missão de vingança divina contra os que não o acolhem. Ao ser rejeitado, Jesus se limita a ir para um outro povoado. Ele não comenta absolutamente nada sobre a recusa daqueles samaritanos. Simplesmente vai para outro povoado. Ele não foi acolhido inicialmente, mas isso não significa que a semente do Evangelho ficará sem dar fruto. Não nos esqueçamos de que, nos Atos dos Apóstolos, uma das primeiras missões da Igreja de Jerusalém ocorrerá precisamente entre os samaritanos. Será o diácono Filipe que iniciará a missão evangelizadora entre os samaritanos. Depois deles, Pedro e João completarão a obra começada por Filipe.
O confronto dessas duas passagens (Lc 9,51-56 e At 8,5.14-17), nos convidam a deixar que o Senhor nos abra as portas da missão e mova os corações das pessoas. Os tempos e as modalidades da conversão são obra do Senhor. Compete à Igreja converte-se ao Espírito e à pessoa do Senhor e anunciar sem desanimar o Evangelho.
Tiago e João querem que desça fogo do céu para destruir os samaritanos. Por que pedem o fogo? Poderiam pedir dilúvio, terremoto, raios, peste, extermínio do anjo... A tradição do fogo está ligada à figura do profeta Elias. Segundo os discípulos, Jesus, como novo Elias, é aquele que batiza no Espírito Santo e no fogo. Ou seja, sua obra, segundo essa interpretação, tem duas características: destrói com o fogo o mundo velho e cria o mundo novo com o Espírito Santo.
Isso é, de fato, verdade! Jesus batiza no Espírito Santo e no fogo. O problema é que os discípulos querem instrumentalizar o fogo do juízo para a defesa de seus próprios interesses. Eles querem que Deus condene com o fogo do céu os samaritanos. Não é isso o que acontece conosco também? Quando nos defrontamos com o mal no mundo, quando a perversão dos poderes da terra nos rodeia, erguemos nossa voz interior e exigimos de Deus fogo do céu. Facilmente nos esquecemos de que o caminho de Jesus é diferente: Ele não quer fazer sofrer os outros, pelo contrário, Ele assume sobre si o sofrimento da humanidade. Jesus não quer arrancar o mal com a violência, mas deseja, pela cruz, vencer o mal com o bem, deseja transformar o mal em bem.
Jesus sabe que chegará o momento do julgamento. Mas ainda não estamos no tempo do julgamento, mas da conversão. Estamos no tempo da paciência de Deus. Paciência para a conversão. Por isso devemos ir para além da nossa justa indignação... devemos saber que o único fogo que devemos pedir do céu é o fogo do amor: amor como o de Jesus que se consumiu até a morte para amar e para salvar.