12º DOMINGO DO TEMPO COMUM -ANO B

23/06/2024 

(completaremos esta página no dia 22 sábado)

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AS LEITURAS DESTA PÁGINA E DO MÊS TODO


Primeira Leitura: Jó 38,1.8-11

Salmo Responsorial 106(107)R- Dai graças ao Senhor, porque ele é bom, porque eterna é a sua misericórdia!

Segunda Leitura: 2 Coríntios 5,14-17

Evangelho de Marcos 4,35-41

Naquele dia, ao cair da tarde, Jesus disse aos discípulos: “Passemos para a outra margem!” 36          Eles despediram a multidão e levaram Jesus, do jeito como estava, consigo no barco; e outros barcos o acompanhavam. 37Veio, então, uma ventania tão forte que as ondas se jogavam dentro do barco; e este se enchia de água. 38          Jesus estava na parte de trás, dormindo sobre um travesseiro. Os discípulos o acordaram e disseram-lhe: “Mestre, não te importa que estejamos perecendo?” 39        Ele se levantou e repreendeu o vento e o mar: “Silêncio! Cala-te!” O vento parou, e fez-se uma grande calmaria. 40          Jesus disse-lhes então:“ Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” 41 Eles sentiram grande temor e comentavam uns com os outros: “Quem é este, a quem obedecem até o vento e o mar?”

DOM JÚLIO ENDI AKAMINE, ARCEBISPO DE SOROCABA SP


Mc 4,35-40

A comunidade cristã dos evangelistas era uma comunidade duramente perseguida. Os cristãos do tempo de Marcos experimentavam quotidianamente a insegurança de viver como cristãos: perseguidos por causa da fé em Cristo, proibidos de prestar culto publicamente, obrigados à vida marginal, os fiéis da Igreja deviam experimentar grande consolo e confiança toda vez que ouviam as palavras de Jesus: “Silêncio! Cala-te!”. É possível também que houvesse alguns que se sentissem envergonhados por terem tanto medo da perseguição e das provações: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” Certamente não eram poucos os que no momento do perigo tinham clamado a Jesus: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?” A reação de medo dos discípulos era compreensível: a Igreja em que eles viviam mais parecia uma frágil barca, prestes a afundar e Jesus, mesmo estando na barca, parecia dormir!

Essa mensagem de confiança não perdeu nada de sua força consoladora e ressoa também para nós como encorajamento em meio às provações e como reprovação de nosso medo e pânico. Como no tempo do evangelista Marcos, a Igreja hoje está sendo açoitada pelo vento da contradição e da prova. Por sermos cristãos, somos acusados justa e injustamente. Como no tempo do evangelista Marcos, as ondas do mar em tempestade se precipitam sobre a Igreja: há discussões e intrigas fora e dentro da Igreja. Os sinais são o de que a Igreja está com seus dias contados e perto do naufrágio.

De novo, o Senhor, nos repete o que disse aos discípulos na barca: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” O mestre parece dormir na barca, mas é Ele que carrega a barca.

Alguns dão por certo o fim da Igreja e que a fé será liquidada em breve. Mas isso também não é novo: sempre houve, em todos os períodos da história, os que decretaram o fim da Igreja e, no entanto, a Igreja continuou, apesar de sermos tão desajeitados e desorientados. Sinal de que a Igreja é guiada e conduzida não por nós, mas pelos Senhor, mesmo que pareça adormecido.

O evangelho de hoje, porém, não está dirigido aos “de fora”, mas a nós, que somos medrosos e pessoas de pouca fé. O episódio da tempestade acalmada é narrado para nós que olhamos mais as ondas que nos ameaçam do que o Senhor que está na barca da Igreja.

Outra coisa importante a ser levada em consideração é que as tempestades mais perigosas não são as que sobrevêm contra a Igreja, mas as tempestades que estão dentro de nosso coração: as tentações, os desânimos, as revoltas. Essas tempestades interiores são muito mais destrutivas e perigosas. Por isso precisamos despertar Jesus que está como que adormecido em nosso coração. “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?” É necessário despertar Jesus que dorme procurando-o na oração e na prática da caridade.

O mar imenso e profundo com sua calma e com as suas tempestades é, na Bíblia, a criatura que melhor se presta a medir a grandeza e o poder imensos de Deus. Mas mais impressionante do que o mar é a beleza da assembleia dos fiéis reunida para a eucaristia: “O mar é lindo e canta os louvores a Deus, mas quanto mais linda é a assembleia dos fiéis na qual o sussurro misturado das vozes é semelhante às ondas que se quebram na praia: uma só voz de homens, mulheres, crianças se eleva em meio às orações que elevamos a Deus. Uma calma profunda mantém esta voz na paz” (São Basílio Magno). A missa é sacrifício de louvor. Não empobreçamos a missa dominical com elementos estranhos ao louvor, a doxologia, a evocação das maravilhas do Senhor, a ação de graças: torcida, teatro, televisão, show).

Nosso louvor está contaminado de vaidade, de interesses e de adulação. Esse louvor não é digno de Deus e ele não chega ao céu. Mas nós temos Jesus na barca! Mais uma vez peçamos a Ele que purifique o nosso louvor a Deus. Melhor que seja Ele o nosso alto-falante vivo junto ao Pai. Que nosso louvor chega ao Pai por Cristo, em Cristo e com Cristo, e seja transportando pelo sopro poderoso do Espírito Santo. 


 A força sedutora das margens - Pe Adroaldo Palaoro


O evangelho deste domingo fala de movimento, de deslocamento em direção a outras perspectivas, de saída dos próprios espaços de proteção e segurança, para acolher outras vidas, outras histórias, abrir-se ao novo, ao diferente. Que significa, para cada um, a outra margem? Desde logo, não há resposta padrão; ela é muito pessoal, como é pessoal a adesão à pessoa de Jesus. Convite pessoal e comunitário, de relação amistosa profunda, para encontrar n’Ele nossa segurança e, assim, continuar a vida com mais inspiração. É uma grande riqueza ir às margens de nossos irmãos, não como turista, mas como peregrinos.

Jesus convida a todos nós a cruzar o mar em direção à outra margem. Estamos tão acostumados em nossa margem rotineira que não é fácil arriscar e fazer a travessia; nem sequer estamos convencidos de que exista outra Margem, mais além das comodidades e das seguranças que buscamos. No entanto, nossa meta está do outro lado do risco e do perigo. A falta de confiança continua sendo a causa de não nos atrevermos a dar o passo; resistimos acreditar que Ele vai em nossa própria barca.

“A nossa fé não é uma fé laboratório, mas uma fé caminho, uma fé histórica. Deus se revelou como história, não como um compendio de verdades abstratas... Não é preciso levar a fronteira à casa, mas viver em fronteira e ser audazes” (Papa Francisco). Entrar na barca com o Mestre significa “embarcar” na vida d’Ele, correndo riscos de sofrer rejeições, abalos e tempestades.

