Uma sageza para o futuro (História da Filosofia)

António Rego Chaves

Esta «História da Filosofia» custa apenas sete euros e noventa e três cêntimos – o preço de uma frugal refeição. Lidas as suas 120 páginas ilustradas, atrevemo-nos a afirmar que, apesar de algumas imprecisões detectadas, raramente se poderá encontrar, pelo preço acima indicado, obra que mereça ser assimilada por quem quiser adquirir uma primeira noção válida das ideias que caracterizam o pensamento ocidental.

O livro compõe-se de sete capítulos (Antiguidade, Idade Média, Renascimento, Século XVII, Iluminismo, Século XIX e Século XX). Confere especial destaque a Sócrates, Platão e Aristóteles, negligencia Santo Agostinho e São Tomás de Aquino em favor de Nicolau de Cusa, entra no século XVII e elege Francis Bacon, Descartes, Espinosa, Leibniz, Locke, Berkeley e Hume, volta-se depois para o século XVIII e trata com relativo relevo Voltaire, Rousseau e Kant, consagra especial atenção, no século XIX, a Fichte, Schelling, Hegel, Feuerbach, Marx, Schopenhauer, Nietzsche, Kierkegaard, Comte, Peirce e Dewey. Comporta ainda um «índice de termos» e um «índice onomástico», nos quais se pode encontrar o significado de cerca de uma centena de palavras utilizadas com frequência em filosofia e breves biografias dos principais autores estudados. Detenhamo-nos no século XX, porventura o que mais interessará o leitor actual de uma obra com estas características – caso não seja, por dever de ofício, um apressado estudante à procura de informação rápida sobre ideias de outras épocas.

Dizem os autores: «A filosofia do século XX deixa de estar segura da sua razão de ser. As catástrofes do nosso tempo não só atingiram os filósofos, de diversas maneiras, nas suas vidas, como também abalaram a fé na realidade racional de modo mais permanente do que o conseguira a experiência da divisão entre o velho e o novo na época das revoluções. Assim, ao contrário do idealismo clássico, a filosofia deixa de se julgar capaz de sanar aquela separação no pensamento. E anuncia pela boca dos seus representantes mais significativos a sua própria abdicação, seja em prol da arte, da ciência ou da política. Em nenhuma das épocas anteriores os grandes filósofos procuraram a sua salvação fora da filosofia de forma tão intensa e unânime.» (…) «A grande insegurança filosófica à qual a filosofia do século XX reage provém sobretudo da obra de três homens: Karl Marx, Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud. Marx tinha mostrado que o sistema económico capitalista está sujeito a leis próprias que se subtraem a uma condução racional e estabelecem um potencial de crise ameaçador. Nietzsche desvendara que a crença iluminista na autodeterminação humana resultava de uma mera ambição de poder. Freud, por fim, começou a duvidar do domínio racional do homem sobre o seu próprio íntimo, os seus sentimentos e impulsos, descrevendo-os como formações de um impulso sexual omnipresente. Todas estas ideias põem o poder da razão radicalmente em causa.» Neste contexto surgem, sob o agoirento título «O Fim da Filosofia», o espiritualismo de Bergson, a fenomenologia de Husserl, o existencialismo de Heidegger, Jaspers e Sartre, a antropologia filosófica de Max Scheler, Helmuth Plessner e Arnold Gehlen, a Hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, o positivismo lógico de Frege, Russell e do primeiro Wittgenstein, o autor do célebre «Tratado Lógico-Filosófico», o marxismo de Lukács, Ernst Bloch, Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor Adorno, Jürgen Habermas e Herbert Marcuse, a teoria política de Hannah Arendt e John Rawls, o estruturalismo de Lévi-Strauss, Jacques Lacan , Roland Barthes, Michel Foucault e Jacques Derrida.

Espaço para uma palavra sobre o que pensamos poder esperar dos pensadores do século XXI, sejam eles doutos académicos ou menosprezados «ensaístas» à genial maneira de Montaigne, Pascal, Kierkegaard ou Unamuno; espaço para quem não acredita que «o fim da filosofia» esteja próximo, como nunca acreditou que «o fim da história» fosse previsível, muito menos por um qualquer Fukuyama; espaço, ainda, para relevar a fundamentada crença de que é sempre renovável a capacidade de nos interrogarmos acerca do sentido da existência. O homem concreto, «o homem de carne e osso» de que falava o grande Unamuno n’ «O Sentimento Trágico da Vida», aquele de quem a seu tempo também se ocuparam Chestov, Berdiaev, Gabriel Marcel e tantos, tantos outros, terá sempre de ser o alvo preferencial da filosofia, seja ou não seja a existência «racionalizável». Os grandes problemas dos humanos foram, aliás, muitas vezes sobranceiramente ignorados pelos académicos, que se recusaram a erigir temas como as relações interpessoais, o envelhecimento, a doença ou a morte em objecto da meditação – e, claro está, também a existência de Deus. Para tais polícias do pensamento, a filosofia está terminada, porque tudo já teria sido dito acerca dos assuntos que consideram dignos de entrar, engravatados a preceito, nas salas de aula onde debitam a sua duvidosa arte de repetir o que lhes foi ensinado, obrigando aqueles que ensinam a fixar as mesmas frases, as mesmas perguntas e as mesmas respostas que os forçaram a saber de cor. Para esses, Albert Camus nunca foi – e talvez nunca venha a ser – pensador a quem se conceda cartão de crédito. De facto, as bafientas «capelas» institucionais em que se encontram integrados não consideram digno de confiança alguém capaz de escrever em livro esta aterradora asserção: «Só há um problema filosófico verdadeiramente sério, é o suicídio.» E, no entanto, como é bem sabido, assim abre «O Mito de Sísifo». Mais ainda: é bem possível que assim tenha também de «abrir» a filosofia do século XXI. Não apenas para tematizar a questão crucial colocada por Camus, mas para partir dela em direcção à insuperada sageza dos poetas, dos artistas, dos místicos. Quanto aos que dizem que a filosofia não serve para nada, só há que lhes perguntar como conseguem viver sem ela – ou seja, como conseguem viver, não como animais que pensam, mas como animais que se recusam a pensar.

Christoph Delius, Matthias Gatzemeier, Deniz Sertcan e Kathleen Wünscher, «História da Filosofia», Könemann, 2001, 120 páginas