TODOS OS SANTOS-32ºTC-B

Solenidade de Todos os Santos

07/11/2021


Acesse as leituras de hoje neste link:

Primeira Leitura: Apocalipse 7,2-4.9-14

Salmo Responsorial: 23(24)R-É assim a geração dos que procuram o Senhor!

Segunda Leitura: 1 João 3,1-3

Evangelho: Mateus 5,1-12a (Bem-aventuranças).

Proclamação do evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus – Naquele tempo, 1vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, 2e Jesus começou a ensiná-los: 3“Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus. 4Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. 5Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. 6Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. 9Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. 10Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. 11Bem-aventurados sois vós quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós por causa de mim. 12Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus”. – Palavra da salvação.


DOM JÚLIO ENDI AKAMINE

Arcebispo de Sorocaba sp


Quem pode se considerar feliz na época dos Evangelhos? O perfil de uma pessoa feliz é descrito pela Escritura: seria um homem adulto de boa saúde, casado com uma mulher honesta e fecunda, com filhos homens e terras férteis, observante da religião e respeitado em seu povoado. Tendo tudo isso, o que mais poderia pedir?

Como podemos descrever o perfil de uma pessoa feliz nos tempos de hoje? Faça um exercício interior e trace um perfil de uma pessoa feliz. Descrever os traços de uma pessoa feliz nos ajuda a tomar consciência do que nós consideramos como felicidade.

Jesus foi feliz?

Ele se apresentou muito diferente do ideal de felicidade de seu tempo: sem esposa e sem filhos, sem terra e sem bens; um itinerante que percorria a Galileia.

A vida de Jesus não corresponde ao ideal de felicidade de seu tempo. Será que corresponde ao nosso? A vida de Jesus está mais distante do ideal de felicidade de seu tempo ou do nosso?

Pois bem, Jesus não só se contentou em viver pobre, casto e obediente. Ele nos ensina a viver da mesma maneira: esse é o senso das bem-aventuranças, um programa de felicidade que choca a sensibilidade atual. Cada vez mais pessoas se levantam contra esse programa de felicidade, acusando os católicos de inimigos da alegria, da prosperidade, da riqueza. Cada vez mais pessoas acusam os católicos de uma moral repressiva que infantiliza, de uma culpabilização fanática do prazer, de uma demonização atrasada da riqueza. Não demora muito, vamos ser acusados pelo atraso econômico do Brasil.

Jesus é feliz sem se preocupar com a própria felicidade. Sua vida girava em torno da felicidade dos infelizes e dos sofredores. Procurava sobretudo criar as condições para a felicidade alheia e de um mundo mais justo e fraterno.

Ele, portanto, não proclama: felizes os ricos porque são abençoados por Deus. Seu clamor desconcerta a todos: felizes os pobres, os famintos, os que choram, porque Deus será a felicidade deles.

Celebramos hoje a solenidade de todos os santos. Eles viveram as bem-aventuranças em seu tempo e em suas condições concretas. Se quisermos saber como viver concretamente as bem-aventuranças, temos os santos que são a exegese das palavras de Jesus.


Santos e Santas pessoas que deixam rastros

A festa deste domingo nos diante de uma infinidade de santos e santas anônimos(as), esses(as) que não foram oficialmente canonizados(as), nem estão nos calendários litúrgicos, mas cujas vidas deixaram transparecer a santidade de Deus e viveram, com radicalidade, as bem-aventuranças proclamadas por Jesus; ao mesmo tempo, esta festa desperta nossa sensibilidade para perceber que estamos continuamente rodeados de muitos(as) santos(as), homens e mulheres que, no escondimento do cotidiano, revelam uma presença aberta e comprometida, inspirada e mobilizadora; uma vida carregada de fidelidade e de alegria evangélica.

Que tem todos eles(elas) em comum? Que suas vidas apontam para Deus de maneira clara; aquilo que vivem, que fazem e que dizem manifesta que são conduzidos(as) pelo Espírito de Deus. E, por isso, quando os(as) vemos ou encontramos com eles(as), intuímos que é possível o amor, a misericórdia, a compaixão, a justiça, a bondade, a mansidão, a pureza de coração...

Em que se diferenciam? Em tudo o mais: seguramente há jovens e anciãos, instruídos e analfabetos, mulheres e homens; haverá tímidos e extrovertidos, hiperativos e calmos... Uns vivem o evangelho no contato constante com as pessoas; há outros que consagram suas vidas à ciência, na solidão de um laboratório ou de uma biblioteca. Dançam, rezam, abraçam, choram, amam, se equivocam, acertam..., porque, afinal de contas, são todos humanos. E ser santo(a) é ser humano por excelência.

A santidade não é a busca de um perfeccionismo autocentrado, nem um cumprimento virtuoso de leis para receber medalhas de mérito. É uma maneira original de viver o amor: radical, possível, definitiva.

A santidade não é buscada para que cada um possa sentir-se orgulhoso; é vivida porque é uma forma de melhorar o mundo, a própria vida e a dos outros.

Os(as) santos(as), de ontem e de hoje, nos confirmam que todos podem ser transparência da santidade de Deus neste mundo. Certamente, muito perto de nós existe alguém que é janela aberta que aponta para essa direção. Não há santos(as) de primeira grandeza e outros de segunda, mas uma só santidade que se revela e se expressa na comunhão de todos.

Santa Teresa D’Ávila afirmava que a santidade não é um privilégio de poucos; é uma responsabilidade de todos nós; ser santo(a) é ser inteiro(a), é ser simples, é ser transparente, é ser original.