O contexto social pós-moderno desencadeou uma complexa turbulência em todos os domínios da vida, gerando novos desafios para a adaptação do ser humano a seu ambiente. As pessoas sentem-se cada vez mais ameaçadas, por realidades externas e internas, a sensação de insegurança aumenta e torna-se mais indefinida; por conseguinte, os níveis de ansiedade e angústia são cada vez mais elevados, conduzindo a verdadeiras situações de ruptura e desespero.

Reforçam-se e elevam-se os gradeamentos, mudam-se e sofisticam-se as fechaduras, as pessoas armam-se, as sociedades ficam cada dia menos seguras e estáveis. É um círculo dramático e infernal cujo resultado é o desenvolvimento crescente de uma espiral de medo, de violência, de stress..., tornando as pessoas insensíveis, passivas e conformadas. É com esta situação que temos de aprender a lidar e a conviver. De fato, a pressão rotineira vivida cotidianamente nos diferentes ambientes demanda uma enorme competência e uma capacidade de adaptação diante de situações altamente adversas, agressivas e até violentas.

Como seguidores(as) de Jesus que bebemos das fontes do Evangelho, duas são as “margens” que nos seduzem, nos mobilizam e nos fazem chegar onde outros não chegam ou encontram dificuldades para chegar; estas duas “margens” constituem a originalidade de nossa vivência cristã e de nossa missão no mundo de hoje: a “margem” da interioridade e a “margem” da universalidade. São “margens” que nos humanizam, pois nos mobilizam a “descer” em direção àquilo que é mais humano, em nós e na realidade que nos interpela.

Em primeiro lugar, “passar para a outra margem” nos evoca o chamado a assumir um deslocamento social e religioso que tem um componente de risco e mudança. Implica sair do conhecido, abandonar as próprias seguranças; mudar de lugar, geográfico e/ou existencial, ir aonde ainda não temos ido e enfrentar uma travessia incerta; e, por último, atrever-nos a entrar em contato com o diferente e desconhecido e aceitar ser transformados. Esse desafio hoje nos sacode e pode gerar em nós inquietude e desassossego, como a tormenta que ameaça os discípulos depois de entrarem na barca.

Precisamos também fazer a travessia em direção à outra margem de nós mesmos, aquela que não costumamos visitar. Descobrir nosso tesouro escondido: a quantidade de qualidades e recursos que ativamos com medio-cridade, ou simplesmente não usamos. Porque, se nos níveis mental e emocional tendemos a nos instalar, no mais profundo, no entanto, nos habita o desejo do “mais”, que nos impulsiona, a partir de dentro, numa expansão aberta a horizontes cada vez maiores.

A “outra margem” é a novidade do presente, a descoberta incessante, a amplitude sem limites. Mas só poderemos começar a cruzá-la se estivermos dispostos a deixar nossos caminhos trilhados e nos entregarmos com docilidade à Vida – outro nome de nosso “mestre interior”. O primeiro desejo de chegar à outra margem nasce de dentro, do coração, que entende sua missão como busca e peregrinação interior, como um colocar-se em movimento... Sair da margem conhecida, “velha”, rotineira... para encontrar a nova margem: lugar de relação, de questionamento, de criatividade, de encontro com o novo e diferente…

A outra margem, lugar provocador, incitador, que desperta curiosidade... Aqui brotam as grandes experiências religiosas, as intuições, projetos, ideais vitais. Caminhar para a outra margem é sair do centro, da segurança, da acomodação... e ir em busca das surpresas, das novas descobertas; implica arriscar, ter ousadia, não ter medo de caminhar para os “confins da terra”, para regiões desconhecidas em seu próprio interior... Precisamos, para isso, ativar nossa “inteligência espiritual”, como a capacidade que nos permite acessar e conectar com essa dimensão profunda, à qual nos referimos com o termo “espiritualidade”.

Aderir à pessoa de Jesus, portanto, é arriscar-nos à travessia do mar da vida; não estamos sozinhos; talvez nos encontramos perdidos em alto mar esperando resgate e não somos capazes de perceber que no interior de nossa barca há uma presença que nos pacifica. Ao chegarmos à outra margem descobriremos uma experiência pessoal e comunitária de fé na pessoa de Jesus, que nos ressuscita por dentro, que nos injeta vida nova e alegria profunda.

No entanto, é na vivência da adversidade que se dá o encontro das oportunidades para o crescimento. Muitas vezes, são justamente as circunstâncias adversas, extremamente difíceis, que despertam na pessoa as condições mais criativas, que enriquecem suas possibilidades práticas de atuar sobre a realidade em que vive e transformá-la ou transformar-se. Isto quer dizer que, diante da adversidade, a pessoa mobiliza um conjunto de recursos dos quais não tinha consciência anterior, mas cujo efeito é potencializar dor de crescimento e enriquecimento pessoal.

 

Para meditar na oração:

Nas nossas vidas acontece algo de verdadeiro e belo quando nos dispomos a buscar dentro de nós mesmos a razão da nossa existência.

 

- A nossa vida é um êxodo, um sair constante de uma realidade para entrar em uma outra realidade nova.

 

O peregrinar é o elemento determinante e com maior valor simbólico para toda a vida.

 

- Existem ainda céus por explorar, aventuras por empreender, pensamentos por experimentar e experiências por aceitar; falta-nos ainda muito por saber, por ver, por sentir, por desfrutar...

 

- No “mapa espiritual” de nosso interior ainda existe uma “terra desconhecida”, que desperta interesse à vida, suscita curiosidade, nos põe a caminho... Grandes surpresas interiores estão à nossa espera, e a capacidade de continuar buscando é que dá sentido ao esforço e vigor à vida.

 

 

Tenha fé nas tempestades - Frei Carlos Mesters, O.Carm

 

O evangelho de hoje descreve a tempestade no lago e Jesus dormindo no barco. Nossas comunidades, muitas vezes, se sentem como um barquinho perdido no mar da vida, sem muita esperança de poder chegar ao porto. Jesus parece estar dormindo no nosso barco, pois não aparece nenhum poder divino para salvar-nos das dificuldades e da perseguição. Em vista desta situação de desespero, Marcos recolhe vários episódios que revelam como Jesus está presente no meio da comunidade. Nas parábolas revelou o mistério do Reino presente nas coisas da vida (Mc 4,1-34). Agora começa a revelar o mistério do Reino presente no poder que Jesus exerce a favor dos discípulos, a favor do povo e, sobretudo, a favor dos excluídos e marginalizados. Jesus vence o mar, símbolo do caos (Mc 4,35-41). Nele atua um poder criador! Jesus vence e expulsa o demônio (Mc 5,1-20). Nele atua um poder libertador! Jesus vence a impureza e a morte (Mc 5,21-43). Nele atua o poder de vida! É o Jesus vencedor! Não há motivo para as comunidades terem medo. Este é o motivo do relato da tempestade acalmada que meditamos no evangelho de hoje.

