Envelhecimento, questão política (António Manuel Fonseca)

António Rego Chaves

Licenciado em Psicologia e doutorado em Ciências Biomédicas, autor de vários estudos sobre o envelhecimento, António Manuel Fonseca dificilmente poderia estar mais bem preparado para nos dar conta do estado actual do conhecimento acerca de um tema que interessa a cada vez mais indivíduos – a senectude. À semelhança de Cícero, e antes dele dos estóicos gregos e dos peripatéticos, mas à luz das ciências que lhe são familiares, o autor está longe de considerar que a velhice nos impede sempre de viver uma vida digna de ser vivida. E é uma mensagem globalmente positiva, ainda que matizada pela crueza de alguns factos incontroversos, a que transmite aos portugueses que, segundo as estatísticas, possuíam em 2002 uma esperança de vida média de 73,7 anos para os homens e de 80,6 anos para as mulheres.

Em 1970, Simone de Beauvoir, na introdução ao seu inovador ensaio «La Vieillesse», perguntava: «Os velhos são pessoas?», para responder: «Ao observar a forma como a nossa sociedade os trata, é admissível duvidar disso. (…) Ela impõe à imensa maioria deles um nível de vida tão miserável que a expressão ‘velho e pobre’ quase constitui um pleonasmo.» Em pleno século XXI, quem conhece pretensos «lares» reservados a idosos, enfermarias de hospital e casas degradadas onde velhas e velhos solitários aguardam dormitando o fim dos seus dias, pode repetir sem receio de desactualização a brutal interrogação formulada pela corajosa autora de «O Segundo Sexo».

Na nossa (in)cultura dominante, reverentemente acocorada perante uma mão-cheia de desumanos valores juvenis – aliás detectáveis até em certa comunicação social «de referência», que insiste nos atropelamentos de «sexagenários» (dir-se-ia que encontrando assim uma meia desculpa para quem os atropela) ou no elevado número mortos provocados por «septuagenários» em contra-mão (esquecendo que a média de idade dos condutores responsáveis por este tipo de acidentes ronda os 40 anos) – , é reconfortante que alguém se volte para a terceira e a quarta idades, com espírito científico e sensibilidade, para nos informar sem rodeios do que há a esperar delas e visando definir condições para que se viva mais tempo, mas melhor.

Tornou-se habitual considerar que a velhice começa com a reforma, mas sabe-se que é possível preparar as pessoas para ela desde a meia-idade, incutindo-lhes estilos de vida saudáveis, uma gestão equilibrada do stress e exercício físico e nutrição adequados, contrariando desta forma a desvalorização dos idosos e impedindo a sua discriminação e exclusão por jovens adultos que tendem a considerá-los incompetentes, decrépitos e mesmo assexuados. Aliás, os próprios velhos chegam a interiorizar estes preconceitos, minimizando o importante capital de experiência, saber e sageza que acumularam durante decénios. A «gerontofobia» da «sociedade juvenilizada» infiltra-se, assim, e até ao âmago, na concepção de vida das suas próprias vítimas, a quem nada mais restaria do que aguardar, em resignado silêncio e com serena humildade, a hora de os descendentes as conduzirem ao cemitério.

Atestados o seu depauperamento psicológico e a sua improdutividade social, a actividade e a vitalidade do pós-reformado – um «protocadáver» –, passariam a estar comprometidas de forma irreversível, obrigando-o a uma vida vegetativa. No entanto, sublinha o autor, já se pode falar em «boas notícias para a terceira idade», embora a par de «más notícias para a quarta idade». Entre «jovens-idosos» (55 a 75 anos) e «idosos-idosos» (maiores de 75 anos) as diferenças não são de simples pormenor. Há mesmo, entre os cientistas, quem manifeste a convicção de que «viver mais tempo pode ser um factor de risco acrescido para a dignidade humana».

Como já Cícero acentuara no diálogo filosófico «De Senectute», parece certo que a deterioração das capacidades mentais se deve mais à falta de uso do que à idade ou à doença e que o exercício da inteligência se torna indispensável à sua preservação. Não menos certo é que os idosos analfabetos vêem hoje acrescida a sua solidão pelas dificuldades que têm no acesso à informação, reforçando ainda mais o seu isolamento. Esta circunstância estaria relacionada não só com a fraca ou inexistente escolaridade, como com a falta de experiência anterior em actividades de ocupação de tempos livres.

Ouçamos o autor: «Efectivamente, nada ocorre aos 65 anos, precisamente aos 65 anos, nem biológica nem psicologicamente, para que se utilize esta idade como uma fronteira de diferenciação social, em que para trás o indivíduo é útil, válido e responsável, e daí para a frente vê-se rejeitado ou pelo menos marginalizado por uma sociedade competitiva, para a qual deixou de ter valor.» Haveria então que adoptar condutas de carácter sócio-político e contextual, bem como atitudes de cariz pessoal. Entre as primeiras, proporcionar-se-iam aos idosos formas de prolongar e enriquecer a actividade profissional antes desenvolvida, chamar-se-iam as pessoas para a colectividade de que são membros ou promover-se-ia a ligação entre tempos livres e educação/formação; quanto às segundas, incrementar-se-ia uma gestão individual da passagem à reforma, investir-se-ia em modalidades de participação social ou estimular-se-ia o treino cognitivo (por meio da aprendizagem, da arte, da cultura).

Não basta, pois, situarmo-nos no terreno das (boas) intenções, urge enfrentar na prática e com determinação a complexa questão do aumento da esperança de vida das populações dos países onde se prevê que a percentagem de pessoas da terceira e da quarta idades será cada vez maior. Em suma, o problema é político, eminentemente político. Competirá aos cidadãos nossos filhos e nossos netos decidir se há que criar estruturas para que os muito velhos vivam melhor ou consentir que a maioria deles continue a subsistir em condições sub-humanas. Infelizmente, não estamos bem certos de que tudo será resolvido de acordo com o que tive(r)mos ocasião de lhes ensinar…

António Manuel Fonseca, «O Envelhecimento – Uma abordagem Psicológica», Universidade Católica Editora, 2004, 203 páginas