Nossa vocação é a santidade da Vida para além de todo sistema moral, para além de toda crença, para além de toda religião, porque fora da Igreja há salvação ou santidade.

A santidade é, pois, um dom recebido de Deus, que alimenta em nós o desejo e a disposição de “sair de nós mesmos” para viver a experiência do amor na relação com o mesmo Deus, no encontro com os outros e no cuidado e proteção da Casa Comum.

O evangelho indicado para esta festa nos revela que Jesus, no alto da Montanha, mostrou o grande caminho para nos conectar com a santidade de Deus: as bem-aventuranças. Nelas, Jesus proclama que o verdadeiro segredo para uma humanidade totalmente re-criada é a força expansiva do amor e da misericórdia, cimentadas no comum denominador da humildade.

Só entrando na dinâmica da transcendência podemos descobrir o sentido das bem-aventuranças. Muitas vezes, a Igreja se esqueceu que ela deve estar a serviço de um projeto de felicidade, e acabou se convertendo num rebanho de “sofredores” (“neste vale de lágrimas”), sob a guia de “experts” pastores da dor, do sacrifício, do medo e do juízo.

Mas, como cristãos, somos seguidores(as) d’Aquele que foi um “expert” na felicidade. Por isso, é chegado o momento de recuperar o evangelho da felicidade, na linha das bem-aventuranças.

O Deus que Jesus anunciou sempre esteve comprometido com a vida plena dos seus filhos e filhas, oferecendo um caminho de felicidade para todos, começando pelos pobres. É um Deus que ama os pequenos e perdidos, assumindo com e para a humanidade um projeto de felicidade e vida plena.

Nesta festa de “Todos os Santos e Santas”, é inspirador revisitar as bem-aventuranças: elas nos despertam, nos desvelam e, inclusive, nos inquietam, porque, se as assumimos como estilo de vida, elas nos desinstalam e nos ajudam a compreender a vida de uma maneira diferente. Com o impacto das bem-aventuranças em nosso coração, deixam de estar na primeira linha a violência, o ódio, o poder, a vaidade, a intolerância, o negacionismo..., que ficam substituídos pela paz, solidariedade, bondade, humildade, justiça...

Os(as) santos(as), de ontem e de hoje, fizeram das bem-aventuranças o centro e a pauta de seu viver; todos(as) eles(as) colocaram à frente de suas vidas não o Decálogo escrito em tábuas de pedra, mas as bem-aventuranças, escritas em seus corações. Elas já estão presentes no mais profundo de todos os seres humanos; o que Jesus fez ao proclamá-las foi desvelar o que é mais nobre e mais humano em cada pessoa.

O(a) santo(a) é, de certa forma, um(a) especialista na arte, muitas vezes árdua, de “transgredir”, de liberar, de abrir os espaços ocupados pelas certezas efêmeras, para dar lugar à vida do Espírito. É um(a) profeta(tisa) do retorno ao essencial, um(a) espeleólogo(a) das profundezas do ser humano, na busca do que realmente importa. E essa capacidade de ir mais longe permite-lhe colher as sementes da eternidade já no “chão da vida”, de viver com o coração projetado para a “terra prometida” da plenitude. Imerso(a) no presente, sim, mas sem se deixar sobrecarregar, sabendo que cada um é parte do mundo, sem ser o seu centro.

Sua presença contagia a alegria do Evangelho pois só ele(ela) é capaz de remover obstáculos que impedem o humor de viver como ressuscitados(as).

Não é coincidência que "humildade" e "humor" têm uma origem comum, ambos derivam de "húmus", terra.

A alegria vincula-se ao estado de plenitude humana, à criatividade, ao entusiasmo, ao prazer, ao contentamento, à satisfação, ao regozijo, à felicidade. “Bem-aventurados os que sabem rir de si mesmos: nunca cessarão de se divertir”.

“O(a) santo(a) é capaz de viver com alegria e sentido de humor. Sem perder o realismo, ilumina os outros com um espírito positivo e rico de esperança. Ser cristão é ‘alegria no Espírito Santo’” Rom. 14,17) " (Papa Francisco – GE. n. 122)

Os Evangelhos revelam que Jesus vivia sereno, feliz, alegre. As bem-aventuranças são o fiel reflexo de sua vida. Seu íntimo trato com o Pai, sua paixão pelo Reino, suas relações pessoais, suas amizades, seu modo de enfrentar a “hora”, sua aceitação da vontade do Pai, sua paixão e morte são vividas em paz.

Diante dos prodígios e milagres que vai realizando em sua vida pública, Jesus exulta de alegria no Espírito Santo. Ele nos revela que Deus é alegria em si mesmo e para nós, e que a salvação definitiva é “entrar na alegria do seu Senhor” (Mt 25,21).

Portanto, o modo de proceder do(a) santo(a) no mundo é imagem fiel do modo de proceder do próprio Jesus, que é princípio e garantia da Verdade, do Bem, da Justiça, da Misericórdia, da Compaixão...

Para meditar na oração:

Olhemos, contemplemos, sintamos, observemos, deixemo-nos conduzir pela santidade do Espírito. Descobriremos as paisagens interiores e panorâmicos que nunca descobriríamos por nós mesmos; descobriremos, sobretudo, que cada um(a) de nós é um(a) “santo dos Santos”, um sacrário da santidade de Deus. O “santo dos santos” é o coração mesmo de cada pessoa e a santidade de Deus se identifica com a vida de cada um(a).