* Marcos 4,35-36: O ponto de partida: “Vamos para o outro lado”.

Foi um dia pesado de muito trabalho. Terminado o discurso das parábolas (Mc 4,1-34), Jesus diz: “Vamos para o outro lado!” Do jeito que Jesus estava, eles o levam no barco, de onde tinha feito o discurso das parábolas. De tão cansado, Jesus deita e dorme em cima de um travesseiro. Este é o quadro inicial que Marcos pinta. Quadro bonito, bem humano.

* Marcos 4,37-38: A situação desesperadora: “Não te importa que pereçamos?”

O lago da Galileia é cercado de altas montanhas. Às vezes, por entre as fendas das rochas, o vento cai em cima do lago e provoca tempestades repentinas. Vento forte, mar agitado, barco cheio de água! Os discípulos eram pescadores experimentados. Se eles acham que vão afundar, então a situação é perigosa mesmo! Jesus nem sequer acorda e continua dormindo. Este sono profundo não é só sinal do grande cansaço. É também expressão da confiança tranquila que ele tem em Deus. O contraste entre a atitude de Jesus e a dos discípulos é grande!

* Marcos 4,39-40: A reação de Jesus: “Vocês ainda não têm fé?”

Jesus acorda, não por causa das ondas, mas por causa do grito desesperado dos discípulos. Primeiro, ele se dirige ao mar e diz: “Fique quieto!” E logo o mar se acalma. Em seguida, se dirige aos discípulos e diz: “Por que vocês têm medo? Ainda não têm fé?” A impressão que se tem é que não era preciso acalmar o mar, pois não havia nenhum perigo. É como quando você chega numa casa e o cachorro, ao lado do dono, late muito. Aí não precisa ter medo, pois o dono está aí e controla a situação. O episódio do mar acalmado evoca o êxodo, quando o povo, sem medo, passava pelo meio das águas do mar (Ex 14,22). Evoca o profeta Isaías que dizia ao povo: “Quando passares pelas águas eu estarei contigo!” (Is 43,2) Jesus refaz o êxodo e realiza a profecia anunciada pelo Salmo 107(106),25-30.

* Marcos 4,41: O não saber dos discípulos: “Quem é este homem?”

Jesus acalmou o mar e disse: “Então, vocês não têm fé?” Os discípulos não sabem o que responder e se perguntam: “Quem é este homem a quem até o mar e o vento obedecem?” Jesus parece um estranho para eles! Apesar da longa convivência, não sabem direito quem ele é. Quem é este homem? Com esta pergunta na cabeça, as comunidades continuavam a leitura do evangelho. E até hoje, é esta mesma pergunta que nos leva a continuar a leitura dos Evangelhos. É o desejo de conhecer sempre melhor o significado de Jesus para a nossa vida.

* Quem é Jesus?

Marcos começa o seu evangelho dizendo: “Início da Boa Nova de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1,1). No fim, na hora da morte de Jesus, um soldado pagão declara: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!” (Mc 15,39) No começo e no fim do Evangelho, Jesus é chamado Filho de Deus. Entre o começo e o fim, aparecem muitos outros nomes de Jesus. Eis a lista: Messias ou Cristo (Mc 1,1; 8,29; 14,61; 15,32); Senhor (Mc 1,3; 5,19; 11,3); Filho amado (Mc 1,11; 9,7); Santo de Deus (Mc 1,24); Nazareno (Mc 1,24; 10,47; 14,67; 16,6); Filho do Homem (Mc 2,10.28; 8,31.38; 9,9.12.31; 10,33.45; 13,26; 14,21.21.41.62); Noivo (Mc 2,19); Filho de Deus (Mc 3,11); Filho do Deus altíssimo (Mc 5,7); Carpinteiro (Mc 6,3); Filho de Maria (Mc 6,3); Profeta (Mc 6,4.15; 8,28); Mestre (frequente); Filho de Davi (Mc 10,47.48; 12,35-37); Bendito (Mc 11,9); Filho (Mc 13,32); Pastor (Mc 14,27); Filho do Deus bendito (Mc 14, 61); Rei dos judeus (Mc 15,2.9.18.26); Rei de Israel (Mc 15,32),

Cada nome, título ou atributo é uma tentativa de expressar o que Jesus significava para as pessoas. Mas um nome, por mais bonito que seja, nunca chega a revelar o mistério de uma pessoa, muito menos da pessoa de Jesus. Além disso, alguns destes nomes dados a Jesus, inclusive os mais importantes e os mais tradicionais, são questionados e colocados em dúvida pelo próprio Evangelho de Marcos. Assim, na medida em que avançamos na leitura do evangelho, Marcos nos obriga a rever nossas ideias e a nos perguntar, cada vez de novo: “Afinal, quem é Jesus para mim, para nós?” Quanto mais se avança na leitura do evangelho de Marcos, tanto mais se quebram os títulos e os critérios. Jesus não cabe em nenhum destes nomes, em nenhum esquema, em nenhum título. Ele é maior! Aos poucos, o leitor, a leitora, vai se entregando e desiste de querer enquadrar Jesus em algum conceito conhecido ou ideia já pronta, e o aceita do jeito que ele mesmo se apresenta. O amor capta, a cabeça, não!

Para um confronto pessoal

1. As águas do mar da vida, alguma vez, já ameaçaram afogar você? O que o salvou?

2. Qual era o mar agitado no tempo de Jesus? Qual era o mar agitado na época em que Marcos escreveu o seu evangelho? Qual é, hoje, o mar agitado para nós?

3. Leia Isaías 43,2 e também Salmo 107(106),25-30, e compare-os com o episódio da tempestade acalmada. Qual a conclusão que você tira?

  

Confiar - José Antonio Pagola

 

Pouco se ouve falar hoje da «providência de Deus». É uma linguagem que tem caído em desuso ou que se converteu numa forma piedosa de considerar certos acontecimentos. No entanto, acreditar no amor providente de Deus é uma característica básica do cristão.

Tudo brota de uma convicção radical. Deus não abandona nem se desentende daqueles a quem cria, mas sustenta sua vida com amor fiel, vigilante e criador. Não estamos à mercê do acaso, do caos ou da fatalidade. No interior da realidade está Deus, conduzindo o nosso ser para o bem.

Esta fé não liberta de penas e trabalhos, mas enraíza o crente na confiança total em Deus, que expulsa o medo de cair definitivamente sob as forças do mal. Deus é o Senhor último das nossas vidas. Daí o convite da primeira carta de São Pedro: «Entreguem-lhe toda a vossa ansiedade, porque ele cuida de vós». (1 Pedro 5,7).

Isto não quer dizer que Deus «intervenha» nas nossas vidas como intervêm outras pessoas ou fatores. A fé na Providência caiu por vezes em descrédito precisamente porque foi entendida num sentido intervencionista, como se Deus se intrometesse nas nossas coisas, forçando os acontecimentos ou eliminando a liberdade humana. Não é assim. Deus respeita totalmente as escolhas das pessoas e a marcha da história.

