Gianni Vattimo («Vocación y responsabilidad del filósofo»)

A lição de Vattimo

António Rego Chaves

Uma longa introdução de Franca D’Agostini e cinco curtos ensaios do autor estão presentes neste livro: «Filosofia e Ciência», «Filosofia, História, Literatura», «A Lógica em Filosofia», «Dizer a Verdade» e «Vocação e Responsabilidade do Filósofo», que dá o título à obra.

Como se recorda na introdução, desde que publicou o belo ensaio que é «Acreditar em Acreditar» (1996) que Gianni Vattimo passou a trilhar uma via nova, que o conduziria a uma «forma de militância filosófica» bem diversa da que seguira até aí. E acrescenta Franca D’Agostini: «Mesmo a sua escrita se simplificou notavelmente, perdendo muitos vínculos com tecnicismos e referências à tradição filosófica que antes a caracterizavam.»

É precisamente no último dos textos, «Vocação e Responsabilidade do Filósofo», que esta tendência se torna mais nítida, talvez devido ao seu carácter autobiográfico. O autor explica-se: «Também escrevo nos jornais, como é sabido, e escrever nos jornais parece aos filósofos ‘profissionais’ um descrédito. De facto começa-se porque queremos ganhar mais, depois continuamos por motivos ideológicos, para nos autojustificarmos, ou porque descobrimos que em última instância não é algo desprezível. Mas, em definitivo, não creio que haja diferença entre o que faço quando ensino na universidade e o que faço quando escrevo um artigo para um jornal.»

Vattimo recorda depois as razões da sua «vocação»: «Sempre me propus estar ao serviço da salvação, mas não só da minha individual. Muitas vezes me disse: devo ser um bom professor de filosofia porque é o meu trabalho. Mas em definitivo este ‘porque é o meu trabalho’ só significa: porque sirvo a alguém. Por isso, desde que comecei a estudar filosofia que me sentia um educador e quis ser professor, por exemplo, porque militava na Acção Católica, nos movimentos juvenis, e ensinava outros mais novos que eu.»

O pensador fornece-nos então uma «chave» para compreendermos o estilo do seu discurso filosófico: «Na realidade, o que sempre fiz foi dar conferências; acabado o bacharelato ia falando por aí do humanismo integral de [Jacques] Maritain; a minha vocação filosófica nasceu assim. Mas aquele fundo de intimidade que pode haver na minha prática filosófica, digamos, essa ponta de participação e de exercício pessoal, está ali onde a filosofia se encontra com a religião. Creio que isso se refecte de um modo determinante no estilo filosófico e também na escrita.»

Há mais «segredos» que Vattimo nos vai revelando ao longo deste ensaio: «Escrever na primeira pessoa significa para mim pôr-me em questão no interior de um projecto comum, mais do que, como diz [Richard] Rorty, um ‘retrocesso à fantasia privada’ ou um fazer da filosofia apenas uma prática textual ‘para o problema da autorreferência’ – objectivos que, no fim de contas, me parecem irrelevantes. Neste sentido, é válido o que disse a propósito do facto de escrever para os jornais: creio que em filosofia sempre se põe em questão um bem político, um problema de comunidade política, coisa que não só justifica a filosofia como ensino e a filosofia escrita nos jornais, mas também, segundo creio, a filosofia em política…»

Mas qual a raiz primeira das escolhas de Vattimo? «Comecei a estudar filosofia porque me sentia implicado num projecto de transformação do homem, num programa de emancipação. É possível que isso se deva às minhas origens proletárias: os proletários não podem acreditar em modificar realmente a sua própria vida sem modificar o mundo… Quando se nasce filho de ricos advogados, pode dizer-se sem esforço moral: eu também quero ser advogado. Mas quem nasce filho de uma mãe viúva de um polícia do sul [de Itália] está quase fatalmente induzido pela própria incomodidade social a projectar uma transformação radical.»

O percurso intelectual e académico do filósofo não foi menos interessante: «Fiz a tese sobre o conceito de ‘fazer’ em Aristóteles porque me sentia comprometido com a empresa de construir um novo humanismo cristão contra os fariseus. Era o projecto que também tinha Umberto Eco quando estudava a estética de São Tomás de Aquino. Que sucedeu depois? Sucedeu que esse propósito se concretizou numa afinidade com os pensadores críticos da modernidade e era evidente que era necessário chegar aí. Porque é que alguém que estudou Aristóteles se põe a estudar Nietzsche? Porque tendo estudado Aristóteles com o propósito de encontrar uma via alternativa à modernidade liberal-individualista, eudemonista, etecetera, não pode não tropeçar nos críticos do individualismo moderno.»

Também as razões de ser das escolhas políticas do democrata, homem de esquerda e ex-deputado do Parlamento Europeu que é Gianni Vattimo se tornam claras neste notável texto de carácter autobiográfico: «A vocação política pura tem certas diferenças em relação a uma vocação filosófica orientada para a política.» (…) «A vocação para fazer política como filósofo, para perseguir a emancipação como filósofo e não como político especialista e profissional, significava para mim optar por uma decisão em algum sentido mais universal, isto é, mais indirectamente comprometida, com menos resultados imediatos de carácter político, legislativo, etecetera, mas mais educativa. Na opção de fazer política como filósofo intervém muito a pedagogia, a ideia de educar a Humanidade, de promover a transformação do homem antes da transformação das estruturas. A intenção democrática conduz sobretudo a isto, e não tanto a fazer política de um modo imediato e directo: se somos democratas, devemos sobretudo produzir aquilo a que se chama teoria, ou seja, ideias, atitudes culturais…»

Num século em que os intelectuais europeus parecem ignorar que vivem na pólis, entre os seus concidadãos, é reconfortante escutar a lição de Vattimo.

Gianni Vattimo, «Vocación y responsabilidad del filósofo», Herder, 2012, 140 páginas