- Sua presença junto às pessoas do seu cotidiano deixa transparecer a “santidade” de Deus?

- Contemplar saboreando o significado de cada uma das bem-aventuranças: em que medida elas se visibilizam no seu dia-a-dia? Há algo petrificado em seu interior que trava o fluxo das bem-aventuranças?

As Bem Aventuranças

FREI CARLOS MESTERS

No Evangelho de Mateus, escrito para as comunidades de judeus convertidos da Galileia e Síria, Jesus é apresentado como o novo Moisés, o novo legislador.

No AT a Lei de Moisés foi codificada em cinco livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Imitando o modelo antigo, Mateus apresenta a Nova Lei em cinco grandes Sermões espalhados pelo evangelho:

1) O Sermão da Montanha (Mt 5,1 a 7,29);

2) O Sermão da Missão (Mt 10,1-42);

3) O Sermão das Parábolas (Mt 13,1-52);

4) O Sermão da Comunidade (Mt 18,1-35);

5) O Sermão do Futuro do Reino (Mt 24,1 a 25,46).

Entre os cinco Sermões temos as partes narrativas, que descrevem a prática de Jesus, mostrando como ele observava a nova Lei e a encarnava em sua vida.

*Mateus 5,1-2: O solene anúncio

Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia! Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus! Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus! Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus! Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós.

De acordo com o contexto do evangelho de Mateus, no momento em que Jesus pronunciou o Sermão da Montanha, havia apenas quatro discípulos com ele (cf. Mt 4,18-22). Pouca gente. Mas uma multidão imensa estava à sua procura (Mt 4,25). No AT, Moisés subiu o Monte Sinai para receber a Lei de Deus. Como Moisés, Jesus sobe a Montanha e, olhando o povo, proclama a Nova Lei.

É significativa a maneira solene como Mateus introduz a proclamação da Nova Lei: “Ao ver as multidões Jesus subiu o monte e, como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos; e ele passou a ensiná-los, dizendo: Felizes os pobres em Espírito, pois deles é o Reino do Céu”

As oito Bem-Aventuranças formam a solene abertura do "Sermão da Montanha". Nelas Jesus define quem pode ser considerado feliz, quem pode entrar no Reino. São oito categorias de pessoas, oito portas de entrada para o Reino, para a Comunidade. Não há outras entradas! Quem quiser entrar no Reino terá que identificar-se ao menos com uma destas oito categorias.

*Mateus 5,3: Felizes os pobres em espírito

Jesus reconhece a riqueza e o valor dos pobres (Mt 11,25-26). Define sua própria missão como “anunciar a Boa Nova aos pobres” (Lc 4,18). Ele mesmo, vive como pobre. Não possui nada para si, nem mesmo uma pedra para reclinar a cabeça (Mt 8,20). E a quem quer segui-lo ele manda escolher: ou Deus, ou o dinheiro! (Mt 6,24). No evangelho de Lucas se diz: “Felizes vocês pobres!” (Lc 6,20). Então, quem é o “pobre em espírito”? É o pobre que tem o mesmo espírito que animou Jesus. Não é o rico. Nem é o pobre com cabeça de rico. Mas é o pobre que, como Jesus, acredita nos pobres e reconhece o valor deles. É o pobre que diz: “Eu acredito que o mundo será melhor quando o menor que padece acreditar no menor”.

1. Felizes os pobres em espírito - deles é o Reino dos Céus

2. Felizes os mansos - herdarão a terra

3. Felizes os aflitos - serão consolados - serão saciados

5. Felizes os misericordiosos - em espírito”. É o pobre que tem o mesmo espírito que animou Jesus. Não é o rico. Nem é o pobre com cabeça de rico. Mas é o pobre que, como Jesus, acredita nos pobres e reconhece o valor deles.

6. Felizes os de coração puro - verão a Deus

7. Felizes os promotores da paz - serão filhos de Deus

8. Felizes os perseguidos por causa da justiça – deles é o Reino dos Céus

*Mateus 5,4-9: O novo projeto de vida

Cada vez que na Bíblia se tenta renovar a Aliança, se recomeça restabelecendo o direito dos pobres e dos excluídos. Sem isto, a Aliança não se refaz! Assim faziam os profetas, assim faz Jesus. Nas bem-aventuranças, ele anuncia o novo Projeto de Deus que acolhe os pobres e os excluídos. Ele denuncia o sistema que exclui os pobres e persegue os que lutam pela justiça. A primeira categoria dos “pobres em espírito” e a última categoria dos “perseguidos por causa da justiça” recebem a mesma promessa do Reino dos Céus. E a recebem desde agora, no presente, pois Jesus diz “deles é o Reino!” O Reino já está presente na vida deles. Entre a primeira e a última categoria, há três duplas ou seis outras categorias de pessoas que recebem a promessa do Reino. Nestas três duplas transparece o novo projeto de vida que quer reconstruir a vida na sua totalidade através de um novo tipo de relacionamento: com os bens materiais (1ª dupla); com as pessoas entre si (2ª dupla); com Deus (3ª dupla). A comunidade cristã deve ser uma amostra deste Reino, um lugar onde o Reino começa a tomar forma desde agora.

*As três duplas:

Primeira dupla: os mansos e os aflitos: Os mansos são os pobres de que fala o salmo 37. Eles foram privados de suas terras e vão herdá-las de novo (Sl 37,11; cf Sl 37.22.29.34). Os aflitos são os que choram diante da injustiça no mundo e no povo (cf. Sl 119,136; Ez 9,4; Tob 13,16; 2Pd 2,7). Estas duas bem-aventuranças querem reconstruir o relacionamento com os bens materiais: a posse da terra e o mundo reconciliado.