Por isso, não se deve dizer propriamente que Deus «guia» as nossas vidas, mas sim que oferece sua graça e sua força para que nós a orientemos e guiemos para o nosso bem. Assim, a presença providencial de Deus não leva à passividade ou à inibição, mas à iniciativa e criatividade.

Por outro lado, não devemos esquecer que, embora possamos captar sinais do amor providencial de Deus em experiências concretas da nossa vida, a sua ação permanece sempre inescrutável. O que hoje nos parece mau pode ser amanhã uma fonte de bem. Somos incapazes de abarcar a totalidade da nossa existência; escapa-nos o sentido final das coisas; não podemos compreender os acontecimentos nas suas últimas consequências. Tudo está sob o sinal do amor de Deus, que não esquece nenhuma das suas criaturas.

Nesta perspectiva, a cena do Lago Tiberíades adquire toda a sua profundidade. No meio da tempestade, os discípulos veem Jesus dormindo confiantemente no barco. Do seu coração cheio de medo brota um grito: «Mestre, não te importa que nos afundemos?». Jesus, depois de contagiar a sua própria calma ao mar e ao vento, diz-lhes: «Por que sois tão covardes? Ainda não tendes fé?». 

 

Arriscar a travessia pelas águas desconhecidas - Ana Maria Casarotti

 

No final deste dia Jesus aparece cansado. No capítulo 3 Jesus havia entrado na sinagoga onde estava o homem com uma mão seca e também “havia aí algumas pessoas espiando, para verem se Jesus ia curá-lo em dia de sábado, e assim poderem acusá-lo”. Jesus cura o homem e esse gesto traz como consequência a vontade de matá-lo e, para isso, os fariseus e alguns do partido de Herodes começam a planejar a sua morte. Jesus logo se retira para a beira do rio e muitas pessoas vão ao seu encontro para ser curadas por ele, para receber benção ou escutá-lo. Depois Jesus chama os que deseja escolher e constitui o grupo dos Doze.

Quando ele vai para sua casa são tantas as pessoas que o procuram que não tem tempo nem para comer. Neste momento seus parentes o procuram porque diziam que tinha ficado louco.

No início da proclamação das parábolas, Jesus é procurado por sua mãe e seus irmãos. Sua resposta diante desta busca é constituir uma nova família! “Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.

No capítulo seguinte (Mc 4) Jesus continua com o anúncio das parábolas e finaliza este capítulo com o texto que acabamos de ouvir. “Quando chegou a tarde, Jesus disse a seus discípulos: ‘Vamos para o outro lado do mar”. Então os discípulos deixaram a multidão e o levaram na barca, onde Jesus já se encontrava”.

Chega a tarde e podemos pensar que para Jesus foi um dia de muito cansaço, continuamente rodeado de pessoas que o procuravam para ser curadas por ele, para escutá-lo, apesar de possivelmente não conseguirem entender muito o seu ensinamento através das parábolas.

Jesus pede para atravessar o mar e eles deixam a multidão e o levam na barca. Podemos imaginar que Jesus está fatigado e merece descansar num espaço com pessoas de confiança, aqueles que ele tinha escolhido. Lembremos que o mar simboliza o perigo, as ameaças à vida, tudo aquilo que destrói a firmeza e segurança da terra, fundamentalmente quando se procura atravessá-lo numa pequena barca.

Há sempre a possibilidade de uma tormenta, do vento que ameace a estabilidade da barca, mas Jesus não se preocupa com isto. Ele descansa sem medo, confiando no seu Pai.

Quando começa “a soprar um vento muito forte, e as ondas se lançavam dentro da barca, de modo que a barca já estava se enchendo de água”, os discípulos não podem acreditar que Jesus continue dormindo. Como é possível que ele possa continuar dormindo sem preocupar-se? Ele não tem sensibilidade, ou não percebe a força desse vento e das águas que já estão enchendo a barca? Seu pedido foi claro: ir para o outro lado do mar, ou seja, atravessar o mar da Galileia para ir à terra dos pagãos e continuar sua missão.

Mas quando começa a tormenta e o vento forte, podemos imaginar o assombro dos discípulos diante desta situação. Jesus continua dormindo!!! Eles o acordam e em suas palavras há um protesto pela sua impassibilidade: “Mestre, não te importa que morramos?”.

A resposta de Jesus não são palavras, é uma atitude que manifesta seu domínio sobre o mar e tudo aquilo que simbolize perigo e, neste caso, até risco de morte. Ele reage com palavras claras: ameaça o vento e diz ao mar: "Cale-se! Acalme-se!"

O vento para, mas não acaba aqui: Jesus se dirige aos discípulos com palavras duras pelo seu medo e sua falta de fé.

E podemos perguntar-nos: “Quais são os mares que as diferentes comunidades estão atravessando hoje para continuar assim a missão que Jesus lhes confia”?

Quais são os ventos que ameaçam continuamente nossa barca para que fique sempre na mesma beira do mar, sem preocupar-se com os outros e outras e ir ao desconhecido, ou como disse o Papa, ir às fronteiras?

Quais são as vozes que escutamos e nos atraem para ficar como uma Igreja aparentemente tranquila, sem movimento, sem estender seu olhar para além do conhecido e do seguro?

Falta-nos fé e confiança naquele que nos chama e nos convida a viver na fé e na confiança nele, sem deixar que o medo nos aprisione.

Os discípulos se perguntam: “Quem é este?”. Surpreendidos pelo seu poder sobre o vento e sobre o mar, diante da atitude de Jesus, eles têm muito medo! Se a comunidade segue os passos do seu Mestre, sofrerá perseguições, experimentará tormentas, mas o poder de Deus é maior que tudo isso.

Neste dia somos convidados a escutar suas palavras e passar assim da desconfiança ou do medo para uma fé confiada, a ponto de poder dormir mesmo na tormenta da travessia missionária.

 

Passar para a outra margem com fé, com medo e com máscara - Frei Jacir de Freitas Faria

 

O evangelho sobre o qual vamos refletir hoje é Mc 4,35-41. Nos capítulos anteriores, Jesus entra na sinagoga para ser reconhecido pelos demônios e ser confrontado com as lideranças judaicas dos grupos dos fariseus, saduceus e herodianos. Nessa ocasião, Jesus entra também na casa de Pedro, onde cura sua sogra, doentes e é confrontado pela sua família.

Nessa passagem, o ambiente é outro, o mar. Por que o mar? Jesus está com os discípulos num barco. Jesus dorme. Os discípulos têm medo? Medo de quê? Medo do vento. Você teve medo em sua vida? Qual a origem do medo? Jesus e os discípulos haviam passado para a outra margem. Você já mudou de rumo, de margem em sua vida?

