Homens e ratos (Max Weber)

António Rego Chaves

O alemão Max Weber (1864-1920) não foi apenas um eminente sociólogo, pois a sua intensa actividade intelectual, apesar de algumas interrupções por razões de saúde, alargou-se aos domínios da História, da Economia e do Direito. Daí que, como fez notar Raymond Aron, «a sua obra se imponha ao mesmo tempo como o modelo de uma sociologia histórica e sistemática».

O mais conhecido dos seus ensaios é, entre nós, «A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo» (1904-1905), onde o autor mostra como e porquê os calvinistas e os puritanos se transformaram em empresários capitalistas. No entanto, Max Weber não considerava o calvinismo senão como um dos factores que favoreceram o desenvolvimento do capitalismo, sustentando também a tese segundo a qual as estruturas das cidades medievais da Europa do Norte contribuíram em larga medida para o seu surgimento.

Weber «emenda», naquela sua célebre obra, o materialismo histórico, afirmando que não são apenas os interesses económicos que se tornam fundamentais para o desenvolvimento histórico, da luta de classes e das grandes correntes sociais, mas também e sobretudo alguns factos de natureza psicológica e religiosa. Segundo asseverava, o trabalho e a sua organização racional tornaram-se para os calvinistas numa fé e numa missão, mesmo na execução da vontade divina, algo de idêntico se passando com os lucros do capital. A organização e a luta comerciais estariam intimamente associadas a uma visão do mundo de acordo com a qual os mais activos, os melhores, os «eleitos», organizam, produzem e vão enriquecendo, ao passo que os outros, os «não-eleitos», perdem fatalmente as batalhas que são forçados a travar, caminham para a ruína e acabam por ser aniquilados.

Nas suas obras mais teóricas, como a póstuma «Economia e Sociedade» – de que o presente livrinho nos oferece não mais do que dois capítulos, com os títulos «Fundamentos Metodológicos» e «Conceito de Acção Social» – o sociólogo, num texto por vezes tão denso quanto árido, apresenta-nos uma tipologia das orientações das acções, que classifica como mais ou menos racionais. Sintetiza Florent Champy: «Um dos aspectos do processo de racionalização é que as acções racionais em relação a um fim tendem a tornar-se cada vez mais importantes, em detrimento das acções tradicionais, emocionais e racionais em relação a um valor. Na esfera administrativa, essa racionalização caracteriza-se pela burocratização e pela profissionalização das actividades. O seu estudo faz de Weber o pai fundador da sociologia das organizações, do trabalho e das profissões.»

Mas o que entende o pensador por «acção social»? Eis as suas palavras: «Um comportamento humano, sempre que o agente ou os agentes lhe associem um sentido subjectivo». E Max Weber arreda da sociologia todas as opções de carácter valorativo: «Nunca se trata, decerto, de qualquer juízo objectivamente ‘justo’ ou de um sentido ‘verdadeiro’ metafisicamente fundado. Aqui radica a diferença entre as ciências empíricas da acção, a Sociologia e a História, perante todas as ciências dogmáticas – Jurisprudência, Lógica, Ética e Estética – que pretendem investigar nos seus objectivos o sentido do ‘justo’ e do ‘válido’.»

Particularmente interessante nos parece ser, da parte de Max Weber, uma antecipação dos problemas que mais tarde viriam a ser abordados pela etologia do austríaco e Prémio Nobel da Medicina Konrad Lorenz (1903-1989), que, em obras como «A Agressão – Uma História Natural do Mal» (1963) ou nos «Ensaios sobre o Comportamento Animal e Humano» (1965), tornou mais evidentes do que nunca as semelhanças colectivas existentes entre certos seres a que chamamos «irracionais» e nós próprios, os pretensos «racionais». Eis as considerações do sociólogo que dir-se-ia anunciarem as investigações levadas a cabo pelo naturalista: «Existem e são particularmente conhecidas associações animais do tipo mais diverso: ‘famílias’ monogâmicas e poligâmicas, rebanhos, enxames, e, finalmente, ‘Estados’ com divisões funcionais (o grau de diferenciação funcional destas associações animais não corre de modo algum paralelamente ao grau de diferenciação evolutiva, organológica e morfológica da espécie animal em questão. Assim, a diferenciação funcional nas térmitas e, por conseguinte, a dos seus artefactos é muito maior do que entre as formigas e as abelhas. É evidente que aqui a investigação deve contentar-se, aceitando-a pelo menos por agora como definitiva, com a consideração puramente funcional, a saber, com a descoberta das funções decisivas que têm os tipos singulares de indivíduos (‘reis’, rainhas’, ‘operários’, soldados, ‘zângãos’, ‘rainhas substitutas’, etc.) na conservação da sociedade animal, isto é, na alimentação, defesa, propagação e renovação dessas sociedades.» (…) «Uma descrição controlável da psique desses animais sociais com base na ‘compreensão’ de sentido surge como meta ideal alcançável só em limites extremos. Em todo o caso, não há que esperar daí a ‘compreensão’ da acção social humana, mas, ao invés, trabalha-se e deve ali trabalhar-se com analogias humanas.»

Atente-se, neste contexto, no que Max Weber nos ensina sobre «luta, concorrência e selecção social»: «Denominar-se-á ‘luta’ uma relação social quando a acção se orienta pelo propósito de impor a própria vontade contra a resistência do ou dos parceiros. Chamar-se-ão ‘meios pacíficos’ de luta os que não consistem na violência física efectiva. A luta ‘pacífica’ chamar-se-á concorrência quando, enquanto competição formalmente pacífica, se trava em vista do poder próprio de disposição sobre probabilidades que também os outros desejam.» (…) «A luta (latente) pela existência que, sem um propósito combativo e significativo contra os outros, ocorre entre indivíduos ou tipos humanos em vista de probabilidades de vida ou sobrevivência denominar-se-á ‘selecção’: ‘selecção social’ quando se trata de probabilidades dos viventes na vida, ou ‘selecção biológica’ na medida em que se trata das probabilidades de sobrevivência da hereditariedade.»

Estaremos assim tão longe das «intolerantes» e ferozes tribos dos nossos «irmãos» ratos, sempre em luta pela conquista e defesa de mais territórios?

Max Weber», Conceitos Sociológicos Fundamentais», Edições 70, 2009, 87 páginas