Segunda dupla: os que tem fome e sede de justiça e os misericordiosos: Os que tem fome e sede de justiça são os que desejam renovar a convivência humana, para que ela esteja novamente de acordo com as exigências da justiça. Os misericordiosos são os que temo coração na miséria dos outros porque querem eliminar as desigualdades entre os irmãos e irmãs. Estas duas bem-aventuranças querem reconstruir o relacionamento entre as pessoas através da prática da justiça e da solidariedade.

Terceira dupla: os puros de coração e os pacíficos: Os puros de coração são os que tem um olhar contemplativo que lhes permite perceber a presença de Deus em tudo. Os que promovem a paz serão chamados filhos de Deus, porque eles se esforçam para que a nova experiência de Deus possa penetrar tudo e realize a integração de tudo (Shalôm). Estas duas bem-aventuranças querem reconstruir o relacionamento com Deus: ver a presença atuante de Deus em tudo e ser chamado filho e filha de Deus.

*Mateus 5,10-12: Os perseguidos por causa da justiça e do evangelho

As bem-aventuranças dizem exatamente o contrário do que diz a sociedade em que vivemos. Nesta, o perseguido pela causa da justiça é visto como um infeliz. O pobre é um infeliz. Feliz é quem tem dinheiro e pode ir no supermercado e gastar à vontade. Feliz é quem tem fama e poder. Os infelizes são os pobres, os que choram! Na televisão, as novelas divulgam este mito da pessoa feliz e realizada. E sem nos se dar conta, as novelas acabam se tornando o padrão de vida para muitos de nós. Será que na nossa sociedade ainda há lugar para estas palavras de Jesus: “Felizes os perseguidos por causa da justiça e do evangelho! Felizes os pobres! Felizes os que choram!”? E para mim, que sou cristão ou cristã, quem é feliz de fato?

Solenidade de Todos os Santos – Ano B – Mt 5, 1-12b.

Ana María Casarotti.

O caminho da felicidade

Celebra-se hoje a Solenidade de Todos os Santos e Santas. Lembra-se, com espírito agradecido, tantas pessoas que ao longo da história contribuíram para o crescimento da vida, da dignidade humana, da justiça. Pessoas, homens e mulheres, que dedicaram sua vida para semear sua semente de mostarda e contribuir na construção de uma humanidade mais justa e mais fraterna. Seu testemunho nos encoraja e anima a transitar por caminhos novos e até desconhecidos.

Antes de adentrar-nos na leitura e meditação do evangelho, pensemos: o que significa a santidade para cada um e cada uma de nós?

Quando penso numa pessoa santa, qual é a figura que aparece na minha imaginação? Suponho um rosto triste, opaco, que vive quase isolado num mundo próprio, que lentamente apaga seu sorriso e sua alegria das pequenas coisas que acontecem no viver diário?

Ou imagino uma pessoa ou uma comunidade com uma alegria contagiante, criativa, entusiasta? Pessoas que não têm medo da vida e da novidade que ela traz, que encaram os problemas e dificuldades que podem aparecer, comunicando-se continuamente com os que estão ao seu redor?

Qual é a minha imagem da santidade? Posso reconhecer as sementes de santidade que Deus plantou na minha vida?

No texto do Evangelho de Mateus, lemos que Jesus viu as multidões, subiu à montanha e sentou-se.

Na sua subida, Jesus é seguido por uma multidão. Quem são essas pessoas que o procuram ou desejam segui-lo?

Nos versículos anteriores, Mateus disse que “doentes atingidos por diversos males e tormentos: endemoninhados, epilépticos e paralíticos, numerosas multidões da Galileia, da Decápole, de Jerusalém, da Judeia e do outro lado do rio Jordão começaram a seguir Jesus” (Mt 4, 24-25). Não são pessoas

importantes nem poderosas, são os marginalizados e até desconsiderados pela sociedade.

É a procissão dos que sofrem, que procuram ser curados do mal e da doença que os atingem. Eles vão à procura de Jesus desde diferentes lugares: da Galileia, da Decápole, de Jerusalém, da Judeia... Para eles não há fronteiras e há um denominador comum que é a busca da liberdade, da saúde, de uma vida plena.

Sem se conhecerem se gera um vínculo profundo que constrói uma nova fraternidade. Entrelaçados por uma mesma realidade, em busca de trabalho, vida, justiça, paz, liberdade... Este é o grupo dos que seguem Jesus!

Jesus viu as multidões, subiu à montanha e sentou-se.

Jesus tem uma meta no seu caminho, mas destaca-se seu olhar sobre este grupo de pessoas que o seguem.

Para situar-nos no cenário descrito no evangelho, é preciso lembrar que a Montanha é um lugar de revelação de Deus para o povo. Assim como Moisés sobe a Montanha e recebe os Dez Mandamentos (Ex 20,1-17) que “proclamam os deveres da humanidade em relação aos direitos de Deus”, Jesus comunica as Bem-aventuranças que são o sentir de Deus Pai para os que serão chamados Filhos de Deus.

As bem-aventuranças manifestam os direitos da humanidade em relação aos deveres de Deus: receber o consolo, possuir a terra, ser saciados, achar misericórdia, ver a Deus!