Passemos às possíveis respostas. A cena parece interessante. Jesus, na sua humanidade, dorme tranquilo. Os apóstolos o protegem. Mar e vento sopram violentamente. Esses representam o poder (mar) e o espírito (vento) do mal. Leviatã era o demônio do mar, assim como Azazel era o demônio do deserto. O rei selêucida Antíoco IV Epífanes, que significa “revelação de Deus” e considerado uma “besta’ pelos judeus, julgava-se “Senhor do vento e do mar”. Entre os romanos, do cônsul Pompeu se dizia que o mar e o vento lhe obedeciam.

Contrário aos poderosos, Jesus age como Deus criador que pode acalmar o mar e o vento. Em Jesus, Deus se desperta do sono para reger o mar. Contrário a Jonas, que dormia para não enfrentar os perigos do mar. Às palavras de Jesus: silêncio e quieto, o vento serena e tudo volta ao normal.

Em seguida, Jesus chama a atenção dos discípulos: “Não tendes fé? Nisso está a questão central da passagem: a falta de fé dos discípulos. O medo dos discípulos está relacionado com a falta de fé. Na pergunta dos discípulos, por quem é este que até o mar e o vento obedecem, está a prova de que eles não foram capazes de reconhecer a ação de Deus em Jesus.

Os discípulos começaram a romper com o mar, mas ainda não foram capazes de compreender o caminho de Jesus. O mar, os opressores, ainda os aterrorizam. Mar é o ambiente caótico da ideologia do sistema opressor, que ainda está presente na vida dos discípulos. Eles ainda não têm fé suficiente para romper com ele.  

As primeiras comunidades estavam se aproximando dos gentios que ficam na outra margem. Uns defendiam o caráter judaico da missão de Jesus, outros, não. Havia o conflito entre as propostas de Pedro e as de Paulo. Jesus estava “dormindo”, isto é, morto, parecia ausente. A barca dos discípulos, das primeiras comunidades, estava à deriva. Muitos cristãos estavam aderindo ao império romano.

O objetivo de Marcos, com essa passagem, era convocar a comunidade para ter fé em Jesus ressuscitado da morte, vivo e atuante na comunidade com a força de Deus, capaz de dominar o caos e de vencer as potências infernais satânicas que ameaçam as comunidades. No mar da vida, encontramos muitas dificuldades. Sem a fé podemos afundar, mas quem crê está salvo. O barco é a comunidade, que sofre tormentos de todos os lados, mas que precisa ter fé.

O que Marcos quis dizer para nós, hoje, com essa passagem? Permita-me apontar duas situações, uma de cunho pessoal e outra, comunitária, ainda que as duas se entrelacem.

Na dimensão pessoal, ficando com o sentindo existencial, tão bem expresso naquela música de Nelson Mota, tão cara às comunidades: “Se as águas do mar da vida quiserem te afogar, segura nas mãos de Deus e vai. Se as tristezas desta lida quiserem te sufocar. Segura na mão de Deus e vai. Segura na mão de Deus, segura na mão de Deus, pois ela, ela te sustentará. Não temas, segue adiante, e não olhes para trás

Segura na mão de Deus e vai.”  A fraqueza faz parte de condição humana. Ninguém é super-homem ou super-mulher. Precisamos reconhecer o nosso limite, mas acreditar sempre. Como disse o Papa Francisco, recentemente, aos sacerdotes que se creem os tais, mas que vale para todos nós. Ele disse: “Os sacerdotes super-homens terminam mal, todos eles. O sacerdote frágil, que conhece suas fraquezas e fala delas com o Senhor, esse irá bem”.

Na dimensão social e coletiva, chamo a sua atenção para a atual conjuntura brasileira, dividida entre os projetos de construção da sociedade. Estamos, como na comunidade de Marcos, com medo e sem saber a qual projeto seguir. Havia dúvida se deveria “usar máscara ou não”, pois o medo os paralisava e os impedia de passar para a outra margem. Passamos a vida inteira trocando de margem: do bebê para a criança, da criança para o jovem, do jovem para o adulto. Com medo não se vence as passagens!

É bem verdade que o medo faz parte de nossa condição humana. Quem disse que nunca teve medo, está mentindo. Coragem, diria Jesus, para passar da margem do sofrimento para a alegria, da fome para a abundância, da injustiça para a justiça, da política desonesta para a verdadeira política.

Por fim, o segredo, na passagem do mar da vida, é levar Jesus conosco na barca, pois só ele pode cuidar de nós diante dos ventos nefastos e dos demônios do mar. Ele é como uma máscara que nos protege na travessia, na turbulência vida infestada de nefastos vírus. Segura nas mãos de Deus e vai. Boa viagem. Paz e bem.

 

Jó 38,1.8-11- Thomas McGrath


A história do Livro de Jó trata de temas fundamentais da nossa vida, assuntos que sempre nos questionam. Além de tocar no assunto da nossa visão de Deus o livro levanta a questão do sofrimento do justo inocente, a situação do homem diante de Deus e a atitude de Deus face ao homem.

O Livro é a história de um homem bom e justo – Jó – que perde tudo na vida, a riqueza, a família e até a saúde. O Jó procura saber a origem do seu sofrimento e o papel de Deus nessa história toda. No decorrer do livro três dos seus amigos tentam responder às suas inquietações e duvidas, lhe apresentando as explicações da religião oficial: o sofrimento é sempre o resultado do pecado, e no caso, o Jó está sofrendo porque ele pecou. Com veemência Jó rejeita essas explicações. Ele não aceita a ideia que Deus é um tipo de contador que mantém um livro onde registra as ações boas e ruins da gente, para no fim pagar de acordo com um balanço final.  Deus não pode ser isso; e o caso especifico do Jó é prova disso.

Não aceitando as explicações dos amigos, que retratam as atitudes oficiais da época (e para muitos até hoje !!), o Jó vai diretamente para o próprio Deus, que é o único que pode explicar.  E como ele tem muita intimidade com Deus, no seu desabafo ele dá expressão ao seu inconformismo, suas dúvidas e revolta, mas tudo misturado com sua esperança, fé e confiança em Deus. Quando, finalmente, Deus enfrenta Jó, obrigando ele a lembrar o seu lugar de criatura, limitada e finita. Deus não deixa Jó esquecer que é somente Ele – Deus -  que conhece as leis que regem o universo e a vida, e que ele preocupa sim, e profundamente, com cada um dos seres criados por Ele, e que seus planos ultrapassam infinitamente a capacidade de compreensão e entendimento de qualquer criatura. Deus tem uma lógica, um plano, um projeto que ultrapassa infinitamente aquilo que as criaturas humanas são capazes de entender.

O pequeno trecho da leitura de hoje faz parte do discurso de Deus em responde ao questionamento do Jó. Para levá-lo a perceber e sentir as suas limitações Deus coloca para ele, a sua ignorância, a sua incapacidade para entender o mistério insondável de Deus e os projetos que Deus tem para o mundo e para os homens.

