Erro a erro, até à derrota final... («Os Últimos Dias da Monarquia», de Jorge Morais)

António Rego Chaves

Uma frase do jornalista Eduardo Schwalbach, escrita em 6 de Outubro de 1910 para a «Gazeta de Notícias» do Rio de Janeiro, dá o mote a este trabalho do historiador Jorge Morais: «Ao cabo de longos e porfiados esforços, os monárquicos acabam de implantar a República em Portugal». A provocação será de monta, mas não destituída de senso das realidades.

Na verdade, como evidencia o autor, não foram poucos os erros políticos cometidos pelo regime monárquico, mesmo após o regicídio e o exílio de João Franco. Declarada a chamada «Acalmação», urgia encontrar soluções concretas para deter o avanço do Partido Republicano Português (PRP). Este, embora momentaneamente enfraquecido pela intensa propaganda monárquica, que o acusava de cumplicidade no atentado de 1 de Fevereiro de 1908, parecia, pelo menos a médio prazo, em condições de tomar o Poder. Consciente dessa perspectiva, Ferreira do Amaral, responsável pelo primeiro Governo constituído após o assassínio de D. Carlos, revogaria três decretos de João Franco, relativos à censura à Imprensa, à competência do Juízo Criminal para julgar «crimes políticos» e ao degredo dos inimigos do regime, anulando também as alterações à Carta Constitucional introduzidas durante a ditadura. Cedia, assim, aos republicanos, mas, ao mesmo tempo, retirava-lhes alguns dos seus mais populares motivos de confronto político.

Foi nesta conjuntura que um triunvirato constituído por Bernardino Machado, então membro do Directório do PRP e futuro Presidente da República, José Relvas, identificado com a «linha moderada» do mesmo partido, e o capitão Manuel Maria de Oliveira Ramos, antigo preceptor dos príncipes D. Luís Filipe e D. Manuel, lançou a ideia de estabelecer um período de tréguas com a Monarquia. Obtida a aprovação do primeiro-ministro, tornava-se necessário conseguir também o consentimento dos líderes do Partido Progressista (José Luciano de Castro), do Partido Regenerador (Júlio de Vilhena) e dos dissidentes do Partido Progressista (José Alpoim). A meio da semana de 19/25 de Abril de 1908, conta o autor, «o projecto do Pacto de tréguas havia já mobilizado Bernardino Machado, José Relvas, Afonso Costa, Oliveira Ramos, Ferreira do Amaral, José Luciano de Castro, José Maria de Alpoim e o próprio Rei», D. Manuel II. Escreve Jorge Morais: «Quanto aos progressistas e aos dissidentes, chamados à negociação entre os dias 22 e 25 de Abril de 1908, a reacção não podia ser mais clara: ponderando ‘o desastre iminente’, apoiaram ‘a fórmula salvadora’». O «senão» parece ter sido apenas Júlio de Vilhena.

A 25 de Abril, o Congresso de Coimbra seria chamado a pronunciar-se sobre «a plataforma proposta à Monarquia». É então que entra em cena Afonso Costa, futuro primeiro-ministro da República e saneador das finanças públicas, na altura «apenas» o seu mais brilhante orador e teórico. Define as condições, nada brandas, em que o Pacto deveria ser assinado e, depois, na Câmara dos Deputados, em Maio, «transformará uma confissão de cedências numa carta de reivindicações, uma derrota certa numa possível vitória». Exige o restabelecimento das liberdades suprimidas (de Imprensa, de reunião, de associação), a revisão profunda das leis constitucionais e da Carta. E nem se absterá de propor o regresso das leis de Pombal contra os jesuítas, de Joaquim António de Aguiar contra as congregações religiosas e do Duque de Loulé contra as irmãs da caridade.

José Relvas dirá, nas suas «Memória Políticas», que o Pacto Liberal foi inviabilizado pela «impenitente reacção da Rainha» e pela «inconsciência de D. Manuel e da rainha D. Amélia», que assim haviam «tornado inevitável o conflito revolucionário». Mas, segundo o ensaísta, alguma documentação depois revelada permite afirmar que «o Rei se empenhou na negociação com os republicanos»; quanto à Rainha-Mãe, a tese de José Relvas assentaria na presunção de que uma «religiosidade exacerbada» fizera dela «um monstro de reaccionarismo». Fosse como fosse, ninguém duvida de que o Partido Regenerador inviabilizou o Pacto e abriu caminho à radicalização dos republicanos que desembocaria na queda da Monarquia.

Atenção especial mereceu ao historiador uma faceta menos conhecida do jovem rei, o seu «namoro» com os socialistas: «Ao fim de alguns meses na chefia do Estado, D. Manuel II compreendera que o mundo não podia resumir-se a José Luciano, Júlio de Vilhena, José Alpoim e Bernardino Machado.» Daí tentar o monarca «ultrapassar o Partido Republicano pela via esquerda», dialogando com o Partido Socialista Português, ou seja, com Azedo Gneco (um dos fundadores da organização, tal como José Fontana e Antero de Quental, entre outros) e Aquiles Monteverde. «Desta maneira vamos desviando o operariado do Partido Republicano e orientando-o para o que virá a ser uma força útil e produtiva» – declararia o monarca. Quanto aos socialistas, certamente pensavam que a questão de o Chefe do Estado ser um rei ou um presidente não era a que mais importava ao proletariado...

Azedo Gneco elaboraria, a pedido do soberano, «relatórios sobre as condições de vida da classe operária, apontando soluções que, no entanto, esbarram na indiferença dos governantes e se perdem na instabilidade política e na burocracia estatal». D. Manuel II ainda conseguiu, porém, que o Governo mandasse fazer um «inquérito sobre a situação e variadas circunstâncias da vida das classes trabalhadoras, regime, organização do trabalho, condições do viver da família operária e meios de melhorar a condição moral e material dos trabalhadores». Mas, quatro meses depois, já o último rei de Portugal se encaminhava para o exílio: «o regime que não entendera a relevância de um Pacto de tréguas com os republicanos era o mesmo que não entendia agora por que razão deveria D. Manuel puxar à ribalta os seguidores de Proudhon», conclui, contristado, Jorge Morais.

Jorge Morais, «Os Últimos Dias da Monarquia – 1908-1910», Zéfiro, 2009, 244 páginas