Jesus senta-se para falar e assume, assim, a atitude dos rabinos quando ensinam. Diferente do que tinha acontecido na subida de Moisés no Sinai, que devia “traçar um limite ao redor da montanha e dizer ao povo que não suba à montanha, nem se aproxime da encosta; quem tocar na montanha deverá ser morto” (Ex 19, 12), neste momento os discípulos ficam perto de Jesus. Não é o mundo do medo, da distância ou até da morte. Pelo contrário, os discípulos se aproximam dele para escutar suas palavras, e Jesus começa a ensiná-los.

Como disse o Papa Francisco referindo-se as Bem-aventuranças: "Esta é a nova lei, esta que nós chamamos as bem-aventuranças”. É a nova lei do Senhor para nós. “São o mapa, o itinerário, são os navegadores da vida cristã. Justamente aqui vemos, neste caminho, segundo as indicações deste navegador, que podemos seguir adiante em nossa vida cristã”. Texto completo: Francisco: “As Bem-Aventuranças são o ‘GPS’ da vida cristã”

Os discípulos e discípulas que estão junto de Jesus recebem o direito ao Reino de Deus, a serem consolados, à misericórdia. Nas bem-aventuranças manifesta-se o coração de Deus Pai, seu Amor.

A bem-aventurança pertence a um gênero literário conhecido no Antigo Testamento. Aparece no mundo grego para comunicar o estado de felicidade dos deuses que estão acima das penas e fadigas. No decorrer do tempo evolui, mas sempre ressalta o motivo da felicidade de uma pessoa.

As bem-aventuranças propõem um valor que toda pessoa deseja e até procura! Mas Jesus proclama felizes as pessoas que a sociedade considera desgraçadas, desfavorecidas, desventuradas!

Pensemos, como seria a reação de cada uma dessas pessoas que escuta as palavras de Jesus? Que entende cada um e cada uma delas?

Nas palavras de Jesus percebe-se a natureza da mensagem do Reino. A felicidade é um direito de toda pessoa humana, mas para muitas pessoas é uma busca contínua, uma procura que traz riscos, perigos e até sofrimento.

Jesus anuncia bem-aventurados e felizes os que a sociedade considera desgraçados e infelizes! O teólogo e biblista Gianfranco Ravasi, no livro Beati i poveri in spirito, perché di essi è il regno dei cieli (Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus), evidencia o caráter paradoxal das Bem-aventuranças: "A felicidade é declarada lá onde se manifesta a infelicidade". Texto completo: Bem-aventurados os últimos? Um diálogo sobre a libertação dos pobres

Neste texto Jesus nos anuncia o caminho que leva à felicidade e à santidade. É um caminho que convida a viver com esperança, sem desistir, sem ficar na impotência. As pessoas que se reconhecem pobres diante de Deus são as que sabem que precisam da ajuda dos demais. Assim como os aflitos, os mansos, os necessitados são os que conhecem a dor e o sofrimento e isso gera neles a possibilidade de acolher e entender a riqueza da mensagem da Boa Nova do Reino que Jesus anuncia.

Eles constituem o novo povo de Deus e recebem de Jesus o ânimo para continuar na sua luta pela vida e dignidade. Jesus não nega as dificuldades que aparecem no caminho, mas oferece o consolo de uma esperança que só é compreendida por aqueles e aquelas que na sua pobreza acolhem sua Vida.

Falando na celebração de Todos os Santos, Francisco disse que “As Bem-aventuranças de Jesus, que também mencionam as bênçãos aos que são mansos e que têm fome de justiça, são o caminho [dos santos] rumo ao seu destino, rumo à pátria”. E continua dizendo: “Somos chamados a ser bem-aventurados, seguidores de Jesus, enfrentando os sofrimentos e angústias do nosso tempo com o espírito e o amor de Jesus”, continuou, acrescentando: “Neste sentido, poderíamos assinalar novas situações para as vivermos com espírito renovado e sempre atual”. Texto completo: Da Suécia, Francisco propõe seis novas Bem-aventuranças para a era moderna.

Neste dia somos convidados e convidadas a acolher e fazer crescer pela perseverança o reino de Deus no mundo: este é o caminho a percorrer na rota da santidade!

A festa de Todos os Santos apresenta-nos a variedade de expressões que há para viver a santidade, mas todas elas têm um traço comum que é o mandamento do amor por cima de tudo. Somos convidados a gerar confiança ao nosso redor, a viver com um coração limpo e entregue aos demais, procurando o bem de cada pessoa apesar dos sofrimentos que isso possa trazer.

Nesta semana, abramos nosso coração para reconhecer as sementes de santidade que estão ao nosso redor, nas nossas comunidades. Pessoas silenciosas, que não são conhecidas, mas que na sua vida semeiam continuamente o bem, a vida, a alegria.

Oração

Neste momento de oração meditemos as seis novas bem-aventuranças que propôs Francisco para a era moderna:

• Felizes os que suportam com fé os males que outros lhes infligem e perdoam de coração;

• Felizes os que olham nos olhos os descartados e marginalizados fazendo-se próximo deles;

• Felizes os que reconhecem Deus em cada pessoa e lutam para que também outros o descubram;

• Felizes os que protegem e cuidam da casa comum;

• Felizes os que renunciam ao seu próprio bem-estar em benefício dos outros;

• Felizes os que rezam e trabalham pela plena comunhão dos cristãos

O TEXTO EM ESPANHOL DE HOJE

NÃO É SOBRE TODOS OS SANTOS, MAS SOBRE O 32º DOMINGO DO TEMPO COMUM

DOMINGO XXXII DURANTE EL AÑO – CICLO "B"

Primera Lectura (1Re 17,10-16):

El ciclo de Elías, que comienza en 1Re 17, no es continuo, pues los capítulos 20 y 22 se refieren a las guerras arameas sin mostrar una especial animosidad contra Ajab y en ellos Elías no aparece. El capítulo 21, dedicado a la historia de Nabot, constituye uno de los elementos esenciales, mostrándonos cómo el profeta defiende con la misma energía los derechos del hombre que los de Dios. La narración del arrebato de Elías al cielo (2Re 2) se asigna al ciclo de Eliseo, pues el centro del relato es la transmisión del espíritu (2Re 2,9), simbolizada en el manto del profeta.

