Alan Sked («Declínio e Queda do Império Habsburgo»)

Uma queda sem declínio?

António Rego Chaves

Em meados do século XIX, no ano de 1848, quando Francisco José subiu ao trono, eram ainda muito vastos os domínios do Império dos Habsburgos. Incluíam: 1) as terras austríacas (os arquiducados da Baixa e Alta Áustria; os ducados de Estíria, Carníola e Caríntia; os condados do Tirol e de Voralberg, Gorízia e Gradisca; e ainda o margraviado da Ístria e a cidade de Trieste); 2) as terras da coroa húngara (os reinos da Hungria, Croácia e Eslavónia, juntamente com a cidade de Fiume; o grão-ducado da Transilvânia e as fronteiras militares da Croácia-Eslavónia e Sérvia-Hungria); 3) as terras da coroa boémia (o reino da Boémia; o margraviado da Morávia e o ducado da Baixa e Alta Silésia); 4) o reino da Lombardia-Véneto; 5) o reino da Galícia e o grão-ducado da Cracóvia; 6) o ducado da Bucovina); 7) o reino da Dalmácia; 8) o ducado de Salzburgo.

A área abrangida por estes domínios era de cerca de 666 868 quilómetros quadrados, fazendo destes, em conjunto, na época, o maior país da Europa, a seguir à Rússia. A sua população total elevava-se a 37,5 milhões de habitantes e incluía alemães, magiares, italianos, checos, rutenos, romenos, polacos, eslovacos, sérvios, croatas, eslovenos, judeus, ciganos, arménios, búlgaros e gregos. Seria o ultimato de Francisco José à Sérvia, em 1914, que daria origem à Primeira Guerra Mundial… e à queda do seu Império.

Sustenta o autor, na introdução: «O facto de se falar do declínio e da queda da monarquia não significa que esta tivesse de declinar e cair a um ritmo regular. A expressão tornou-se simplesmente de uso corrente [a partir da monumental obra de Edward Gibbon consagrada ao Império Romano?]. Na realidade, o facto de a monarquia ter caído não tem de implicar logicamente qualquer espécie de declínio. Como se tornará evidente, o padrão foi bastante diferente. O que sucedeu foi que em 1848 a monarquia quase se desagregou, mas a partir daí recuperou e sob muitos aspectos ressurgiu em vez de declinar antes de 1914. Poder-se-á até alegar que não havia qualquer ameaça interna ou externa à sua integridade até 1918.»

Nada menos evidente, contudo, do que a pertinência desta polémica obra de Alan Sked – porque de obra polémica se trata, onde as convicções do historiador, ainda que amplamente desenvolvidas, nem sempre se impõem com clareza ao leitor, desviando-o das «ideias feitas» que adquiriu, a que porventura se apegou e lhe foram transmitidas em diversos graus de ensino.

Poderemos acompanhar este insigne catedrático de História Internacional da reputada London School of Economics na cuidada exposição que faz do pensamento e da acção de Clemens von Metternich, ministro dos Negócios Estrangeiros entre 1809 e 1848 e chanceler da Corte e do Estado austríacos a partir de 1821. Não deixaremos, no entanto, de recordar a brilhante síntese apresentada por Henry Kissinger em «Diplomacia» (editado entre nós pela Gradiva) para encontrarmos a chave da influência do chanceler, durante decénios, na Europa: «No período que se seguiu ao Congresso de Viena [1814/1815] Metternich desempenhou um papel decisivo na gestão do sistema internacional e na interpretação dos requisitos da Santa Aliança [entre a Rússia, a Prússia e a Áustria]. Foi forçado a assumir este papel porque a Áustria se encontrava no centro de todas as tempestades e as suas instituições internas eram cada vez menos compatíveis com as tendências liberais e nacionalistas da época. A Prússia espiava a posição da Áustria na Alemanha e a Rússia as suas populações eslavas nos Balcãs. E havia sempre a França, ansiosa por reclamar o legado de Richelieu na Europa Central. » (…) «A Áustria, aparentemente moribunda depois do violento ataque de Napoleão, ganhou uma nova oportunidade com o sistema de Metternich, que lhe permitiu sobreviver por mais cem anos.»

Segundo Alan Sked, «o Império Habsburgo esteve mais perto da dissolução em 1848-49 [queda de Metternich na sequência das revoluções na Europa] do que em qualquer outra época anterior a 1918.» Mesmo que tal asserção fosse indiscutível, a verdade é que, como sublinha Henry Kissinger na obra acima mencionada, a partir daquela data a Áustria se tornou cada vez mais fraca e a sua política cada vez menos coerente. Acrescenta: «O colapso do sistema de Metternich na esteira da Guerra da Crimeia [1853-1856] deu origem a quase duas décadas de conflitos: a guerra entre o Piemonte e a França contra a Áustria em 1859, a guerra do Schleswig-Holstein de 1864, a guerra austro-prussiana de 1866 e a guerra franco-prussiana de 1870.»

Acresce que, desde 1862 e até 1890, actuaria na cena internacional uma figura ímpar de grande estadista, para mal dos Habsburgos concentrada num objectivo, a unificação da Alemanha, que viria a traduzir-se pela sentença de morte do Império Austro-Húngaro: Otto von Bismarck. Este imporia a sua «Realpolitik» na Europa e mostrar-se-ia disposto a associar-se ou a demarcar-se de quem quer que considerasse útil, nomeadamente dos Habsburgos, consoante os interesses da Prússia e da Alemanha. A este respeito, o «Chanceler de Ferro» abrira em privado o jogo, logo na década de 1850: «Não consigo fugir à lógica matemática do facto de que a Áustria de hoje não pode ser nossa amiga. Enquanto a Áustria não concordar com uma delimitação das esferas de influência na Alemanha, temos de tomar a iniciativa de uma luta com a Áustria, por meio da diplomacia, e de mentiras em tempo de paz, com o aproveitamento de todas as oportunidades, para lhe desferirmos um ‘coup de grâce’ [golpe de misericórdia].»

Unificada a Alemanha, restava aos Habsburgos a possibilidade de uma expansão para os Balcãs: mas, aí, o adversário era a Rússia. Ora a Rússia nunca entregaria eslavos à Áustria, e esta jamais aceitaria um aumento da influência de Sampetersburgo nos Balcãs. A «solução», sabe-se, foi, por iniciativa de Viena, a I Guerra Mundial – e o fim do Império Habsburgo.

Alan Sked, «Declínio e Queda do Império Habsburgo», Edições 70, 2008, 423 páginas