No trecho Deus está falando "do meio da tempestade" (vers. 1). No antigo Testamento Javé sempre fala do meio de tempestades (cf. Ex 19,16). A tempestade é, como se fosse a moldura onde se coloca o discurso de Deus. É Javé quem controla o mar; foi o Javé quem fixou os limites do mar. O Povo bíblico viu no mar uma realidade assustadora, que o homem não conseguia controlar. O mar, controlado e encerrado dentro dos seus limites naturais, é um testemunho do poder supremo de Deus; mostra o domínio perfeito de Deus sobre toda a sua criação.

Ao recordar a sua ação criadora sobre o mar, Javé Se apresenta, antes de mais nada, intocável na sua transcendência e majestade; e mostra, depois, que tem para a criação um plano estável, amadurecido, consolidado, irrevogável... Quem é Jó para pôr à prova os desígnios desse Deus criador que, com a sua Palavra, controlou o mar? Jó é convidado a aceitar que um Deus de quem depende toda a criação, que até o mar obedece, que cuida da criação com o cuidado de um pai, sabe o que está fazendo, e é quem tem uma solução para os problemas e dramas do homem... O homem, na sua situação de criatura finita e limitada, é que nem sempre consegue ver e perceber o alcance e o sentido último dos projetos de Deus.

Em conclusão: só Deus tem todas as respostas; ao homem resta reconhecer os seus limites de criatura e entregar-se nas mãos desse Deus omnipotente e majestoso, que tem um projeto para o mundo. Ao homem finito e limitado resta confiar em Deus e ver n'Ele a sua esperança e a sua salvação.

No fim do livro o Jó dobra o joelho diante de Deus e disse: “Tu me perguntaste como me atrevi a pôr em dúvida a tua sabedoria, visto que sou tão ignorante. É que falei de coisas que eu não compreendia, coisas que eram maravilhosas demais para mim e que eu não podia entender... Antes eu te conhecia só por ouvir falar, mas agora eu te vejo com os meus próprios olhos. Por isso, estou envergonhado de tudo o que disse e me arrependo, sentado aqui no chão, num monte de cinzas. ” (42. 3,5-6).

E no v7 Deus virou para os amigos de Jó (que se consideravam representantes do próprio Deus e disse: “Estou muito irado com você e com os seus dois amigos, pois vocês não falaram a verdade a meu respeito, como o meu servo Jó falou”.

Que lição!!

 

TEXTO DE DOM DAMIÁN NANNINI, ARGENTINA 

(Traduzido pelo Tradutor Google, sem correção nossa) 



 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM – CICLO "B"

  

Primeira leitura (Jó 38,1.8-11):      


Este texto é dominado pela imagem do mar que simboliza o poder da natureza, algo muito forte, incontrolável e ameaçador ao mesmo tempo. Por isso ele é, às vezes, também figura do mal, do inimigo. Mas, para além de toda a sua força e bravura, Deus, o Criador, pode dominar o mar e limitá-lo.


 Evangelho (Mc 4,35-41):  


         A história começa com uma referência temporal (“ao pôr do sol desse mesmo dia”) e outra espacial (“vamos atravessar para a outra margem”) que têm a função de ligá-la ao que a precede. Jesus estava ensinando em parábolas à beira-mar, no barco (cf. 4:1); e agora nesse mesmo barco, tal como estava, levam-no para a outra margem do lago, a oriental, terra dos pagãos.


Assim que Jesus sai da costa, a história centra-se exclusivamente na relação de Jesus com os seus discípulos numa situação perigosa. Esta relação domina grande parte do evangelho segundo São Marcos, pois um de seus objetivos é a formação do catecúmeno, o discípulo de Jesus.


         Imediatamente, e brevemente, é descrita uma situação dramática: surge um forte vento de furacão que provoca a queda de grandes ondas sobre o barco; que logo ficou cheio e em perigo de naufrágio. Como o Lago da Galiléia está localizado em uma depressão no terreno e cercado por montanhas, essas tempestades prematuras e perigosas ocorrem com frequência.


         Alguns autores sugerem que tenhamos como pano de fundo a história de Jonas, que também dormiu no barco durante a tempestade (cf. Jn 1,5) quando fugia da missão que Deus lhe havia pedido para ir a Nínive, terra de pagãos. , para pregar-lhes a conversão. Depois «poder-se-ia dizer que a tempestade se levanta para deter o avanço libertador do mensageiro da boa nova e do seu grupo de discípulos, ou seja, é uma espécie de metáfora que descreve a luta entre os poderes do mal, personificados no mar, e Deus, encarnado em Jesus. O fato de Jesus estar dormindo nos fala de sua confiança em Deus, ou no poder que Deus lhe deu para combater Satanás, o homem forte de 3,27”[1]. A verdade é que a história deixa evidente o contraste entre a agitação dos discípulos e a serenidade de Jesus que dorme num travesseiro na popa (proa) do barco.


         M. Navarro Puerto[2] nos informa sobre um certo paralelo entre a atitude de Jesus nesta cena e a parábola da semente que cresce por si mesma, pois são usados ​​os mesmos verbos “dormir” e “levantar-se”: “E ele disse: “O Reino de Deus é semelhante a um homem que lança a semente à terra: quer durma quer se levante, noite e dia, a semente germina e cresce, sem que ele saiba como” (Marcos 4:26-27). no caso do agricultor, ele adormece e levanta-se expressando o ritmo de vida confiante; por outro lado, Jesus dorme confiante, mas é acordado pelos seus discípulos. não se importa (οὐ μέλει σοι) que pereçamos." Vale lembrar aqui que alguns dos discípulos eram pescadores e daquele mesmo lugar, portanto a avaliação deles sobre o perigo da situação deve ter sido muito real. No entanto, a reprovação , mais do que um pedido de ajuda urgente - um SOS -, tem a forma de uma reclamação emocional, de uma reclamação a Jesus por não lhes dar atenção e ser indiferente ao seu destino. Jesus recebe uma reprovação semelhante de Marta, irmã de Maria, em Lucas 10:40: "Senhor, não te importa (οὐ μέλει σοι) que minha irmã me deixe sozinha no trabalho?"


Assim que se levanta, Jesus “repreende o vento” e “manda silêncio” ao mar. E imediatamente tudo se acalma. A situação é diferente.


         As expressões de Jesus dirigidas ao vento e ao mar têm paralelos em histórias de exorcismo como Marcos 1:25 e 9:25, de modo que esta ação de Jesus é apresentada como um exorcismo cósmico que diz respeito à natureza. Isto teria sua razão na concepção da época que considerava os poderes malignos como causadores da agitação dos elementos da natureza. Portanto, existe uma certa correspondência simbólica entre terra > vida e mar > morte. Não esqueçamos que Israel é uma cidade mediterrânica, do interior, pelo que o mar representava uma potência perigosa e misteriosa. A este detalhe devemos acrescentar o elemento temporal: a tempestade acontece à noite, na escuridão, o que também tem um sentido simbólico do mal.