Por tanto, este relato al inicio del ciclo de Elías quiere presentarnos al profeta como hombre de Dios cuya palabra es poderosa y hay que creer en ella porque viene de Dios. Pero al mismo tiempo nos presenta a esta pobre viuda de Sarepta, o sea de tierras paganas, que en tiempos de sequía y hambre, ofreció al profeta todo lo que tenían ella y su hijo para sobrevivir un día más; y por su generosidad Dios obró el milagro pues “el tarro de harina no se agotó ni se vació el frasco de aceite, conforme a la palabra que había pronunciado el Señor por medio de Elías” (1Re 17,16). En su indigencia dio todo lo que tenían para vivir; y Dios premió su generosidad con abundancia permitiéndoles sobrevivir a la crisis.

Evangelio (Mc 12,38-44):

En el evangelio de este domingo tenemos que distinguir dos partes: la primera (12,38-40) que es una enseñanza de Jesús sobre la mala conducta de los escribas; y la segunda (12,41-44) que se refiere al testimonio religioso de una viuda pobre.

El contexto anterior es importante pues nos informa que Jesús está “enseñando en el Templo” (διδάσκων ἐν τῷ ἱερῷ en 12,35) ante “una multitud que lo escuchaba con agrado” (πολὺς ὄχλος ἤκουεν αὐτοῦ ἡδέως en 12,37).

El texto de hoy comienza anunciando una enseñanza o instrucción (didajé) de Jesús: “en la enseñanza les decía” (ἐν τῇ διδαχῇ αὐτοῦ ἔλεγεν en 12,38). Recordemos que Marcos es el evangelista que más insiste en la enseñanza de Jesús y en la buena recepción que tiene la misma por parte de la gente (cf. Mc 1,22.27; 4,2; 11,18 donde aparece el término didajé; mientras que en Mt lo encontramos dos veces y una sola vez en Lc).

Podemos suponer que la enseñanza va dirigida a la multitud que aparece en la escena inmediatamente anterior escuchando a Jesús con agrado (cf. 12,37).

J. Gnilka[1] divide esta enseñanza de Jesús en tres partes: 1) advertencia introductoria, 2) descripción de la conducta condenable de los escribas y 3) amenaza de juicio conclusiva.

La advertencia introductoria comienza con un verbo en imperativo, blépete (βλέπετε), cuyo significado primario es mirar, ver, pero que tiene también el sentido de guardarse o cuidarse de algo malo. Este verbo aparece siempre en boca de Jesús y dirigido principalmente a los discípulos. Ya había aparecido con un sentido idéntico en Mc 8,15: "Estén atentos, cuídense de la levadura de los fariseos y de la levadura de Herodes". Por tanto, indica que nos encontramos ante un importante llamado de atención de parte del Señor, quien pide a sus discípulos estar alerta, en constante vigilancia para no dejarse confundir o "contagiar" por modos de pensar u obrar contrarios a la enseñanza del evangelio.

Jesús invita aquí a cuidarse o resguardarse de los escribas (γραμματέων). Así se llamaba a los que dedicaban al estudio de las Escrituras interpretándolas a la luz de las tradiciones de los antepasados y adaptando las normas a la vida práctica. Se los llamaba también doctores de la ley, sabios o maestros (rabbí) pues enseñaban en escuelas y en el Templo; y solían ser honrados por el pueblo y recibir los puestos de honor en la sinagoga (cf. Mc 12,38-39). La mayoría de los escribas pertenecían al grupo de los fariseos y eran muy influyentes entre ellos.

A continuación, Jesús describe la conducta de los escribas, de la cual hay que cuidarse bien de seguir o imitar. En concreto presenta cinco acciones de los escribas que en cierto modo son una caricatura de los mismos: 1) pasearse con largas vestiduras; 2) ser saludados en las plazas; 3) ocupar los primeros asientos en las sinagogas y los primeros puestos en los banquetes[2]; 4) devoran los bienes de las viudas; 5) fingen hacer largas oraciones[3].

Si vamos a la actitud de fondo, en cuatro de las acciones (1; 2; 3 y 5) es clara su opción por la apariencia, por lo meramente exterior con la intención de obtener la aprobación o el reconocimiento de los demás. En la otra (4), "devorar los bienes de las viudas", parece que se trata más bien de una actitud de aprovechadores o manipuladores movida por la avaricia. Es decir, los escribas valiéndose de su condición y de su fama de hombres religiosos se apropiarían de los bienes de las viudas.

En los escritos rabínicos de aquella época, según nos informa J. Gnilka[4], también se condena severamente la explotación bajo pretexto devoto: “De los pobres los bienes devoran y afirman que lo hacen por justicia. En realidad perecen ellos” (AscMos 7, 3-10).

En síntesis, la religiosidad de los escribas es falsa por cuanto está motivada por la vanagloria y la codicia. De estos dos peligros nos advierte Jesús.

