José Neves («Comunismo e Nacionalismo em Portugal»)

Um bom sinal dos tempos

António Rego Chaves

Este livro é um sinal dos tempos: mais ainda, um bom sinal dos tempos. Um bom sinal dos tempos porque escrito com probidade, infelizmente raríssima, sobre intelectuais comunistas portugueses; um bom sinal dos tempos porque revelador de uma exigente metodologia histórica; um bom sinal dos tempos, finalmente, porque já foi distinguido com dois prémios: em 2008, com o «Victor de Sá», e, agora, com o «Adérito Sedas Nunes».

«Comunismo e Nacionalismo em Portugal – Política, Cultura e História no Século XX», de José Neves, constitui um repositório de opções ideológicas dos intelectuais do PCP durante os primeiros decénios do seu trajecto, iniciado em 1921. Na verdade, o jovem investigador, centrando a atenção no «internacionalismo» e no «nacionalismo», não pode dispensar-se de focar uma longa série de percursos individuais e colectivos que marcaram o debate no interior do Partido e determinaram as suas orientações políticas. Não são apenas os nomes dos dirigentes, como Bento Gonçalves, Júlio Fogaça e Álvaro Cunhal, que sobressaem: autores como Fernando Lopes Graça, Maria Lamas e Alves Redol, ou historiadores como Armando Castro, António José Saraiva e António Borges Coelho ocupam justificados lugares de relevo em cinco centenas de densas e bem informadas páginas.

José Neves evoca Marx e Engels: «Ao longo da época contemporânea, o lugar da nação na política comunista foi disputado num amplíssimo conjunto de discussões, críticas e controvérsias, de que podemos aproximar-nos através de um detalhe que não é despiciendo: o debate travado pelas diferentes interpretações a que foi sujeita uma das frases mais célebres do ‘Manifesto Comunista’: ‘Os operários não têm pátria’. Ao longo de um século e meio, como um autêntico fantasma, o eco desta máxima rondou os comunistas de todo o mundo, e por isso é tão sugestiva a história de como os dirigentes e intelectuais comunistas interpretaram, consagraram e reinventaram a célebre frase. Simplificando, pode afirmar-se que a disputa pelo significado da frase de 1848 se desenvolveu através de duas grandes linhas interpretativas. A primeira tendeu a interpretar a frase como celebração de uma condição sem-pátria, tomando a sua negatividade enquanto afirmação do despojamento operário; a segunda linha interpretativa tendeu a tomar a frase como uma reivindicação em prol de uma pátria popular/operária, dando alento à ideia de um patriotismo operário, lendo a negatividade da frase como denúncia de uma ausência.»

Dir-se-ia que os comunistas de todo o mundo estiveram empenhados em discutir o sexo dos anjos, quando as tropas inimigas os ameaçavam às portas da sua Bizâncio: não era assim, pois encontravam-se em jogo questões tão fracturantes como a do «internacionalismo proletário» e a do «socialismo num só país», candentes desde a Grande Guerra. A verdade é que, como sustentariam autores marxistas, escolher o «socialismo num só país» tornou-se inevitável, fosse ele iniciado por Lenine ou por Estaline…

Fernando Lopes-Graça, Maria Lamas e Alves Redol, todos eles à sua maneira estudiosos da etnografia lusitana, têm, como diz o autor, «um lugar no panteão da história do comunismo em Portugal», ainda que se caracterizem «por práticas profissionais e trajectos político-partidários diversos». Lopes-Graça valoriza o campo e critica a cidade, Maria Lamas faz o contrário, Alves Redol saberá encontrar, em termos políticos, um caminho mais próximo da totalidade do povo português, ainda que ao preço de metamorfosear os ceifeiros e as ceifeiras em operários. No entanto, o romancista de «Gaibéus» (1939) assumirá com humildade a autocrítica: «Precisávamos de ter um povo, criarmo-nos com ele, e caminhávamos ao seu encontro sobre nuvens de ilusões, supondo que pisávamos terra firme. E julgámos muitas vezes o País pelo que desejávamos, desconhecendo que as alienações divergem.» Fosse como fosse, não oferece dúvidas que, como sublinha José Neves, «o neo-realismo projectou as vontades, os desejos e as ideias de uma geração de intelectuais comunistas e antifascistas».

Abreviando esclarecedora síntese do historiador: «Enquanto a fascinação exótica de uma Maria Lamas se centra na cidade e até tende para o cosmopolitismo, Redol estranha elogiosamente o mundo rural e reconhece-lhe possibilidades revolucionárias. Contrariamente ao que sucede no elogio à canção rústica de Lopes-Graça, Alves Redol não destila ódio em relação ao mundo citadino e a sua descrição maquinal dos gaibéus ecoa, em variadíssimos sentidos, o elogio obreirista da modernidade industrial.»

Quanto às concepções nacionalistas no PCP durante o salazarismo, observa José Neves: «As grandes questões colocadas em debate pelo conjunto dos historiadores comunistas foram semelhantes às que ocuparam a reflexão política comunista. Na senda de uma modernidade industrial que traria à luz o proletariado, o discurso historiográfico comunista colocou a burguesia no centro do processo histórico. E sendo a nação tida como o produto da burguesia na fase da sua afirmação, do centramento do processo histórico na figura da burguesia resultou que a nação fosse estabelecida como o terreno privilegiado do discurso historiográfico comunista. A história comunista revelou-se assim como uma história da luta entre as forças nacionais modernas e as forças nacionais contra-modernas, a história da luta travada entre as forças progressistas emergentes de 1383 e as forças reaccionárias decadentes de 1926. Todavia, a nação não se impôs enquanto lugar historiográfico privilegiado apenas devido à importância que a unidade nacional teria no quadro da emergência da burguesia portuguesa e do conflito entre capital e trabalho. A sua importância resulta também de valores da unidade nacional no quadro da procura pelas origens do imperialismo. Neste sentido, a história comunista foi uma história anti-imperialista da independência nacional.»

José Neves, «Comunismo e Nacionalismo em Portugal – Política, Cultura e História no Século XX», tinta-da-china, 2010, 502 páginas