O contexto do Antigo Testamento ajuda-nos a compreender o alcance do que Jesus realizou com a sua única palavra: estabelecer um limite para o mar é um ato do poder divino. A primeira leitura e o salmo de hoje são um claro exemplo desta concepção. Sl 107:23-31 é uma ação de graças pela salvação de um vento tempestuoso com ondas subindo para o céu e marinheiros clamando ao Senhor em sua extrema angústia. Mas vejamos outros:


 Salmo 74:13: Você destruiu o mar com seu poder e quebrou as cabeças do dragão do mar;


Sal 89:10: Dominas a soberba do mar e acalmas a arrogância das suas ondas;


Jó 26:12: Com a sua força conteve o Mar, com a sua inteligência derrotou Raabe.


 Como J. Gnilka observa com razão: “É importante perceber que o poder atribuído a Yahweh no Antigo Testamento é agora afirmado por Jesus”.


         É importante também que Jesus domine o vento e o mar com a sua única Palavra. A palavra do Mestre é uma palavra cheia de poder, capaz de trazer calma num mar agitado.


A reprovação de Jesus aos seus discípulos é dura porque ele usa o termo “covardes” (δειλοί) (cf. Ap 21,8 onde encabeça a lista daqueles que serão lançados no lago de fogo e enxofre que é a segunda morte) . Então ele os repreende por ainda não terem fé.


         A história termina com uma nova reação dos discípulos, também caracterizada pelo medo, mas com uma nuance diferente da anterior, que foi a covardia, refletida no uso de um termo diferente (φόβοs). Neste caso, trata-se mais de perplexidade e perplexidade diante de tal ato de poder por parte de Jesus, o que levanta a questão sobre sua identidade. A este respeito, é interessante o que diz A. Rodríguez Carmona[4]: “Apesar de estarem com Jesus, ainda não o conhecem e, por isso, são tímidos diante da dificuldade, mas têm a capacidade de surpreender no face do mistério e são capazes de questionar-se, com uma pergunta aberta, sobre o mistério da pessoa de Jesus, que se revela como Senhor da criação”.


 Algumas reflexões: 


         É importante lembrar sempre que a fé é um processo, uma jornada que dura a vida toda. E embora possa nos surpreender, a fé sempre terá a dúvida como companheira de viagem. São John Henry Newman é responsável pela frase: “fé é a capacidade de suportar dúvidas”. Esta luta entre a fé e a dúvida faz parte da condição humana. Assim como o crente será assaltado pela dúvida se a sua fé, aquilo em que acredita e em quem acredita, é real; O incrédulo também será “tetado pela fé”, no sentido de se perguntar se a fé não é real e se ele tomou o caminho errado ao rejeitá-la. Isto foi expresso pelo jovem Joseph Ratzinger na sua obra “Introdução ao Cristianismo”: “tanto o crente como o não crente participam, cada um à sua maneira, na dúvida e na fé, desde que não se escondam de si mesmos”. . a verdade do seu ser. Ninguém pode escapar completamente da dúvida ou da fé. Para um, a fé estará presente apesar da dúvida, para o outro através da dúvida ou na forma de dúvida. É uma lei fundamental do destino humano encontrar o que é decisivo para a sua existência na rivalidade perpétua entre a dúvida e a fé, entre a contestação e a certeza. A dúvida impede que ambos se fechem hermeticamente no ego e ao mesmo tempo constrói uma ponte que os comunica. Impede que ambos se fechem em si mesmos: aproxima o crente de quem duvida e aproxima o que duvida do crente; por um lado, é participar do destino do incrédulo; Para o outro, a dúvida é a forma como a fé, apesar de tudo, subsiste nele como exigência”.


         E esta dúvida torna-se mais forte, mais penetrante, nos momentos difíceis onde parece que estamos afundando e que o Senhor não se importa com isso. Esta foi precisamente a experiência dos apóstolos narrada no evangelho de hoje. É um texto revelador para os discípulos de Jesus, ontem e hoje, porque nos faz descobrir que não podemos estar demasiado seguros da fé/confiança que temos. É bom perguntar-nos se temos a fé/confiança que Jesus espera de nós, porque diante das dificuldades e dos contratempos da vida enlouquecemos e perdemos a paz do coração. E também é bom perguntar-nos por que é verdade que a presença de Jesus não exclui ameaças e perigos.


         O barco da Igreja, onde nos encontramos nós, crentes, tem a missão de prolongar a obra que Jesus fez, com Ele e no seu mesmo caminho e com os seus mesmos meios. Assim, como diz com razão LH Rivas[5]: “Não podemos esperar que nas nossas pequenas comunidades tudo aconteça sem dificuldades, nem que no nosso trabalho evangelizador tudo se faça sem contratempos. Mas no meio de todos os contratempos devemos manter a serenidade porque Cristo está connosco”. Ou seja, já passamos e passaremos por muitas tempestades, mas a fé em Jesus, na sua presença no meio de nós, nos permite manter a calma em meio à tempestade.


          E junto com a dúvida, somos assombrados também pelo medo que nos paralisa, que nos prende em nós mesmos e no nosso grupo, que nos impede de viver uma vida apostólica ousada pessoal e eclesiasticamente. Os discípulos reagem com diferentes tipos de medo. Como observa M. Navarro Puerto[6], Jesus com a sua palavra poderosa acalma o vento e o mar, libertando assim os discípulos da sua covardia, do seu medo. Mas ao mesmo tempo, com este gesto poderoso, ele liberta outro medo que reside nos seus corações: o medo do desconhecido, da revelação da identidade de Jesus que escapa aos esquemas quotidianos. Na verdade, todo medo é uma reação à ameaça de algo que não podemos controlar, que nos vence, seja pela sua força (como a tempestade no mar); ou porque nos é desconhecido ou nos surpreende (como o poder de Deus operando em Jesus).


Como diz o Papa Francisco na GE: “Precisamos do impulso do Espírito para não ficarmos paralisados ​​pelo medo e pelo cálculo, para não nos habituarmos a caminhar apenas dentro de limites seguros” (133). “Deus é sempre novo, que nos impulsiona a recomeçar e a ir além do que é conhecido, em direção às periferias e às fronteiras. Leva-nos até onde a humanidade está mais ferida e onde os seres humanos, sob a aparência de superficialidade e conformidade, continuam a procurar a resposta à questão do sentido da vida. Deus não tem medo! Não tem medo! Ele sempre vai além dos nossos esquemas e não tem medo das periferias. Ele próprio tornou-se uma periferia (cf. Fl 2, 6-8; Jo 1, 14). Portanto, se ousarmos chegar às periferias, lá o encontraremos, ele já estará lá. Jesus primeiro-nos no coração daquele irmão, na sua carne ferida, na sua vida oprimida, na sua alma obscurecida. Ele já está lá” (135).