La enseñanza cierra con la amenaza de un juicio más severo para los escribas. Se trata sin duda del juicio escatológico o final de Dios.

La segunda parte comienza indicando que “Jesús se sentó frente al arca del Tesoro (γαζοφυλάκιον) y miraba cómo echaba la gente monedas en el arca del Tesoro” (12,41). En el recinto interior del Templo de Jerusalén estaba la sala del tesoro donde se encontraban unas alcancías en forma de trompeta, una de las cuales estaba destinada para las donaciones voluntarias. Al depositar la gente allí su ofrenda, harían un ruido proporcionado a la cantidad de monedas depositadas.

Entonces Jesús nota que muchos ricos echaban mucha cantidad. De pronto aparece una viuda "pobre" (πτωχὴ) que sólo deposita dos leptas, que son las monedas de cobre más pequeñas y equivalían a la octava parte de la ración que se distribuía a diario a los pobres de Roma. Entonces Jesús “llama a sus discípulos” y les da una enseñanza solemne (“en verdad es digo” ἀμὴν λέγω ὑμῖν): “esta pobre viuda ha puesto más que cualquiera de los otros, porque todos han dado de lo que les sobraba, pero ella, de su indigencia, dio todo lo que poseía, todo lo que tenía para vivir"(Mc 12,43-44). Si se toma en cuenta solamente la cantidad, es claro el contraste entre los ricos que ponen mucho y la viuda que dona muy poco, y la consiguiente valoración positiva de los que ponen más. Pero la valoración que hace Jesús a modo de enseñanza para sus discípulos toma en cuenta otro aspecto y por ello es diversa. Para Jesús la viuda pobre ha puesto más que los ricos que han donado mucho. Y esto porque Jesús no mira la cantidad sino el compromiso de cada uno con su ofrenda. Los ricos han dado lo que les sobraba; la viuda ha dado todo lo que tenía, ha dado su vida, se ha dado a sí misma a Dios en su pobre ofrenda.

ALGUNAS REFLEXIONES:

Este evangelio nos invita a meditar sobre la diferencia entre el mirar de los hombres y el mirar de Jesús, entre el valorar de los hombres y el valorar de Jesús. En efecto, mientras los hombres buscan, miran y valoran sólo las apariencias, Jesús, al igual que Dios en el Antiguo Testamento, mira el corazón y no la apariencia. Recordemos la frase de Dios a Samuel cuando tenía que ungir a uno de los hijos de Jesé: "Dios no mira como mira el hombre; porque el hombre ve las apariencias, pero Dios ve el corazón" (1Sam 16,7). Y este mirar profundo y verdadero de Dios es el fundamento de su justo juicio.

Por su apariencia los escribas eran a los ojos del pueblo hombres muy piadosos; pero Jesús ve que su corazón está lleno de vanagloria y codicia. A los ojos de los hombres, o sea en apariencia, los ricos dan mucho más que la pobre viuda; pero a los ojos de Jesús la viuda dio mucho más porque dio todo lo que tenía para vivir.

Por tanto, un primer tema que nos sugiere el evangelio de hoy en su conjunto es el de apariencia y realidad. La apariencia es lo que vemos nosotros y en función de lo cual muchas veces hacemos nuestras valoraciones. La realidad es lo que ve Dios, y es lo verdadero y definitivo. Y sabemos que esta verdad saldrá a luz de modo claro en el juicio de Dios. En efecto, tal como leemos en Is 11,3: "El no juzgará según las apariencias ni decidirá por lo que oiga decir".

Pero la enseñanza de Jesús es para que ya desde ahora vivamos y obremos bajo esta luz. Por eso nos advierte del peligro de la vanagloria o hipocresía que busca sobresalir, ubicarse en los primeros puestos, hacerse fama de "espirituales" con las oraciones a la vista de todos.

En concreto el evangelio de hoy nos está presentado un anti-modelo para no seguir, la actitud de los escribas; y un modelo a imitar, el de la pobre viuda.

La condena de los escribas nos recuerda aquella de los fariseos en Mt 6, 1-18 donde el comportamiento de estos es presentado en abierto contraste con el que debe tener el discípulo de Jesús, que es obrar en lo secreto o escondido para ser visto sólo por el Padre, quien lo recompensará. El hipócrita, fariseo o escriba, no obra buscando la mirada de Dios sino la de los hombres y por esto busca "mostrarse" en sus actos de piedad.

Por el contrario, la viuda obra sólo a los ojos de Dios, pues sólo Él (y Jesús nos lo revela) sabe lo que significaba para ella las dos moneditas de cobre. Bien podemos decir que al dar todo lo que tenía para vivir, ha entregado toda su vida a Dios. Es un testimonio elocuente, pues como señala H. U. von Balthasar[5]: "La viuda del evangelio de hoy no abre la boca, ni siquiera intercambia unas palabras con Jesús, pero Jesús la pone como ejemplo al final de toda su enseñanza: ella es, quizá sin saberlo, la que mejor ha comprendido lo que él ha querido decir en todos sus discursos. Y, al contrario que Elías, Jesús no dirá ni una palabra sobre una eventual recompensa: la acción de la mujer es tan brillante que tiene la recompensa en sí misma".