         Isto é, a missão da Igreja deve enfrentar riscos quando sai para evangelizar. Não podemos permitir que o medo nos pare e nos prenda. Como diz com razão OD Vena[7]: «Deus não nos pede para não sermos humanos, para nunca experimentarmos o medo, mas pede-nos para sermos fiéis, mesmo no meio do medo […] O Cristo ressuscitado é aquele que foi crucificado. A vitória do evangelho é alcançada através do sofrimento, pois os poderes que se opõem à vida não se rendem tão facilmente. Por isso, certamente, sentiremos medo e quereremos abandonar a nossa vocação de semear o reino de Deus, mas lembremo-nos: Jesus está conosco no barco. Ele sabe bem o que é o medo, porque o venceu, e também pode nos dar a capacidade de superar nossos medos e chegar à outra margem, onde há muitos que precisam ouvir a mensagem libertadora de Deus”.


         Nestes momentos de pandemia, como não recordar aqui as luminosas palavras do Papa Francisco, comentando o mesmo evangelho deste domingo, na sua mensagem Urbi et orbi durante o extraordinário momento de oração no átrio da Basílica de São Pedro no dia 1º de março? 27 de 2020: «Por que você está com medo? Você ainda não tem fé? Senhor, você nos dirige um chamado, um chamado à fé. O que não é tanto acreditar que você existe, mas sim ir em sua direção e confiar em você. "Por que você está com medo? Você ainda não tem fé? O início da fé é saber que precisamos de salvação. Não somos autossuficientes; sozinhos afundamos. Precisamos do Senhor como os antigos marinheiros precisavam das estrelas. Vamos convidar Jesus para o barco da nossa vida. Vamos entregar-lhe os nossos medos, para que ele possa superá-los. Como os discípulos, experimentaremos que, com Ele a bordo, não há naufrágio. Porque esta é a força de Deus: transformar tudo o que nos acontece em algo bom, mesmo o ruim. Ele traz serenidade às nossas tempestades, porque com Deus a vida nunca morre... Abraçar a sua Cruz é ousar abraçar todos os reveses do tempo presente, abandonando por um momento o nosso desejo de onipotência e posse para dar espaço à criatividade que só o Espírito é capaz de despertar. Significa incentivar espaços onde todos possam sentir-se convidados e permitir novas formas de hospitalidade, fraternidade e solidariedade. Na sua Cruz fomos salvos para abrigar a esperança e deixar que ela fortaleça e sustente todas as medidas e caminhos possíveis que nos ajudem a cuidar de nós mesmos e a cuidar de nós mesmos. Abrace o Senhor para abraçar a esperança. Esta é a força da fé, que nos liberta do medo e nos dá esperança”.


         Em suma, Jesus espera dos seus discípulos fé, confiança, abandono Nele, serenidade devido à sua presença (mesmo que durma). E esta confiança é apoiada pela Presença e pela Palavra de Jesus.


Notemos os efeitos da palavra poderosa de Jesus: silêncio e calma. Jesus silencia o barulho e a agitação interior e nos devolve o silêncio e a calma. Temos aqui um critério claro para discernir a ação do Senhor na nossa vida: ele silencia os nossos ruídos e nos introduz no seu silêncio e na sua paz.


A título de atualização, é válida a apresentação de L Monloubou[8]: «A anedota referida no nosso texto manifesta o gesto misericordioso de Jesus, ansioso por aparecer diante dos seus discípulos como alguém em quem podem confiar, por mais dramática que possa parecer a situação. para eles. Mas este O medo dos amigos de Jesus, enlouquecidos pelas dificuldades que bloqueiam o seu caminho, não é apenas o medo dos primeiros discípulos, é o medo de todas as gerações de cristãos que temem que o barco que eles reuniram; ao redor vão afundar em Jesus; que se surpreendem com o seu silêncio e que se assustam por não vê-lo agir antes mesmo que as dificuldades realmente surjam, o evangelho de hoje lhes fala da doce compaixão que Jesus tem pelas hesitações. das pessoas a sua fé; expressa, acima de tudo, o domínio absoluto que ele exerce sobre todas as forças do mal”.


         Uma grande mestra de confiança em Deus, Santa Teresinha do Menino Jesus, tinha certa predileção por esta imagem de Jesus dormindo no barco no meio da tempestade. E costuma aplicar isso tanto à sua própria vida quanto à de sua irmã Celina. Sobre a sua vida escreveu à Madre Superiora: “Antes de te falar desta provação, querida Madre, deveria ter-te falado dos exercícios espirituais que precederam a minha profissão. neles a aridez “Os mais absolutos e quase abandonados foram os meus companheiros. Jesus dormiu, como sempre, no meu barquinho”. E então ele expressa isso poeticamente:



Viver com amor é enquanto Jesus dorme


Fique calmo

no meio do mar afogado.


Não tenha medo, ó Senhor, para que eu possa te despertar,

Espero em paz pela costa do céu...


Em breve a fé rasgará o seu véu

e minha espera será de apenas um dia.


A caridade me empurra, enche minha vela,

Eu vivo por amor!


PARA ORAÇÃO (RESSONÂNCIAS DO EVANGELHO EM ORAÇÃO):


 QUEM É ESTE…


 É ele quem te convida para entrar no barco dele

A Igreja que caminha no amor


 Ele é quem dorme na popa

Porque Ele mesmo é o chefe daquele barco


Ele é quem acalma toda tempestade

E espere pela sua confiança no poder dele


 Ele é quem nos encoraja incansavelmente

Para acreditar nele em todos os tempos e em todos os espaços


 Ele é quem bate na porta da sua casa

E espere pacientemente pela resposta à sua chamada


Ele é aquele que te olha só com Amor

Porque o seu Reino não tem outra Palavra


Ele é aquele que te ama além da sua fraqueza e da sua miséria

E ele te diz: NÃO TENHA MEDO, sou amante da sua pobreza


 Deixe-o fazer isso, irmão, deixe-o assumir o comando

Deixe que ele cumpra suas promessas em você. Amém



[1] O. D. Vena, Evangelio de Marcos. Comentario para exégesis y traducción (SBU; Miami 2008) 104.

[2] Marcos (Verbo Divino; Estella 2006) 168.

[3] El evangelio según San Marcos. Vol. I (Sígueme; Salamanca 1992) 228.

[4] Evangelio de Marcos (DDB; Sevilla 2006) 64.

[5] Jesús habla a su pueblo. Ciclo B (CEA; Buenos Aires 2002) 89.

[6] Marcos (Verbo Divino; Estella 2006) 170-172.

[7] Evangelio de Marcos. Comentario para exégesis y traducción (SBU; Miami 2008) 105.

[8] Leer y predicar el evangelio de Marcos (Sal Terrae; Santander 1981) 71.



O PÉ DE MOSTARDA

A SEMENTE