El juicio evaluativo que hace Jesús sobre los fariseos y sobre la viuda "nos instruye sobre los criterios que se utilizan en el Reino de Dios. Al Señor no le interesa la cantidad ni la eficacia de nuestros dones, sino la total disponibilidad de nuestro corazón […] La pobre viuda del evangelio nos descubre que el reino está en un corazón que se abre totalmente al otro, dando todo lo que posee, incluso lo que es necesario para vivir, aunque esto sea muy poco a los ojos de los demás"[6].

Otro detalle para notar es que la viuda no se avergonzó de su pobreza, no se juzgó a sí misma por su apariencia o condición. En este sentido nos invita, como también lo hace Sta. Teresita, a amar nuestra pobreza – que es nuestra realidad verdadera – y a entregarla con amor a Dios. Sus palabras son: "Lo que le agrada a Dios es verme amar mi pequeñez y mi pobreza, es la esperanza ciega que tengo en su misericordia... Este es mi único tesoro" (carta del 17-9-1896).

Este texto también nos ilumina sobre el sentido profundo de la pobreza evangélica, pues como dice H. U. von Balthasar: "Dios es absolutamente más rico que nadie, porque es absolutamente el más pobre. No tiene nunca nada para sí, sino siempre para el otro. Toda la riqueza de Dios consiste en este darse y recibir el Tú"[7].

Al respecto, decía el Papa Francisco: “La enseñanza que Jesús nos da hoy nos ayuda a recobrar lo que es esencial en nuestras vidas y favorece una relación concreta y cotidiana con Dios. Hermanos y hermanas, las balanzas del Señor son diferentes a las nuestras. Pesa de manera diferente a las personas y sus gestos: Dios no mide la cantidad sino la calidad, escruta el corazón, mira la pureza de las intenciones. Esto significa que nuestro “dar” a Dios en la oración y a los demás en la caridad debería huir siempre del ritualismo y del formalismo, así como de la lógica del cálculo, y debe ser expresión de gratuidad, como hizo Jesús con nosotros: nos salvó gratuitamente, no nos hizo pagar la redención. Nos salvó gratuitamente. Y nosotros, debemos hacer las cosas como expresión de gratuidad. Por eso, Jesús indica a esa viuda pobre y generosa como modelo a imitar de vida cristiana. No sabemos su nombre, pero conocemos su corazón —la encontraremos en el Cielo y seguramente iremos a saludarla—, y eso es lo que cuenta ante Dios. Cuando nos sentimos tentados por el deseo de aparentar y de contabilizar nuestros gestos de altruismo, cuando estamos demasiado interesados ​​en la mirada de los demás pensemos en esta mujer y, —permitidme las palabras— cuando nos pavoneemos, pensemos en esta mujer. Nos hará bien: nos ayudará a despojarnos de lo superfluo para ir a lo que realmente importa, y a permanecer humildes.

¡Que la Virgen María, mujer pobre que se entregó totalmente a Dios, nos sostenga en el propósito de dar al Señor y a los hermanos, no algo nuestro, sino a nosotros mismos, en una ofrenda humilde y generosa!” (ángelus del domingo 11 de noviembre de 2018).

PARA LA ORACIÓN (RESONANCIAS DEL EVANGELIO EN UNA ORANTE):

Lo que tenía para vivir

Dios se pronuncia y nos describe

El escenario de aquel tiempo

Que hoy puede ser nuestra historia

Un hecho trivial, de importancia poca

pero observado por Dios

se registró en las memorias.

Ve la entrega de tantos hombres

Y se detiene en la mujer pobre

Puede ver su corazón

Conoce sus necesidades y sus penas

Sopesa con amor su ofrenda

y la tasa con el más alto valor

ella no sabe de la mirada de Dios

anónima pasa entre la gente

dios habla de ella, Dios la colmó

La hizo Palabra en su voz,

Escuchamos de su indigencia

Y su generosidad manifiesta

Pedimos Señor, nos hagas testimonio

Siempre en vigencia, ocultos

pero testigos en este mundo, de tu Presencia. Amén.



[1] El evangelio según san Marcos Vol. II (Sígueme; Salamanca 1993) 203.

[2] “Las primeras sillas en las sinagogas: es refiere a los asientos más prominentes, los de mayor importancia, que se encontraban en el frente del recinto, junto al arca que contenía los rollos de la ley, de cara a la congregación. Los primeros asientos en las cenas: se refiere a los lugares de mayor honor, los cuales se encontraban cerca del anfitrión”, O. Vena, Evangelio de Marcos (SBU; Miami 2008) 279.

[3] Algunas traducciones (por ejemplo Biblia de Jerusalén y Biblia del Peregrino) vinculan esta última acción de fingir (expresada con el sustantivo prófasis) largas oraciones con la de devorar los bienes de las viudas, pero la presencia de la conjunción kai (y) más el contexto invitan a traducir el sustantivo griego prófasis como “fingir o aparentar” más que como "pretexto". Si bien tiene este último sentido en Jn 15,22; He 27,30 y 1Tes 2,5; nos inclinamos por aparentar o fingir, es decir como actitud no verdadera sino falsa según Flp 1,18: "Pero ¿y qué? Al fin y al cabo, hipócrita o sinceramente, Cristo es anunciado, y esto me alegra y seguirá alegrándome."

[4] El evangelio según san Marcos Vol. II (Sígueme; Salamanca 1993) 204.

[5] La luz de la palabra. Comentario a las lecturas dominicales (Encuentro; Madrid 1998) 204.

[6] L. H. Rivas, Jesús habla a su pueblo. Domingos durante el año. Ciclo B (CEA; Buenos Aires 2002) 253.

[7] Tu coroni l'anno con la tua grazia, Milán 1990, 177.